A mulher de Évora
Sérgio Roxo da Fonseca*
Pediu um favor. Há mais de vinte anos seu filho Heraldo havia partido para o Brasil. Disse-lhe adeus ao pé daquela porta. Nunca mais dera notícias. Precisava ver de novo o filho que havia levado um pedaço de sua alma para o lado de lá do mar. Seus olhos eram vermelhos como se o pranto fosse iminente. Mas chorar, ela não chorava. Eram gastas todas as lágrimas, aquelas lágrimas derramadas <_st13a_personname productid="em vão. Se" w:st="on">em vão. Se encontrar o Heraldo, diga a ele que haja o que houver, eu estou aqui, repetindo o som de um fado.
Prometi procurar pelas terras brasileiras um Heraldo de Évora que havia abandonado sua mãe ao pé da porta daquela casa. Sei que a tarefa é titânica. Cumpro a palavra. Se encontro um português, pergunto se não é o Heraldo, aquele que deixou a mãe ao pé de uma porta em Évora. A resposta é sempre negativa. O Brasil e o mar são imensos como as saudades daquela mulher.
O poeta Fernando Pessoa escreveu que Deus deu ao mar o abismo e o perigo, espelhando nele a infinitude dos céus. O mar é infinito como os céus e nele os portugueses deitaram o seu fadário. Houve quem se lançasse ao mar, confundindo-o com o paraíso, e não voltaram mais de sua navegação. Os velhos marinheiros já diziam que navegar é preciso, viver não é preciso.
O Príncipe D. Henrique acreditava que a África terminaria ali pertinho, sendo possível dar a volta nela e atacar Marrocos pelo sul. Mas havia um obstáculo: o Cabo do Bojador, envolvido em neblina e mistério. Ninguém jamais havia ido além do Bojador. Acreditavam que era ali o fim do mundo. A neblina era o resultado da água do mar despejada no inferno e esfumaçada pelo seu fogo. Passar além do Bojador era ir para lá do fim do mundo.
O navegador Gil Eanes, em 1434, foi além do Bojador e descobriu que a África, o mundo, as pessoas continuavam do lado de lá. Marrocos não foi atacado pelo sul, mas os portugueses descobriram os caminhos da Índia, da China e do Japão. Dando as costas para o sol, encontraram o Brasil. Para Fernando Pessoa o mar tornou-se português porque as mães salgaram suas águas com lágrimas, os filhos em vão rezaram, e as noivas ficaram por casar. Mesmo assim, depois do Bojador o mar continua com suas ondas, o mundo permanece correndo para o infinito e as pessoas sobrevivendo com suas alegrias e tristezas.
Valeu a pena? "Tudo vale a pena se a alma não é pequena". Pois, para "passar além do Bojador, tem que passar além da dor", foi exatamente a voz de Fernando Pessoa que em silêncio ouvi refletida nos olhos secos da mulher de Évora.
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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor das Faculdades de Direito da UNESP e do COC.
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