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A penhora on line, merece uma reflexão!

A enorme demanda pelos serviços judiciários no País, nem de longe tem sido acompanhada pelos necessários investimentos na sua estrutura.

3/6/2004

A penhora on line, merece uma reflexão!


Antônio Carlos Magalhães Leite*

A enorme demanda pelos serviços judiciários no País, nem de longe tem sido acompanhada pelos necessários investimentos na sua estrutura.

A atenção dispensada pelo governo no que diz respeito aos reajustes dos vencimentos dos servidores da Justiça bem espelha a tentativa de sucateamento do Poder Judiciário que conta com número reduzido, quer de Juízes, quer de servidores, dificultando o exercício da nobre missão conferida pela Constituição Federal.

Todavia, em vez de se atacar o problema na sua origem, ficamos todos a mercê de soluções que, apesar da boa intenção de garantir o cumprimento da sentença num prazo menor, podem acabar gerando outros problemas. Piores que a simples demora.

Exemplo ilustrativo dessa situação é o mecanismo da penhora on line. Por meio de convênio firmado entre a Justiça Trabalhista e o Banco Central, os Tribunais Regionais ganharam o poder inédito e assustador de rastrear as contas bancárias das empresas e dos sócios, visando promover o bloqueio de seus saldos, a pretexto de forçar o pagamento de alegadas dívidas trabalhistas.

Os defensores dessa fórmula a justificam como um atalho destinado a dar celeridade às execuções. Disso não se duvida. A questão é saber se o que se está fazendo com rapidez é justiça ou injustiça, considerando que, mesmo nessa fase, é comum descobrir-se que houve erro de contas, por exemplo.

Esse é um aspecto, aliás, que tem invalidado inúmeras das pretensas fórmulas mágicas cogitadas para a melhoria do funcionamento dos mecanismos judiciais do país.

Afinal, é fundamental apurar se o cidadão quer apenas um Judiciário veloz ou se, além de rapidez, ele quer também uma Justiça melhor.

Fosse a celeridade o único objetivo a ser atingido, muitas outras medidas poderiam ser adotadas. Resta saber se elas representarão solução ou mais problemas.

Um exemplo, é a campanha que existe contra as possibilidades de recurso. Proibir a parte inconformada de recorrer também reduz o prazo e o trajeto do processo. É de se ver, entretanto, se o princípio constitucional da ampla defesa estará assegurado, caso essa "solução" seja adotada.

O ordenamento jurídico brasileiro assenta-se sobre a premissa de que a constrição judicial deve ser efetuada na forma menos onerosa ao devedor. Esse princípio foi consolidado para que se preserve o interesse social e coletivo sobre o interesse individual. Não podemos voltar aos tempos medievais onde a execução da dívida era impiedosa contra o devedor.

A penhora, levada a efeito sobre a conta bancária da empresa e, muitas das vezes, a de seus sócios, prejudica interesses imediatos de empregados ativos, fornecedores etc, e não só do credor. Até porque, em muitas das vezes, o simples fato de uma empresa possuir valores depositados em bancos, não significa necessariamente que este numerário esteja à disposição da Justiça para penhora.

Saliente-se que uma empresa sobrevive enquanto realizar os fins constantes no seu objeto social. E para a consecução desses fins, é necessária a movimentação de numerários. Desta sorte, os valores depositados em bancos são, na maioria das vezes, destinados a pagamentos de obrigações decorrentes das atividades normais das empresas tais como os próprios salários dos demais empregados e a satisfação de outras dívidas de natureza trabalhista, previdenciária, fiscais etc.

A simples penhora cega de numerários, como vem ocorrendo, está a fazer com que muitas empresas não consigam honrar com outros compromissos assumidos, importando até mesmo em emissão de cheques sem provisão de fundos.

É certo que uma medida que faz valer a autoridade da coisa julgada mereça elogios. Contudo, não se pode em nome da satisfação de um crédito individual colocar toda a sociedade em apuros.

De outra parte, a empresa enquanto executada, deverá ter bens suficientes que possam satisfazer o crédito discutido. Logo, não se justifica a necessidade de penhora em conta corrente.

Tenha-se em vista que a apuração do valor da penhora é fruto do despacho que julga a fase de liquidação de sentença, decisão esta somente impugnável depois da penhora. Desta forma, se entendermos razoável a penhora de depósitos bancários a empresa deverá primeiro imobilizar valores (até superiores ao débito), para depois poder discutir a dívida.

Por tais motivos, não é demais lembrar o contido no artigo 620 do Código de Processo Civil: “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.” Esse “favor”, a despeito da dicção legal, refere-se a vários modos de promover "atos executivos" dentro da execução própria, e não "vários modos de promover a execução. Embora a execução deva ser realizada como resultado do exercício de um direito do credor, nem por isso o sujeito passivo deve ser inutilmente sacrificado, quando, por outro modo que não o usado pelo sujeito ativo, seja atingido o mesmo objetivo quanto à solvência da prestação.

Demais disso, mesmo que seja inobservada a ordem legal do art. 655, do CPC, o ordenamento não tem caráter absoluto, mas relativo e deve atender ao objetivo de garantir o êxito da execução, sem prejudicar desnecessariamente o devedor e toda a atividade empresarial. A penhora sobre crédito em conta corrente, poderá afetar o desempenho da empresa, inclusive sua imagem, quando há outros bens suscetíveis de constrição judicial, caracterizando-se violência contra o devedor e abuso de autoridade. A gradação legal estabelecida para efetivação da penhora não tem caráter rígido, podendo, pois, ser alterada por força de circunstâncias e atendidas as peculiaridades de cada caso concreto, bem como o interesse das partes litigantes.

Apesar de uma medida eficiente e ágil, o sistema aplicado às execuções dos débitos trabalhistas, nos termos que se encontra o convênio entre o Tribunal Superior do Trabalho e o Banco Central, coloca as empresas e os seus sócios à mercê da penhora de um mesmo crédito em múltiplas contas. Portanto, é constatação cristalina que a medida é temerária, ante o risco de bloqueio de quantia imprescindível para a empresa manter seu negócio em atividade, mormente colocando em risco o pagamento dos salários de empregados ativos.

O bloqueio de valores de empresa que tenha em sua conta corrente tão somente o valor exato para pagamento dos salários de seus empregados ativos causaria transtornos imensuráveis para os demais trabalhadores. Eles também, a exemplo do eventual credor, têm compromissos inadiáveis, como o pagamento de aluguel, mensalidade escolar, mantimentos e todas as despesas para a sobrevivência de suas famílias.

O impacto na imagem da empresa, junto ao sistema bancário e a todos que tiverem conhecimento da "punição" é outro fator a ser considerado. Eventuais dificuldades vividas serão agravadas e ampliadas podendo contribuir até mesmo para o encerramento de suas atividades. A quem poderia interessar essa perspectiva?

Ou, ainda, o caso de penhora para resgate de valores que, em seguida, se mostre indevido. Como fará o credor para recuperar o que lhe pertence? Abrirá um novo processo? A quem responsabilizará pelo dano verificado?

A penhora on line, ao que se percebe, atende, eventualmente, a necessidade da máquina judiciária, mas não a dos trabalhadores, pois está levando as empresas a dificuldades maiores, colocando em risco o próprio emprego que é o maior bem do trabalhador. “Ora, dúvida não há de que o bloqueio on-line de saldos bancários e aplicações financeiras dos executados por dívidas trabalhistas, perpetra grave lesão à ordem jurídica, ante a multiplicidade de pessoas físicas e jurídicas, inclusive dos sócios e responsáveis, abrangíveis na acepção de devedores de ações da Justiça do Trabalho.” (texto extraído da ADIn – 3203, proposta por Confederação Nacional dos Transportes, no Supremo Tribunal Federal, de 14/5/2004).

O aperfeiçoamento da Justiça deve ter por matriz a consolidação dos valores que dão forma e personalidade ao Direito. Recorrer a antivalores como atalho para a consecução do que é justo equivale a colocar um edifício inteiro sob risco, a pretexto de consertar uma porta ou uma janela.
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* Advogado do escritório Leite, Tosto e Barros - Advogados Associados










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