Impossibilidade de utilização de processo criminal por crimes contra a organização do trabalho para pagamento de débitos trabalhistas
Evandro Fabiani Capano*
E não se está aqui a condenar este fenômeno. No plano político, ele é necessário para a consolidação da democracia, que não prescinde de uma imprensa livre e ágil para a construção de uma comunidade compromissada de fato com os valores de liberdade e, do ponto de vista econômico, entre outros, da garantia ao livre mercado e da concorrência, que conforme explica Vicente Bagnoli, "depreende-se que esse modelo não combate acordos, oligopólios, monopólios ou qualquer forma de dominação de mercado, mas visa a repressão desses atos quando eles se revelam prejudiciais ao interesse geral" (BAGNOLI, 2002, p.228).
Desse modo, é fato que estamos inseridos em uma sociedade que vivencia as mutações decorrentes da "revolução da informação", a qual nos impõe uma cultura de massa que passou a transformar valores no cotidiano do cidadão, instalando uma demanda consumista sem precedentes no caminhar da humanidade, o que está a produzir no campo econômico algumas realidades distintas daquelas que estudadas por Smith ou Marx, pois do fruto da velocidade com que realizadas as operações comerciais e financeiras e tocando pontos do globo que antes não eram imagináveis ou acessíveis às empresas, tal fenômeno acaba por propiciar oportunidades fabulosas para o mercado, porém de outra mão formata relações entre empregados e empregadores que pela especificidade do trabalho a ser realizado acabam gerando as mais diversas lides sobre os direitos trabalhistas das partes envolvidas nos contratos.
Nesse palco importa discutir o título IV do Código Penal Brasileiro (clique aqui) que dispõe sobre "Dos Crimes Contra a Organização do Trabalho", sobretudo levando-se em conta que nos últimos anos temos assistido ao aumento de inquéritos policiais requisitados por autoridades ou por advogados de empregados, por falta do pagamento de direitos trabalhistas que entendem olvidados, submetendo-se empregadores ao pesado processo criminal, arranhando-se desta forma a reserva garantista-liberal que o Direito Penal desenvolveu através dos séculos.
Enunciamos assim o princípio que rege a matéria. Não há possibilidade de submeter qualquer pessoa a um processo criminal com o fim de pressionar o empregador ao pagamento de direitos trabalhistas, expediente, como dito acima, cada vez mais utilizado pelos advogados de empregados ou sindicatos, alegando não pagamento de direitos trabalhistas ou erro de escrituração de documentos que comprovem a relação de trabalho, como, por exemplo, a Carteira de Trabalho, sobretudo no complexo ambiente em que se desenvolvem as relações atuais do mercado.
Aliás, basta verificar que os crimes previstos no Código Penal exigem constrangimento com violência para a caracterização destes ilícitos. Não basta a simples recusa de reconhecimento de direitos trabalhistas para a configuração destes, os quais não raras vezes são, inclusive, de natureza controvertida.
Em conclusão, devem os empregados ou sindicatos valerem-se dos dissídios junto à justiça do trabalho, esta sim constitucionalmente aparelhada para dirimir as lides trabalhistas, evitando-se a utilização infundada do aparelho judicial criminal, sob pena inclusive de responderem, quem assim procede, pelo crime de denunciação caluniosa.
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