A vulnerabilidade do consumidor e a inversão do ônus da prova no CDC
Germano de Sordi Batista*
Quanto ao princípio da vulnerabilidade do consumidor, este decorre de duas premissas. A primeira, de ordem técnica, quando o fornecedor “sobrepõe-se” ao consumidor, em razão de aquele deter o monopólio das informações relativas a cada produto ou serviço. A segunda, de ordem econômica, em razão de o fornecedor, na maioria das vezes, possuir maior capacidade econômica do que o consumidor.
Diante da vulnerabilidade do consumidor reconhecida pelo legislador, este pretendeu proporcionar àquele meios capazes de garantir seus direitos e mecanismos de defesa contra os fornecedores e prestadores de serviços no mercado consumidor em geral, estatuindo, por meio do inciso VIII do artigo 6º do CDC, a inversão do ônus da prova.
Isso não significa desprezar o artigo 333 do CPC, uma vez que, em princípio, incumbe a quem alega o fato constitutivo do seu direito. Observe-se que o CDC não derrogou essa regra legal, apenas a flexibilizou permitindo ao Juiz inverter o ônus da prova em duas situações: quando houver a verossimilhança das alegações do consumidor e quando o mesmo consumidor estiver em posição hipossuficiente na relação jurídica.
Apesar de o legislador caracterizar o consumidor como parte vulnerável na relação de consumo, isso não é suficiente para que o juiz determine a inversão do ônus da prova nas demandas judiciais, restando, portanto, necessárias as duas premissas acima apontadas.
Não basta que o juiz, ao deparar-se com o caso concreto, simplesmente determine a inversão do ônus da prova, quando se tratar de relação de consumo. Não há aqui faculdade para o juiz, pelo contrário, há requisitos legais a serem observados, que possibilitem, ou não, aplicar-se a inversão.
Cabe observar que, antes de o juiz verificar se há elementos na relação jurídica de consumo para conceder a inversão do ônus da prova, até porque a inversão não é automática, o consumidor deve demonstrar o nexo de causalidade entre o defeito do produto/serviço, o evento danoso e o dano efetivo.
Efetuada a avaliação do nexo de causalidade, é curial a exegese do inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza o magistrado a conceder, ou não, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde que presentes as hipóteses estampadas no dispositivo legal:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I a VII. omissis;
VIII – a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinária de experiência.
O temo “a critério do juiz” nada mais significa do que algo de comparação, de discernimento, não se tratando de algo subjetivo. No caso, instaurado o processo, verificando o juiz que estão presentes a verossimilhança e/ou a hipossuficiência do consumidor, a regra da inversão do ônus da prova deve ser observada a favor do consumidor, de forma expressa, por meio de decisão fundamentada.
A “verossimilhança das alegações” ocorre quando o juiz, ao analisar a petição inicial, possa aferir indício de verdade, devendo o autor/consumidor demonstrar provas convincentes de suas alegações.
A “hipossuficiência” do consumidor não tem relação com fator econômico e nem se confunde com vulnerabilidade, uma vez que a hipossuficiência decorre de desconhecimento técnico, informativo, características, propriedades e eventuais vícios sobre o produto/serviço que é oferecido/prestado. A vulnerabilidade envolve todos esses aspectos elencados e ainda o nível econômico do consumidor.
Nesse sentido, não há inversão do ônus da prova para proteger o consumidor mais “pobre”, já que não é esse o objetivo da norma legal.
Mesmo em se tratando de relação de consumo em que o consumidor tenha maior capacidade econômica do que o fornecedor, há de ser observada a hipossuficiência daquele apenas quanto ao aspecto técnico e de conhecimento.
Alguns doutrinadores defendem que a inversão do ônus da prova, quando for o caso, somente se daria após a apresentação da defesa e até o despacho saneador do juiz, ocasião na qual este teria todos os elementos para analisar se haveria a verossimilhança e/ou a hipossuficiência do consumidor.
Assim, é importante deixar claro que a inversão do ônus da prova somente se dará quando o juiz observar uma das hipóteses posta na norma, verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor, e nunca de forma aleatória. Pode ocorrer dos requisitos não estarem presentes na petição inicial, caso em que a inversão não poderá ser determinada em favor do consumidor.
Pelo que se expôs aqui, extraímos que vulnerabilidade não é sinônimo de hipossuficiência. Além disso, para a aplicação da inversão do ônus da prova, o juiz deve fundamentar a sua decisão na verossimilhança das alegações do consumidor e/ou na sua hipossuficiência, sem o que a inversão não deve ser aplicada no caso concreto.
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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados
** O presente artigo não representa a opinião do Escritório, mas apenas serve de base para debate entre os estudiosos da matéria.
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