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A vulnerabilidade do consumidor e a inversão do ônus da prova no CDC

O Código de Defesa do Consumidor, como sistema autônomo e próprio, que rege as normas de defesa e proteção do consumidor, tem como um de seus princípios básicos a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I), além de previsão do instituto da inversão do ônus da prova em benefício do consumidor (art. 6º, VIII).

19/5/2004

 

A vulnerabilidade do consumidor e a inversão do ônus da prova no CDC  

 

Germano de Sordi Batista* 

        

O Código de Defesa do Consumidor, como sistema autônomo e próprio, que rege as normas de defesa e proteção do consumidor, tem como um de seus princípios básicos a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I), além de previsão do instituto da inversão do ônus da prova em benefício do consumidor (art. 6º, VIII).

 

Quanto ao princípio da vulnerabilidade do consumidor, este decorre de duas premissas. A primeira, de ordem técnica, quando o fornecedor “sobrepõe-se” ao consumidor, em razão de aquele deter o monopólio das informações relativas a cada produto ou serviço. A segunda, de ordem econômica, em razão de o fornecedor, na maioria das vezes, possuir maior capacidade econômica do que o consumidor.

 

Diante da vulnerabilidade do consumidor reconhecida pelo legislador, este pretendeu proporcionar àquele meios capazes de garantir seus direitos e mecanismos de defesa contra os fornecedores e prestadores de serviços no mercado consumidor em geral, estatuindo, por meio do inciso VIII do artigo 6º do CDC, a inversão do ônus da prova.

 

Isso não significa desprezar o artigo 333 do CPC, uma vez que, em princípio, incumbe a quem alega o fato constitutivo do seu direito. Observe-se que o CDC não derrogou essa regra legal, apenas a flexibilizou permitindo ao Juiz inverter o ônus da prova em duas situações: quando houver a verossimilhança das alegações do consumidor e quando o mesmo consumidor estiver em posição hipossuficiente na relação jurídica.

 

Apesar de o legislador caracterizar o consumidor como parte vulnerável na relação de consumo, isso não é suficiente para que o juiz determine a inversão do ônus da prova nas demandas judiciais, restando, portanto, necessárias as duas premissas acima apontadas.

 

Não basta que o juiz, ao deparar-se com o caso concreto, simplesmente determine a inversão do ônus da prova, quando se tratar de relação de consumo. Não há aqui faculdade para o juiz, pelo contrário, há requisitos legais a serem observados, que possibilitem, ou não, aplicar-se a inversão.

 

Cabe observar que, antes de o juiz verificar se há elementos na relação jurídica de consumo para conceder a inversão do ônus da prova, até porque a inversão não é automática, o consumidor deve demonstrar o nexo de causalidade entre o defeito do produto/serviço, o evento danoso e o dano efetivo.

 

Efetuada a avaliação do nexo de causalidade, é curial a exegese do inciso VIII do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que autoriza o magistrado a conceder, ou não, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde que presentes as hipóteses estampadas no dispositivo legal:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

I a VII. omissis;

VIII – a facilitação da defesa dos seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinária de experiência.

O temo “a critério do juiz” nada mais significa do que algo de comparação, de discernimento, não se tratando de algo subjetivo. No caso, instaurado o processo, verificando o juiz que estão presentes a verossimilhança e/ou a hipossuficiência do consumidor, a regra da inversão do ônus da prova deve ser observada a favor do consumidor, de forma expressa, por meio de decisão fundamentada.

 

A “verossimilhança das alegações” ocorre quando o juiz, ao analisar a petição inicial, possa aferir indício de verdade, devendo o autor/consumidor demonstrar provas convincentes de suas alegações.

 

A “hipossuficiência” do consumidor não tem relação com fator econômico e nem se confunde com vulnerabilidade, uma vez que a hipossuficiência decorre de desconhecimento técnico, informativo, características, propriedades e eventuais vícios sobre o produto/serviço que é oferecido/prestado. A vulnerabilidade envolve todos esses aspectos elencados e ainda o nível econômico do consumidor.

 

Nesse sentido, não há inversão do ônus da prova para proteger o consumidor mais “pobre”, já que não é esse o objetivo da norma legal.

 

Mesmo em se tratando de relação de consumo em que o consumidor tenha maior capacidade econômica do que o fornecedor, há de ser observada a hipossuficiência daquele apenas quanto ao aspecto técnico e de conhecimento.

 

Alguns doutrinadores defendem que a inversão do ônus da prova, quando for o caso, somente se daria após a apresentação da defesa e até o despacho saneador do juiz, ocasião na qual este teria todos os elementos para analisar se haveria a verossimilhança e/ou a hipossuficiência do consumidor.

 

Assim, é importante deixar claro que a inversão do ônus da prova somente se dará quando o juiz observar uma das hipóteses posta na norma, verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor, e nunca de forma aleatória. Pode ocorrer dos requisitos não estarem presentes na petição inicial, caso em que a inversão não poderá ser determinada em favor do consumidor.

 

Pelo que se expôs aqui, extraímos que vulnerabilidade não é sinônimo de hipossuficiência. Além disso, para a aplicação da inversão do ônus da prova, o juiz deve fundamentar a sua decisão na verossimilhança das alegações do consumidor e/ou na sua hipossuficiência, sem o que a inversão não deve ser aplicada no caso concreto.

 

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*Advogado do escritório Trigueiro Fontes Advogados

 

** O presente artigo não representa a opinião do Escritório, mas apenas serve de base para debate entre os estudiosos da matéria.   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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