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Fundos de Pensão

São comumente chamados Fundos de Pensão as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (‘EFPC’), regidas pelas Leis Complementares 108 e 109 de 29.05.2001 e artigo 202 da Constituição Federal. Diferenciam-se das Entidades Abertas por não se estenderem a todas as pessoas físicas, mas tão somente aos empregados de determinada empresa, grupo de empresas, ou servidores dos Entes Públicos, chamados patrocinadores, ou ainda, aos associados de pessoas jurídicas de caráter profissional, denominados instituidores.

25/10/2007


Fundos de Pensão – ausência de responsabilidade pelo passivo trabalhista da patrocinadora

Guilherme Nitz Cappi*

RESUMO: A temática proposta sugere uma análise da responsabilidade das Entidades Fechadas de Previdência Complementar ('EFPC'), mais conhecidas como Fundos de Pensão, frente ao passivo trabalhista das empresas patrocinadoras, abrangendo possíveis desdobramentos.

Uma das principais ameaças enfrentadas atualmente pelos Fundos de Pensão no Brasil relaciona-se com o desconhecimento do sistema jurídico que rege estas Entidades. Trata-se do entendimento de parte do Poder Judiciário que ainda vislumbra a responsabilidade dos Fundos de Pensão pelos débitos trabalhistas de suas empresas patrocinadoras.

Este artigo elucida o que são os Fundos de Pensão e objetiva explicar a razão pela qual estas Entidades não tem qualquer responsabilidade por eventuais condenações trabalhistas das empresas que as patrocinam.

1. Introdução

São comumente chamados Fundos de Pensão as Entidades Fechadas de Previdência Complementar ('EFPC'), regidas pelas Leis Complementares n°. 108 (clique aqui) e 109 (clique aqui) de 29.5.2001 e artigo n°. 202 da Constituição Federal (clique aqui).

Diferenciam-se das Entidades Abertas por não se estenderem a todas as pessoas físicas, mas tão somente aos empregados de determinada empresa, grupo de empresas, ou servidores dos Entes Públicos, chamados patrocinadores, ou ainda, aos associados de pessoas jurídicas de caráter profissional, denominados instituidores.

Enquanto as Entidades Abertas de Previdência Complementar, destinadas a qualquer pessoa física que a elas deseje se associar, são obrigadas por lei a constituírem-se sob a forma de sociedades anônimas, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar ou Fundos de Pensão, por não possuírem fins lucrativos, devem organizar-se sob a forma de sociedade civil ou fundação, com o objetivo de administrar planos de benefícios de previdência privada.

Estas modalidades de aposentadoria privada formam, juntamente com a previdência oficial geral (Constituição Federal, artigo n°. 201) gerida pelo Instituto Nacional de Seguro Social ('INSS'), e a previdência oficial dos servidores públicos com regime próprio, (Constituição Federal, artigo n°. 40) a estrutura do modelo previdenciário brasileiro1.

Nesse contexto, os Fundos de Pensão, podem ser classificados como o segundo pilar do sistema de previdência social, caracterizados principalmente sob a forma de planos de previdência privada oferecidos pelas empresas aos seus empregados, em colaboração com o Poder Público na garantia da proteção social aos trabalhadores.

O termo Fundos de Pensão, originário da tradução da expressão inglesa Pension Funds, tem registro pela primeira vez no Brasil no ano de 1989, quando um grupo de profissionais representantes das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, que se reuniam regularmente com o objetivo de desenvolver o sistema recém-criado, decidiu instituir a Associação dos Fundos de Pensão das Empresas Privadas.

Embora o legislador não lhe faça referência, a expressão 'Fundos de Pensão' ganhou imensa popularidade, tornando-se mais conhecida que a nomenclatura oficial, Entidade Fechada de Previdência Complementar, utilizada na legislação.

Constituem-se, portanto, os Fundos de Pensão, em entidades fechadas, sem fins lucrativos, destinados aos empregados de empresas patrocinadoras, ou aos associados de um instituidor, responsáveis por receber, investir e acumular capitais para o pagamento das complementações de aposentadorias de seus associados na forma prevista nos planos de benefícios.

O custeio dos planos de benefícios, ou seja, a forma de acúmulo de capitais para pagamento das complementações de aposentadoria, quem é responsável por fazê-lo, de que forma e em qual proporção, são mecanismos do sistema de previdência privada a serem abordados para o desenvolvimento do tema proposto.

Com o entendimento da engrenagem que move os Fundos de Pensão, sem a qual inexistiriam, juntamente com os fundamentos que regem o sistema previdenciário privado brasileiro, objetiva-se demonstrar que estas Entidades não poderão ser responsabilizadas, ou mesmo influenciadas diretamente, pelos passivos trabalhistas de suas respectivas empresas patrocinadoras, sob pena de inviabilizar o sistema.

Trata-se de um tema relativamente novo no meio jurídico nacional, mas que se apresenta com assombrosa importância no dia-a-dia do cidadão brasileiro e agiganta-se a cada segundo com o vertiginoso aumento dos Fundos de Pensão no país e no mundo, refletindo a esperança de milhões de brasileiros em usufruir uma aposentadoria estável.

2. Planos de Benefícios

Os planos de benefícios são representados pelos contratos, regidos pelo direito civil, facultativamente assinados entre um participante e uma entidade de previdência privada, no ato da adesão, nos quais estão inseridos os direitos e deveres dos contratantes, como os benefícios abrangidos, a forma de custeio e as regras para aquisição destes benefícios.

Todo participante inscrito em um plano de benefícios tem direito à cópia do regulamento do plano atualizado, acompanhado de material explicativo, em linguagem simples, bem como ao certificado contendo indicação dos requisitos que regulam a admissão e a manutenção da qualidade de participante, inclusive quanto aos critérios de elegibilidade e forma de cálculos dos benefícios2.

Usualmente são três as modalidades de planos de benefícios oferecidos pelas entidades Fechadas de Previdência Complementar: benefício definido, contribuição definida e contribuição variável.

Cada modalidade de plano de benefício requer uma autorização específica da Secretaria de Previdência Complementar ('SPC') para que seja instituído e administrado por um Fundo de Pensão3.

No plano de benefício definido a intenção é que o participante conheça previamente, no momento de seu ingresso no plano, o valor de sua futura complementação de aposentadoria e os requisitos a serem satisfeitos para alcançá-la.

Não obstante parecer justo na teoria, na prática revela-se com maior risco aos cálculos atuariais e, por conseqüência, ao equilíbrio financeiro das Entidades, ante as variações das aplicações ao longo das décadas que precedem a concessão do benefício. Esta modalidade de plano de benefícios tem sido deixada de lado pelo mercado.

Nos planos de contribuições definidas4 o participante não tem conhecimento prévio do valor da complementação da aposentadoria, mas é estabelecido um sistema de cotização a ser preenchido, pelo qual, mediante determinado número de contribuições, terá o participante direito à percepção do benefício, cujo valor será calculado ao final do período aquisitivo, com base no valor aportado e nos rendimentos auferidos.

Os planos de contribuição definida trazem a reserva matemática de cada participante em contas individuais, convertendo-se em cotas as quantias aportadas no decorrer do período aquisitivo.

Esta modalidade de plano de benefícios tem sido preferida atualmente, pois minimiza os riscos assumidos pela Entidade ao retirar-lhe a responsabilidade de preestabelecer o valor de uma complementação de aposentadoria que deverá ser paga décadas após o ingresso do participante no plano, e, por outro lado, o sistema de cotização permite delinear o capital atinente a cada participante.

Por fim, o plano de contribuição variável, que conjuga características das duas modalidades anteriores, pelo qual é possibilitado ao participante previamente estipular a periodicidade e o valor das contribuições. Sobre estes fatores e o ganho com o investimento será calculado o valor do benefício.

2.1. Custeio dos planos de benefícios

Por serem restritos a um determinado grupo, os Fundos de Pensão sempre estarão vinculados a um instituidor, ou, a um ou mais patrocinadores5.

Estes patrocinadores, juntamente com os participantes e assistidos, são os responsáveis pelo custeio dos planos de benefícios, através de contribuições realizadas parte pelo patrocinador, parte pelo participante ou assistido.

No caso das Entidades patrocinadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas diretamente ou indiretamente por aqueles entes públicos, o legislador limitou a parcela de contribuição do patrocinador para o plano de benefícios, que em nenhuma hipótese poderá exceder a contribuição do participante6.

Esta paridade estabelecida como limite pela Lei Complementar nº. 108/20017, embora não extensiva às Entidades patrocinadas por empresas privadas, acabou consagrada na prática, tornando-se muito comum, ou seja, o aporte mensal em partes iguais, pelo patrocinador e pelo participante.

O custeio dos planos de benefícios trata da gênese dos Fundos de Pensão, qual seja, uma estrutura de previdência privada fundamentada na capitalização de recursos, sob regras preestabelecidas no plano de benefícios e na legislação, com a finalidade de garantir o pagamento em pecúnia da complementação de aposentadoria.

Isto fez com que o legislador, em destaque a vital importância deste instituto para os Fundos de Pensão, reproduzisse no artigo primeiro que inaugura a Lei Complementar nº. 109/2001, a norma da Constituição Federal, artigo n°. 202, que determina que o regime de previdência privada "será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar."

Estas reservas de que fala a lei, referem-se à fonte de custeio, e o benefício contratado, aos planos de benefícios.

Sem deixar dúvidas quanto a quem compete a formação do capital garantidor dos benefícios contratados, o artigo 6º da Lei Complementar nº. 108/2001 prevê expressamente que "o custeio dos planos de benefícios será responsabilidade do patrocinador e dos participantes, inclusive assistidos."

Ainda no intuito de resguardar o equilíbrio financeiro e atuarial da Entidade, o legislador fez constar no artigo n°. 18 da Lei Complementar nº. 109/2001 que "o plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário a constituição das reservas garantidoras de benefícios."

Outra proteção ao instituto, esta indireta, está prevista na regras que regulamentam a previdência oficial, mais especificamente no artigo n°. 195, § 5º da Constituição Federal, pelo qual "nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total."

Isto porque, não obstante a revogação da Lei nº. 6.435/77 (clique aqui) pelo artigo n°. 79 da Lei Complementar nº. 109/2001, a tese prevista em seu artigo n°. 368 permanece viva, ou seja, a aplicação subsidiária das regras destinadas à seguridade social, aos Fundos de Pensão, no que for cabível.

Nesse sentido, o artigo n°. 195, § 5º da Constituição Federal encaixa-se perfeitamente na sistemática de custeio dos planos de benefícios trazida pela legislação específica, devendo ser aplicado subsidiariamente aos Fundos de Pensão.

Em verdade, trata-se a fonte de custeio do alicerce sem o qual inexiste o regime previdenciário privado, eis que fundamental para o pagamento dos benefícios contratados.

Por este instituto, patrocinadores e participantes vertem recursos, em dinheiro, para uma Entidade responsável por aplicá-los, guardados os limites impostos pela legislação, com o objetivo de proteger tais recursos contra tudo e contra todos, mantendo seu poder de compra, porquanto representarão remuneração do cidadão em sua velhice.

Havendo resultado deficitário, deverá ser equacionado pelos patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção de suas contribuições, nos termos do artigo n°. 21 da Lei Complementar nº. 109/2001.

A idéia é simples e de fácil compreensão, porém, como um alicerce que sustenta um imenso edifício, acaso minimamente violado, pode provocar a queda de toda a estrutura sobre ela sustentada.

Daí a necessidade da blindagem deste instituto pelo legislador, que de fato procurou fazê-lo. Contudo, a prática mostra que ainda serão necessárias novas regras para concluir tal proteção, conquanto muitos ainda não compreenderam o que representa a da fonte de custeio para o sistema previdenciário privado, como veremos adiante.

2.3. Natureza jurídica da previdência privada

Embora fartamente regulado pela legislação, e ainda que restrito a um determinado grupo, no caso dos Fundos de Pensão, o regime de previdência privada é contratual, e sua natureza jurídica, como o próprio nome denuncia, é de direito privado.

Qualquer que seja a natureza jurídica da empresa patrocinadora, os Fundos de Pensão serão sempre privados, e a contratação de um plano de benefícios, facultativa.

Sem fins lucrativos, os Fundos de Pensão estão destinados a administrar recursos vertidos por empregados e suas respectivas empresas patrocinadoras, visando a formação do capital garantidor para pagamento, no futuro, dos benefícios previstos nos planos de benefícios, em prestações pecuniárias denominadas complementações de aposentadoria.

Fábio Zambitte Ibrahim (2006, p. 619), esclarece que a previdência complementar estaria melhor rotulada como "implementar", na medida em que os pagamentos dos benefícios pelas Entidades de previdência privada independem da aquisição de aposentadoria pelo regime geral da previdência social, ou seja, o detentor de um plano de benefícios de previdência privada não precisa ter adquirido a prestação da previdência pública para receber os benefícios de sua aposentadoria privada, descaracterizando seu caráter complementar9.

Tratam-se, portanto, sistema público e privado de previdência, de regimes autônomos, nos termos expressos no artigo n°. 202 da Constituição Federal, segundo o qual "o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo."

Assevera, ainda, o mesmo autor, ao definir a natureza jurídica da previdência privada, que "ao contrário do regime geral, a previdência complementar submete-se ao regime privado do direito, uma vez que o ingresso não é compulsório, daí resultando sua natureza contratual, ao contrário da natureza institucional da previdência básica, dotada de filiação obrigatória." (IBRAHIM, 2006, p. 619)

Diante do consagrado princípio da autonomia dos planos de benefícios, pode-se concluir que a integralidade dos recursos em poder dos Fundos de Pensão, pertencem aos seus participantes, acentuando o caráter privado destas instituições.

Neste ponto, imprescindível visualizar que o patrimônio dos Fundos de Pensão não se confundirá, em nenhuma hipótese, com o patrimônio da empresa patrocinadora, sendo que, uma vez vertidas as contribuições em prol dos planos de planos de benefícios, estes recursos pertencerão unicamente ao trabalhador, participante, para garantia de sua complementação de aposentadoria.

3. O passivo trabalhista do Patrocinador e os Fundos de Pensão

Conforme vimos, de acordo com a legislação em vigor, a estrutura dos Fundos de Pensão está protegida, dentre outras, pelas regras aplicáveis ao custeio dos planos de benefícios, no intuito de garantir confiabilidade ao sistema, conferindo às entidades maior segurança para atingir sua finalidade precípua, qual seja, o pagamento dos benefícios contratados.

Nada obstante, na prática tem se repetido as situações, sobretudo na Justiça do Trabalho, pela qual tramita a maioria dos processos envolvendo os Fundos de Pensão, nas quais julgadores vislumbram a responsabilidade destas Entidades pelo pagamento de benefícios estranhos ao contrato e sem previsão de fonte de custeio.

Tratam-se estes novos benefícios do passivo trabalhista das empresas patrocinadoras.

Imaginando estarem protegendo os trabalhadores, alguns julgadores vêm reconhecendo a responsabilidade solidária dos Fundos de Pensão pelo pagamento dos direitos trabalhistas obtidos em vitórias judiciais contra as empresas patrocinadoras.

Esta tese, quando fundamentada, geralmente está embasada no parágrafo 2º, artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (clique aqui), pelo qual:

Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Para os que defendem esta corrente, patrocinador e Fundo de Pensão constituiriam grupo econômico, e, por conseqüência, seguindo este pensamento, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar seriam responsáveis solidárias pelos débitos trabalhistas da empresa patrocinadora, conforme trecho de decisão extraída do processo nº. 1006.40.01.00-0, na sentença proferida pela 40ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro:

Responsabilidade Solidária
Defiro a responsabilidade solidária entre as empresas componentes do pólo passivo da presente demanda.
Embora cada uma das rés tenha personalidade jurídica própria, ambas fazem parte do mesmo grupo econômico. A entidade fechada de previdência complementar foi criada pela empresa ré10 e é por esta patrocinada, razão pela qual se configuram incidentes as regras do § 2º, art. 2º da CLT.

Até mesmo pelo simples fato de serem responsáveis pela complementação de aposentadoria de seus associados, os Fundos de Pensão muitas vezes são onerados com o passivo trabalhista de sua patrocinadora, sem qualquer fundamentação que justifique a responsabilidade solidária, senão vejamos sentença proferida pelo juízo da 9ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro no processo nº. 620.2006.09.01.00.4, pelo qual um recém-aposentado moveu reclamação trabalhista contra o patrocinador, seu ex-empregador, e o Fundo de Pensão, em busca da manutenção do benefício de auxílio-alimentação, que lhe era pago quando em atividade, mas que não estava previsto no contrato de previdência privada do autor:

É indiferente se a parcela tem natureza indenizatória ou salarial, ao contrário do que alegam as rés. Fato é, que se trata de benefício decorrente de contrato de trabalho que não podem ser suprimidos porque os documentos dos autos mostram que havia garantia de pagamento a aposentados e pensionistas, além de empregados que já recebiam.
Portanto, tendo tal estado previsto no contrato de trabalho do empregado, quando este se aposenta, ou há a questão de pagamento à pensionista, não há que se falar em supressão do benefício, pois o mesmo deve continuar nos termos do art. n°. 468 da CLT e súmulas n°. 51 e 288 do TST.
Esclareça-se que as rés respondem solidariamente na hipótese, pois a concessão do benefício é da 1ª ré, cabendo à entidade de previdência privada o pagamento da complementação da aposentadoria, mesmo porque esta decorre do contrato de trabalho.

Embora tais entendimentos configurem corrente minoritária, as idéias contidas são desestabilizadoras do sistema de previdência privada.

Não é raro ver um magistrado deixar-se seduzir por este perigoso e equivocado caminho na condução de suas decisões.

Tomemos como exemplo a Varig e seu Fundo de Pensão, o Aerus.

Seguindo a linha de raciocínio dos que vislumbram a existência de grupo econômico, os recursos do Aerus, pertencente aos seus participantes e assistidos, destinados ao pagamento de suas complementações de aposentadorias, garantidores do sustento de inúmeras famílias, ao invés de serem proporcionalmente rateados entre os que fazem jus aos recursos, seriam destinados ao pagamento do passivo trabalhista da Varig.

Dessa forma, imaginem-se centenas, ou milhares de aposentados, que nada tem a receber de créditos trabalhistas, perdendo seus recursos da aposentadoria complementar, formados durante uma vida de trabalho, para o pagamento do passivo trabalhista da patrocinadora falida em função da irresponsabilidade de seus administradores.

Restaria a pergunta sobre qual trabalhador se interessaria em alocar décadas de investimento em busca de uma aposentadoria condigna, num sistema tão vulnerável?

Contudo, a teoria de existência de grupo econômico, para felicidades dos trabalhadores que acreditaram no sistema previdenciário privado, mostra-se falha quando confrontada com o melhor direito aplicável.

Sérgio Pinto Martins (2005, p. 181) assevera que, para configuração do grupo econômico, "o grupo de empresas deverá ter atividade industrial, comercial ou outra atividade qualquer, desde que seja econômica.", e conclui o raciocínio no sentido de que as entidades sem fins lucrativos não poderão ser consideradas como grupo de empresas.

De fato, por mais extensiva que se possa imaginar a teoria do grupo econômico, a própria letra da lei impõe limites que haverão de ser observados.

No caso dos Fundos de Pensão, a ausência de finalidade lucrativa, dentre outras peculiaridades, descaracteriza a teoria da formação de grupo econômico entre estas Entidades e suas respectivas empresas patrocinadoras.

Não bastasse, existem fatos ainda mais persuasivos que afastam definitivamente a tese de grupo econômico, como o princípio da autonomia dos planos de benefícios, pelo qual a totalidade dos recursos em poder dos Fundos de Pensão, pertence aos seus participantes.

Por este princípio, o patrimônio dos Fundos de Pensão não se comunica com o patrimônio da empresa patrocinadora, posto que, uma vez vertidas as contribuições em benefício dos planos de benefícios, estes recursos pertencerão integralmente ao trabalhador, participante, para garantia do pagamento de sua complementação de aposentadoria.

A conseqüência lógica deste pensar, é que os recursos das empresas patrocinadoras pertencem aos empresários, acionistas ou ao poder público, enquanto os recursos geridos pelos Fundos de Pensão são propriedade de uma pluralidade de trabalhadores.

Como visto, os patrimônios pertencem a pessoas distintas e não se confundem, seja por força de lei, seja pelos contratos firmados com os trabalhadores.

A idéia tornou-se mais cristalina com a adesão maciça das entidades aos planos de contribuição definida, que trazem a reserva matemática de cada participante em contas individuais, convertendo-se em cotas as quantias aportadas.

Nos planos de contribuição definida cada participante pode precisar, no momento em que desejar, os recursos correspondentes às suas cotas, sendo que a soma total dos recursos de cada trabalhador, aliada às reservas administrativas, corresponderá ao patrimônio total dos Fundos de Pensão.

Importante assinalar que não há alternativa na legislação que permita a utilização dos recursos dos Fundos de Pensão para socorrer a empresa patrocinadora, mas tão somente o contrário11, ou seja, o aporte de recursos por parte da patrocinadora e dos participantes em caso de dificuldades nas contas dos Fundos de Pensão.

Nesse contexto, sempre há que se ter em mente que o patrimônio dos Fundos de Pensão constitui uma preciosa reserva garantidora da aposentadoria de milhões de trabalhadores, e o fato de estruturarem-se num sistema de capitalização de riquezas, ao contrário da previdência oficial, não deve ser visto como pretexto para impingir-lhes finalidade lucrativa, vedada por lei, ou mesmo servir de base para condenações.

4. Conclusão

Em verdade, a teoria da formação de grupo econômico entre Fundos de Pensão e empresas patrocinadoras constitui um desserviço ao sistema previdenciário privado, assim como qualquer outra tese que vislumbre responsabilizar as entidades fechadas de previdência complementar pelo passivo trabalhista das empresas patrocinadoras.

Trata-se de equivocado pensamento, a ser repelido pela raiz, para o bem de milhões de trabalhadores brasileiros que durante décadas de atividade confiaram na credibilidade da previdência privada.

É possível fazê-lo fundamentadamente, ante o princípio da autonomia dos planos de benefícios, que permite a distinção e individualização do patrimônio pertencente às empresas patrocinadoras e dos Fundos de Pensão.

Tratando-se de entidades administradoras de recursos de complementação de aposentadoria dos trabalhadores, sem fins lucrativos, não há que se falar em formação de grupo econômico.

Para que os Fundos de Pensão cumpram seu desiderato, faze-se necessário o respeito ao princípio da autonomia e do custeio do plano de benefícios, segundos os quais estariam vinculados ao pagamento dos benefícios contratados, mas jamais aos débitos assumidos pela empresa patrocinadora, qualquer que seja sua natureza.

Os que militam nessa área haverão de reconhecer que a melhor garantia aos trabalhadores será a proteção aos recursos de suas complementações de aposentadoria, assegurada por lei.

De forma que, o passivo trabalhista das empresas patrocinadoras, definitivamente, não constitui obrigação de uma Entidade responsável pela administração de recursos particulares de previdência privada.

Na prática, os eventuais reflexos desse passivo trabalhista nas complementações de aposentadoria, dependerão da prévia formação do capital garantidor dos benefícios instituídos ou majorados, esta sim, responsabilidade solidária do patrocinador e do trabalhador.

____________

1 A contratação de um plano de previdência privada, facultativa, não exclui a obrigatoriedade de filiação ao regime geral de previdência social, ressaltando seu caráter complementar.

2 Lei Complementar nº. 109/2001, art. n°. 10.

3 Lei Complementar nº. 109/2001, art. 6º.

4 Os famosos Plano Gerador de Benefício Livre ('PGBL') e o Vida Gerador de Benefício Livre ('VGBL'), exemplos de planos de contribuição definida, referem-se a planos de contribuição definida de Entidades Abertas, e, portanto, não se aplicam aos Fundos de Pensão.

5 Lei Complementar nº. 109/2001, art. n°. 12 e art. n°. 31.

6 Lei Complementar nº. 108/2001, art. 6º.

7 A Lei Complementar n°. 108/2001 trata somente das Entidades fechadas patrocinadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas diretamente ou indiretamente por aqueles entes públicos. A Lei Complementar n°. 109/2001 cuida de todas as Entidades Abertas e Fechadas de Previdência Complementar.

8 Lei nº. 6.435 de 15 de julho de 1977. Art. n°. 36. As entidades fechadas serão reguladas pela legislação geral e pela legislação de previdência e assistência social, no que lhes for aplicável, e, em especial, pelas disposições da presente Lei.

9 Lei Complementar nº. 109/2001, art. n°. 68. § 2º. A concessão de benefício pela previdência complementar não depende da concessão de benefício pelo regime geral da previdência social.

10 O nome das partes foi substituído pelos termos entidade fechada de previdência complementar e empresa ré.

11 Lei Complementar nº. 109/2001, art. n°. 21.

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Referências

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CAZETTA, Luis Carlos. Previdência Privada. O regime jurídico das entidades fechadas. São Paulo: Sérgio Antônio Fabris: 2006.

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FELIPE, J. Franklin Alves. Curso de Direito Previdenciário. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003.

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JULIÃO, Pedro Augusto Musa. Curso básico de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense. 2002.

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REIS, Adacir. Fundos de Pensão e Incompetência da Justiça do Trabalho. Livro do 27º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão. Publicação da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp): 2006.

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TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 5.ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris. 2003.

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*Advogado militante na área de previdência complementar do escritório Tauil, Chequer & Mello Advogados, associados a Thompson & Knight LLP.

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