O Concubinato sob uma perspectiva histórica (Período Medieval e idade Moderna)
Vitor Frederico Kümpel*
Outro fato relevante a ser considerado, nesse período, é o do afloramento da homossexualidade, por força da adoção do pensamento grego. Afirma-se que São Bernardino ficou estarrecido com a quantidade de homossexuais encontrada em Roma, inclusive na classe social economicamente privilegiada. Retrata Durant que: "Em 1492, um nobre e um sacerdote, condenados por terem praticado atos sexuais, foram decapitados na Piazzetta; seus corpos foram queimados publicamente." 3
A prostituição se tornou uma prática generalizada. Em 1490, só em Roma, havia 6.800 prostitutas registradas. Tal número, porém, não leva em consideração as praticantes clandestinas. Em Veneza, o censo de 1.509 informou que havia 11.654 prostitutas para uma população de 300.000 habitantes. Existia, inclusive, um catálogo com as principais e mais homenageadas cortesãs de Veneza, seus nomes, endereços e preços, segundo Durant.4
Todo esse contexto tornou o casamento apenas uma forma de manter a propriedade no âmbito da família. Tanto isso é verdade que o contrato de casamento de uma menina poderia ser estabelecido quando ela tivesse apenas três anos de idade, sendo que as núpcias seriam realizadas quando completasse doze anos. A filha solteira, com quinze anos de idade, representava infelicidade para a família5. Já no século XVI, a idade matrimonial foi estendida, para a mulher, até os dezessete anos, a fim de que a família desta pudesse amealhar dote suficiente que permitisse o seu casamento. Chegou-se a ponto de a cidade de Florença criar um seguro dotal do Estado "Monte delle fanciulle" (fundo das meninas). Com esse fundo, as famílias pagavam pequenos prêmios anuais para que a jovem, aos dezessete anos, pudesse sacá-lo e entregá-lo ao noivo, como dote de casamento. Os artistas da época viviam e demonstravam esse contexto social por meio de suas obras de arte.
Encerra-se o mencionado período, no qual os concubinatos eram relacionamentos costumeiros, afirmando que a grande maioria dos casamentos era constituída de uniões diplomáticas, visando interesses econômicos e políticos. As mulheres geralmente anuíam, implicitamente, com o fato de os maridos terem outras famílias. Retrata Durant: "Nas classes médias alguns homens eram de opinião que o adultério era uma distração legítima. Maquiavel e seus amigos deviam tê-lo achado a coisa mais natural, pois trocavam correspondências sobre suas infidelidades. Quando, em tais casos, a esposa se vingava, procedendo de maneira igual, o marido muitas vezes fingia ignorar tal situação. Contudo, com a chegada dos espanhóis à Itália, com intermédio de Nápoles, Alexandre VI e Carlos V, a "questão de honra" espanhola começou a entrar na vida italiana; no século XVI, o marido sentia-se obrigado a punir com a morte a esposa adúltera, embora mantivesse incólumes seus privilégios primitivos. Ele podia abandonar a esposa e, mesmo assim, prosperar. A mulher abandonada não tinha outro recurso, salvo o de reclamar o seu dote, voltar para a casa dos pais e viver uma vida solitária. Ela não podia casar-se novamente. Podia ingressar em um convento; este, porém, esperava a doação de seu dote. Em geral, nos países latinos, tolera-se o adultério como substitutivo para o divórcio." 6
Passados mais de cem anos, tendo a Europa sofrido sólida influência da Reforma de Lutero à Contra-Reforma do Concílio de Trento, o quadro social e familiar também sofreu forte transformação. A noção de moral passa a estar atrelada à de bom costume. Houve um forte afluxo puritanista, que pregava rigor familiar. Passou-se por um período de intensa pressão com a imposição da teologia e da ética dos puritanos, pregando-se virtude, piedade e fidelidade conjugal. Tal período não durou muito, sendo que logo houve quebra dessa situação por parte da classe mais abastada, com repressão aos puritanos. Assinala Durant que "quanto mais elevada a posição tanto mais baixa a moral. Jaime, Duque de York, irmão do Rei, parece ter excedido até a cota de amantes para os reis." 7
Esse período estendeu-se até por volta de 1700 e foi marcado por uma intensa infidelidade conjugal, tanto dos maridos quanto das esposas. A situação de promiscuidade chegou a ponto de a homossexualidade tomar conta do exército inglês. Ocorre, a partir desse período, uma mudança comportamental, na medida em que os casamentos por amor passaram a ser valorizados e, graças a isso, aumentou o respeito entre os cônjuges. O marido continua a ter domínio sobre a esposa e, inclusive, sobre o dote que ela trazia. Assinala Durant: "Em todas as classes a vontade do marido era a lei. Nas classes inferiores ele se servia de seus direitos legais para bater na mulher, mas a lei proibia-o de usar qualquer vara mais grossa que seu polegar. A disciplina na família era severa, exceto nas classes altas de Londres. O divórcio era raro, mas podia ser concedido por meio de ato do Parlamento" 8.
A seguir, no próximo número, discutiremos o casamento e as relações extramatrimoniais na Idade Moderna.
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1 DURANT, Will. A história da Civilização – A Renascença, 2.ª ed. São Paulo: Editora Record, p. 459.
2 Op. cit. p. 465.
3 Op. cit. p. 466.
4 Op. cit. p. 467.
5 Op. cit. p. 467.
6 Op. cit. p. 468.
7 Op. cit. v. VIII, p. 240.
8 Op. cit. v. VIII, p. 242.
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*Doutor em Direito, Juiz de Direito e Professor no CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus e na Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus.
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