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Modelo institucional do setor elétrico

Em 15 de março de 2004, verificou-se a conversão das Medidas Provisórias nos 144 e 145 nas Leis nos 10.847 e 10.848, estabelecendo as diretrizes para a regulamentação do Setor Elétrico brasileiro. A despeito da extensão dos debates (e embates) havidos no curso dos últimos meses, não há que se falar em um “modelo” institucional propriamente dito pois inexiste, por ora, um conjunto harmônico de regras e princípios a regular a maioria dos aspectos estruturais do setor elétrico.

3/5/2004

Modelo institucional do setor elétrico

 

Marcos Chaves Ladeira

 

Maury Sérgio Lima e Silva

 

André Vertullo Bernini*

 

Em 15 de março de 2004, verificou-se a conversão das Medidas Provisórias nos 144 e 145 nas Leis nos 10.847 e 10.848, estabelecendo as diretrizes para a regulamentação do Setor Elétrico brasileiro. A despeito da extensão dos debates (e embates) havidos no curso dos últimos meses, não há que se falar em um “modelo” institucional propriamente dito pois inexiste, por ora, um conjunto harmônico de regras e princípios a regular a maioria dos aspectos estruturais do setor elétrico. Essa, aliás, é a maior crítica ao “modelo” aprovado, pois somente após a publicação de portarias e resoluções ministeriais é que se poderá conhecer o alcance das modificações pretendidas. Seria oportuno mencionar, ainda, o fato de permanecerem pendentes de julgamento as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nos 3090 e 3100, ajuizadas em dezembro de 2003 pelos partidos políticos PSDB e PFL, cuja argumentação, se acatada, poderá atrasar significativamente a sistematização do novo “modelo”, a qual, segundo informado pela Ministra de Minas e Energia, deveria idealmente ocorrer no mês de abril de 2004.

 

O novo “modelo” busca essencialmente a modicidade tarifária e a segurança no abastecimento de energia através de um planejamento governamental para a expansão do sistema elétrico. Serão criados dois ambientes distintos de contratação de energia, um dos quais regulado e o outro livre, devendo o primeiro deles ser integrado por consumidores cativos e o segundo por consumidores livres e comercializadores. A contratação no primeiro ambiente será coordenada a partir de um pool, estando a contratação no ambiente livre sujeita unicamente às regras de mercado.

 

Com o fito de reduzir a sobra de energia, as concessionárias, permissionárias e autorizadas (agentes) de serviço público de distribuição de energia elétrica (“distribuidoras”) deverão obrigatoriamente adquirir um volume de energia que atenda toda a demanda do mercado a ser suprido, devendo a aquisição dessa energia ocorrer no Ambiente de Contratação Regulada (ACR), por meio de licitação. A contratação livre será possibilitada aos chamados consumidores livres. A dispensa de licitação é igualmente possível em alguns casos específicos, tais como a compra da energia proveniente de Itaipu, bem como de pequenas centrais hidrelétricas, fontes eólicas, biomassa etc., estas últimas se enquadradas na primeira etapa do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica - PROINFA.

 

Fica vedado às distribuidoras a aquisição do suprimento de energia mediante a celebração de contratos bilaterais livremente negociados, aí incluído o self-dealing, ou seja, a contratação de energia elétrica com empresas de geração integrantes do mesmo grupo econômico das distribuidoras, com vista à eliminação de ineficiências ou ganhos extraordinários que, no passado, eram apropriados mediante o repasse de custos e ineficiências aos consumidores cativos estabelecidos na área de exploração da concessão de distribuição suprida com a energia elétrica adquirida da empresa de geração integrante do grupo econômico da distribuidora.

 

Com o fim da contratação direta, as distribuidoras não terão qualquer incentivo para investir na geração de energia, o que será a elas terminantemente proibido; assim, as empresas de geração que sejam presentemente coligadas ou controladas de distribuidoras devem sofrer reestruturação societária que possibilite a segregação de atividades pretendida pelo “modelo” em um prazo decadencial que será oportunamente fixado em regulamentação ministerial.

 

Os agentes de distribuição de energia que atuarem no Sistema Interligado de Energia não poderão desenvolver atividades de geração, transmissão ou venda de energia a consumidores livres fora da sua área de concessão, nem participar em outras sociedades, de forma direta ou indireta (exceto como forma de gestão dos recursos financeiros ou se autorizadas pelos contratos de concessão).

 

A necessidade de licitação para a venda de energia elétrica pelas geradoras sob controle federal, estadual ou municipal deixa de ser obrigatória, passando a ser facultativa, a depender de regulamentação. De forma análoga, a parcela de energia elétrica não comercializada em leilão por essas geradoras poderá ser alternativamente liquidada no mercado de curto prazo.

 

A necessidade de anuência prévia da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL para a captação, aplicação e empréstimo de recursos destinados ao próprio agente, ou a sociedade coligada, passa a estar prevista em lei e não mais apenas em regulamentação da ANEEL.

 

Fica assegurado por lei que a definição do preço da energia, a contabilização e a liquidação das compras e vendas de energia no mercado de curto prazo deverão refletir a variação do valor econômico da energia, mediante critérios ditos objetivos a serem ainda estipulados. O Conselho Nacional de Política Energética proporá os critérios gerais de garantia de suprimento a serem considerados no cálculo da energia assegurada.

 

A ser definido em regulamento, será mantido o arcabouço de condições e limites para repasse dos custos de aquisição de energia elétrica para os consumidores finais. Nos contratos de compra e venda de energia associada, os riscos hidrológicos serão assumidos pelos geradores; já nos contratos de compra de potência, os riscos hidrológicos serão incorridos pelos compradores, podendo ser repassados às tarifas dos consumidores finais.

 

No Ambiente de Contratação Regulada - ACR, a contratação se dará por meio de Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado - CCEAR, mediante licitação regulamentada pela ANEEL, a ser conduzida pela própria ANEEL ou por intermédio da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, na qualidade de sucessora do Mercado Atacadista de Energia - MAE. As licitações terão de contemplar tratamentos distintos a serem outorgados a (i) empreendimentos de geração existentes; (ii) novos empreendimentos de geração; e (iii) empreendimentos de fontes alternativas (eólicos, biomassa etc.).

 

Para os CCEAR provenientes de empreendimentos de geração existentes, o prazo de contratação deverá observar o mínimo de três e o máximo de quinze anos. Para os novos empreendimentos de geração, o prazo de contratação irá variar de quinze a trinta e cinco anos. As distribuidoras poderão, apenas para fins de ajustes, contratar percentuais de até 5% de sua carga mediante a celebração de contratos com prazo máximo de dois anos de suprimento.

 

A homologação dos contratos de venda e compra de energia elétrica passa a ser realizada pelo Poder Concedente, tornando-se obrigatória também para os consumidores livres, que deverão informar suas necessidades de energia e potência.

 

O Poder Concedente determinará a localização e a potência dos novos empreendimentos de geração a serem licitados, após obtenção do licenciamento ambiental. A licitação será pelo menor valor atribuído pelo licitante-empreendedor à energia associada e/ou potência a ser disponibilizada. O Poder Concedente poderá incluir, no edital de licitação, previsão específica acerca de percentual mínimo de energia elétrica a ser destinado ao mercado regulado.

 

Em respeito ao princípio da legalidade, fica assegurada a possibilidade de as empresas públicas e sociedades de economia mista, suas subsidiárias ou controladas, se titulares de concessão, permissão e autorização, aderirem ao mecanismo e à convenção de arbitragem para a resolução de divergências entre agentes integrantes da CCEE. Ademais, os direitos relativos a créditos e débitos decorrentes das operações realizadas no âmbito da CCEE passam a ser considerados direitos disponíveis, para fins de arbitragem.

 

Contrariando o teor de decisões jurisprudenciais, o inadimplemento de encargos tarifários ou a falta de pagamento da parcela de energia elétrica a ser adquirida de Itaipu acarretará a impossibilidade de revisão, exceto extraordinária, e de reajustes tarifários, assim como o recebimento de recursos provenientes da reserva global de reversão - RGR, conta de desenvolvimento energético - CDE e conta de consumo de combustíveis - CCC.

 

Aos consumidores que preencham os requisitos legais, o prazo para se tornarem livres (contratos por prazo indeterminado) será determinado em regulamentação específica, mas não poderá exceder trinta e seis meses contados da manifestação formal ao agente de distribuição que os esteja suprindo. Esse prazo será reduzido a cento e oitenta dias se a energia a ser utilizada for proveniente de geração própria, ficando contudo ressalvado que o consumidor livre, assim como o distribuidor, terá de contratar a totalidade da carga de que necessitar. Ou seja, nenhum consumidor ou distribuidor poderá subcontratar a sua necessidade de carga, evitando assim o risco de exposição ao preço do mercado de curto prazo (da CCEE).

 

O Poder Concedente é competente para elaborar planos de outorga, diretrizes de licitações e regras de organização do Operador Nacional do Sistema - ONS, incumbindo-lhe adicionalmente celebrar os contratos de concessão ou permissão de serviço público de energia elétrica, ou de concessão de uso de bem público, ouvida a ANEEL sempre que conveniente ou necessário.

 

Exceção feita aos contratos iniciais, os atuais contratos de comercialização de energia elétrica celebrados pelos agentes de distribuição, que já tenham sido registrados, homologados ou aprovados pela ANEEL, não poderão ser objeto de aditamento para prorrogação do prazo, aumento de quantidade ou modificação do preço.

 

Fica facultado aos agentes de distribuição, conforme regulamentação a ser ainda aprovada pela ANEEL, condicionar a continuidade de fornecimento aos usuários inadimplentes de mais de uma fatura mensal, em um período de doze meses, ao oferecimento de garantias.

 

Ocorrendo decretação de racionamento de energia elétrica em uma dada região, todos os contratos por quantidade de energia (ambiente regulado - ACR) registrados na CCEE cujos compradores estejam localizados na região afetada terão os seus volumes ajustados na exata proporção da redução do consumo verificado.

 

As empresas integrantes do grupo ELETROBRÁS serão excluídas do Programa Nacional de Desestatização - PND, as quais, imagina-se, poderão voltar a investir na expansão de suas atividades e, indiretamente, no desenvolvimento do setor elétrico.

 

Causa estranheza o silêncio do “modelo” no que tange a uma definição do formato dos leilões de “energia existente” ou a respeito do papel que será atribuído às termelétricas, dentre outros assuntos de igual relevância, cujo detalhamento deverá surgir a partir da regulamentação que o Ministério de Minas e Energia divulgará nas próximas semanas. Parece-nos precipitado opinar acerca da pertinência e adequação das regras e princípios contidos/sugeridos no novo “modelo”, já que ele somente será melhor apreciado pelos investidores a partir da publicação da regulamentação ministerial, quando então se presenciará o retorno dos investimentos ou o recrudescimento das dificuldades e impasses presentes.

 

Empresa de Pesquisa Energética – EPE

 

Restou igualmente autorizada a criação da Empresa de Pesquisa Energética - EPE, que terá por objetivo a execução de estudos para a definição da matriz energética nacional.

 

Dentre as atribuições e competências da nova empresa estatal, merecem relevo a responsabilidade pela obtenção de licença prévia ambiental e a declaração de disponibilidade hídrica necessárias às licitações que envolvam projetos de geração hidrelétrica e de transmissão de energia. Igualmente relevante é o papel a ser desempenhado pela EPE, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia, no tocante à identificação da quantidade de energia a ser licitada a partir da soma das demandas de energia informadas pelas distribuidoras no prazo de antecedência assinalado na regulamentação.

 

A EPE acha-se vinculada ao Ministério de Minas e Energia, sendo a União responsável pela integralização de seu capital social e a aprovação de seu Estatuto Social, estando supostamente mantidas a autonomia técnica e administrativa desejáveis.

 

Ainda que a referida declaração de vinculação não houvesse sido expressamente formulada, é possível constatá-la a partir de uma simples análise da composição dos órgãos que integram a administração da EPE e o preenchimento de seus cargos.

 

Vale destacar o mecanismo utilizado pela Lei 10.847/04 para facilitar a utilização da EPE pelos entes governamentais, o qual estabelece a dispensa de licitação para a contratação da EPE por entidades ou órgãos da administração pública.

 

Finalmente, insta ressaltar que, ao criar a EPE, o Governo Federal a equiparou às sociedades privilegiadas pela Lei 8.745/93, as quais, para atender necessidade temporária de interesse público, poderão efetuar contratações de pessoas por tempo determinado, mediante processo seletivo simplificado.

 

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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados


* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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