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Da teoria à prática: O comportamento como parte indissociável da cultura empresarial

As leis, regulamentos e políticas permanecem inertes sem as ações conscientes e éticas dos indivíduos.

7/1/2025

Uma organização pode ser responsabilizada ou sofrer consequências pela violação das leis e regulamentos, no entanto, a infração somente se perfaz por meio da prática de atos (comissivos ou omissivos) de um ser humano, seja de um sócio, administrador ou colaborador. Portanto, o estudo do comportamento é tema central para o compliance, pois são as ações dos indivíduos que determinam a adesão às políticas e regulamentos da organização. Compreender as motivações e moldar o comportamento dos colaboradores é essencial para garantir que a empresa opere de maneira ética e dentro dos parâmetros legais. Logo, podemos concluir que as ações de compliance devem ser voltadas para orientar o comportamento dos indivíduos na organização.

O comportamento humano refere-se às ações ou reações de um indivíduo ou grupo em resposta a estímulos internos ou externos. É a maneira como as pessoas agem ou se comportam em determinadas situações, podendo ser influenciado por diversos fatores, incluindo biológicos, psicológicos, sociais e ambientais:

Para assegurar o êxito e sucesso de qualquer programa ou ação de compliance, é necessário que o comportamento considerado adequado se torne parte indissociável da cultura da organização. Mas o que seria considerado como comportamento adequado dentro deste contexto?

Na conjuntura de compliance, o comportamento considerado adequado é todo aquele que alinha as ações dos colaboradores com as leis, regulamentos, políticas internas e princípios éticos da organização, tais como:

Comportamento e filosofia

Na filosofia, o comportamento humano explora a natureza das ações e reações dos indivíduos, questionando os fundamentos éticos e morais que orientam essas condutas. A análise filosófica busca entender como os princípios e valores moldam as escolhas e atitudes, destacando a complexidade e a profundidade das interações humanas.

Ética deontológica e comportamento - De acordo com Immanuel Kant, a moralidade é fundamentada em princípios absolutos e deveres. No âmbito de compliance, isso significa que os comportamentos adequados são aqueles que aderem estritamente a normas e regras, independentemente das consequências. A educação em ética, portanto, deve focar na internalização de princípios fundamentais de integridade e honestidade, garantindo que as ações dos colaboradores sejam sempre consideradas moralmente corretas.

Utilitarismo e impacto das ações - O utilitarismo, defendido por Jeremy Bentham e John Stuart Mill, propõe que a moralidade das ações é determinada pelo impacto geral no bem-estar coletivo. Programas de compliance eficazes, nesse sentido, buscam maximizar o benefício para a maioria, promovendo comportamentos que protejam a organização e seus stakeholders, implicando em avaliar constantemente as consequências das ações para garantir o maior bem-estar possível.

Ética das virtudes e caráter - Aristóteles enfatizou a importância do caráter e das virtudes morais. No contexto de compliance, a formação de um caráter íntegro nos colaboradores é essencial. Isso envolve fomentar virtudes como a responsabilidade, a prudência e a justiça, que são fundamentais para a criação de uma cultura organizacional ética. Promover essas virtudes ajuda a garantir que os comportamentos dos colaboradores estejam alinhados com os mais altos padrões de conduta.

Comportamento e psicologia

Compreender o comportamento humano é essencial para a implementação de programas de compliance eficazes, e a psicologia oferece diversas teorias para ajudar nesse entendimento.

A Teoria do Comportamento Planejado, de Icek Ajzen, sugere que o comportamento é influenciado por intenções moldadas por atitudes, normas subjetivas e controle percebido. Programas de compliance devem atuar nesses aspectos para moldar comportamentos desejáveis.

Estudos de psicologia social sobre conformidade e obediência, como os de Asch e Milgram, mostram que indivíduos são influenciados por seus pares e líderes. Isso significa que é crucial criar uma cultura organizacional que encoraje a conformidade positiva, com líderes exemplificando comportamentos éticos.

A Teoria da Autodeterminação, de Deci e Ryan, destaca a importância da motivação intrínseca. Programas de compliance devem promover a autonomia, a competência e a conexão social dos colaboradores, motivando-os a agir corretamente por razões internas, e não apenas por coerção.

O Behaviorismo, proposto por B.F. Skinner, foca no estudo de estímulos e respostas observáveis. Em compliance, isso se aplica através do uso de reforços positivos para incentivar comportamentos éticos e punições para desestimular ações inadequadas.

Essas teorias fornecem uma base robusta para compreender e influenciar o comportamento dentro das organizações, garantindo que os programas sejam mais efetivos e internalizados pelos colaboradores.

Conclusão

O comportamento humano é, sem dúvida, o núcleo vital de qualquer programa de compliance. As leis, regulamentos e políticas são apenas letras mortas sem a ação consciente e ética dos indivíduos que compõem uma organização. A verdadeira eficácia de um programa de compliance está em sua capacidade de transformar intenções em ações, e ações em cultura organizacional.

Ao compreender e influenciar o comportamento humano por meio de abordagens filosóficas e psicológicas, as empresas podem criar um ambiente de integridade e conformidade que transcende a mera obediência às normas. Esse ambiente não só protege a organização de riscos legais, mas também promove uma cultura de confiança, responsabilidade e transparência.

__________

1 Ariely, Dan; (2021). A (Honesta) Verdade sobre a Desonestidade: Como Mentimos para Todos - Especialmente para Nós Mesmos. 1 ed - Rio de Janeiro: Sextante. (Tradução Ivo Koryotowski)

2 Aristóteles. (2009). Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret. (Tradução de Mário da Gama Kury)

3 Milgram, S. (1963). Behavioral Study of Obedience. Journal of Abnormal and Social Psychology, 67(4), 371-378.

4 Mill, J. S. (2001). Utilitarianism. Hackett Publishing Company.

5 Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. Knopf.

Thais Manilha
Pós-graduada em ESG e Compliance pela Universidad Católica Argentina (UCA) .

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