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A possibilidade de inventário extrajudicial para menores e incapazes

Este artigo examina a normatização acerca da possibilidade de realizar inventários extrajudiciais envolvendo menores e incapazes no Brasil, à luz da resolução CNJ 571/24.

6/1/2025

I. Introdução

O movimento irreversível de desjudicialização no Brasil reflete uma resposta às demandas por celeridade na administração da Justiça, promovendo a resolução de conflitos por vias administrativas, deixando para o Poder Judiciário a solução de questões mais complexas. No âmbito do Direito Notarial e Registral, esse processo foi intensificado com a regulamentação do inventário extrajudicial pela lei 11.441/07, posteriormente consolidada no CPC/15.

A recente ampliação para incluir menores e incapazes, por meio da resolução CNJ 571/24, que alterou a Código Nacional de Normas do Conselho Nacional de Justiça, representa um marco nesse cenário, viabilizando soluções extrajudiciais para questões sucessórias complexas. No entanto, a introdução do referido modelo traz consigo desafios relativos à salvaguarda dos direitos dos incapazes e à operacionalização uniforme entre diferentes jurisdições. Este artigo analisa os efeitos práticos dessa expansão normativa, que tem como um dos protagonistas o Ministério Público, fiscal da lei e do interesse de menores e incapazes.

Não me descuido de tecer críticas ao calvário imposto aos advogados(as) pelas instituições financeiras, especialmente no que tange ao acesso às informações para formatação do quinhão hereditário. Por fim, proponho soluções para aprimorar a efetividade do inventário extrajudicial, alinhando-o aos princípios de eficiência e proteção integral.

II. Fundamentos do inventário extrajudicial. Conceito e objetivos do inventário extrajudicial

O inventário extrajudicial, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela lei 11.441/07 e consolidado pelo CPC/15 é um procedimento administrativo realizado em tabelionato de notas, destinado à partilha de bens deixados por uma pessoa falecida. O modelo foi instituído como alternativa ao processo judicial, visando maior celeridade, eficiência e menor custo para os herdeiros, sem prejudicar a segurança jurídica dos atos praticados.

Conforme disposto no art. 610, §1º, do CPC, o inventário extrajudicial pode ser realizado quando todos os herdeiros forem capazes e estiverem de acordo quanto à partilha. A legislação exige, ainda, a assistência de advogado ou defensor público para assegurar a regularidade e a validade do procedimento. O procedimento extrajudicial restou consolidado quando do advento do Código de Normas do CNJ e, no Rio de Janeiro, pelo Código de Normas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pois ambos regulamentaram os requisitos documentais e procedimentais que devem ser observados pelos tabeliães, retirando a exclusividade do Poder Judiciário na solução deste tema tão sensível.

III. Menores e incapazes no inventário extrajudicial: Avanços e garantias

A resolução CNJ 571/24 introduziu uma importante inovação ao modificar a resolução 35/07, ampliando a possibilidade de realização de inventários extrajudiciais em casos que envolvam menores e incapazes, mediante a inclusão do art. 12-A1, rompendo com a tradicional restrição dessas situações ao âmbito judicial, que se justificava historicamente pela necessidade de proteção integral aos indivíduos em situação de vulnerabilidade. Contudo, a salvaguarda desses direitos permanece garantida, com a indispensável atuação do Ministério Público como fiscal da lei e defensor dos interesses dos menores e incapazes, tal como ocorre na via judicial.

A referida inovação normativa baseia-se em dois princípios específicos. O primeiro é a celeridade processual, que busca reduzir o tempo de tramitação, os custos e a burocracia envolvidos no procedimento sucessório. O segundo é a proteção integral, destinada a assegurar que o patrimônio dos menores e incapazes seja preservado.

Por fim, a norma determina a remessa obrigatória ao juízo competente em situações de controvérsia ou dúvidas relacionadas à partilha, assegurando que questões mais complexas sejam tratadas no âmbito judicial, quando necessário.

É de se destacar que o TJRJ, em uma postura célere, passou a permitir, pouco mais de um mês de vigência da resolução CNJ 571/24, a realização de inventários e partilhas extrajudiciais que envolvam herdeiros menores ou incapazes, tendo, para esta hipótese, alterado, por força do provimento 78/24, o parágrafo único2 do art. 444 do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça – parte extrajudicial, para prever a possibilidade de realização de inventário extrajudicial mesmo na hipótese de herdeiros menores ou incapazes.

IV. Obstáculos práticos na implementação do inventário extrajudicial

Apesar dos avanços alcançados com a desjudicialização, que visam promover maior celeridade e eficiência nos processos sucessórios, a persistência de entraves burocráticos impostos por instituições financeiras demonstra uma desconexão entre o objetivo normativo e a prática cotidiana. As barreiras, frequentemente disfarçadas sob o pretexto de cumprimento de procedimentos internos, comprometem não apenas a agilidade almejada pelo legislador, mas também os direitos patrimoniais dos herdeiros, particularmente em casos que envolvem menores e incapazes.

Entre os problemas recorrentes, destaca-se a exigência de documentos adicionais não previstos na legislação. Embora supostamente voltada à segurança dos atos, não encontra respaldo legal e acaba desvirtuando o caráter simplificado do inventário extrajudicial. Além disso, auditorias internas demoradas, frequentemente justificadas como etapas imprescindíveis ou excesso de trabalho, acabam por impor uma morosidade injustificada.

Outro obstáculo crítico é a resistência das instituições financeiras em fornecer informações bancárias ou liberar recursos para pagamento de impostos relacionados ao inventário, mesmo diante da normativa expressa prevista no art. 11 da resolução CNJ 35/07, alterada pela resolução CNJ 452/22. As práticas referidas não apenas violam o princípio da segurança jurídica e o pleno exercício da advocacia, mas também expõem os herdeiros a prejuízos indevidos, muitas vezes levando a disputas judiciais que poderiam ser evitadas.

O impacto dessa burocratização excessiva é ainda mais grave em cenários que envolvem herdeiros em situação de vulnerabilidade, como menores ou incapazes, cuja proteção deveria ser a prioridade absoluta. Nesses casos, a atuação das instituições financeiras em descompasso com as normas legais compromete a efetividade do inventário extrajudicial como instrumento de acesso à justiça.

Uma das iniciativas fundamentais reside no fortalecimento das normas regulatórias pelo CNJ, que deve buscar um detalhamento minucioso das obrigações que recaem sobre as instituições financeiras em relação aos procedimentos de inventário extrajudicial. Ao estabelecer critérios claros e eliminar exigências descabidas, é possível coibir práticas que comprometem a agilidade e a segurança jurídica do processo, padronizando procedimentos, promovendo maior uniformidade entre os agentes financeiros, reduzindo potenciais conflitos e conferindo maior previsibilidade aos herdeiros e seus representantes legais.

A superação desses obstáculos demanda uma atuação conjunta entre o CNJ, o Banco Central e a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, visando assegurar que as instituições financeiras ajam de forma alinhada às disposições legais e normativas. É crucial implementar procedimentos padronizados, eliminando condutas arbitrárias que prejudiquem a eficiência e a segurança do inventário extrajudicial. Além disso, é fundamental que os bancos promovam a qualificação de seus colaboradores, garantindo um atendimento adequado aos profissionais da advocacia e a estrita observância das diretrizes previstas no Código de Normas do CNJ.

V. Conclusão

A ampliação do inventário extrajudicial para casos envolvendo menores e incapazes, promovida pela resolução CNJ 571/24, representa um marco na modernização e desburocratização do sistema jurídico brasileiro. Tal inovação não apenas reforça a celeridade e a eficiência dos procedimentos sucessórios, mas também demonstra um compromisso com a proteção integral de indivíduos vulneráveis, ao exigir a intervenção do Ministério Público e a observância de garantias patrimoniais.

Entretanto, desafios práticos persistem, especialmente no que tange à uniformização das práticas entre os Estados e às barreiras criadas por instituições financeiras, que frequentemente retardam a conclusão dos processos. Referidos entraves evidenciam a necessidade de regulamentação mais detalhada, fiscalização rigorosa e capacitação dos profissionais envolvidos.

Conclui-se que o inventário extrajudicial para menores e incapazes é uma ferramenta valiosa para desjudicializar o acesso à justiça e reduzir os custos para os envolvidos. Contudo, sua efetividade depende de um esforço coordenado entre tabeliães, Ministério Público, instituições financeiras e o próprio Poder Judiciário, para assegurar que os princípios de celeridade, segurança jurídica e proteção sejam efetivamente concretizados.

_________

1 Art. 12-A . O inventário poderá ser realizado por escritura pública, ainda que inclua interessado menor ou incapaz, desde que o pagamento do seu quinhão hereditário ou de sua meação ocorra em parte ideal em cada um dos bens inventariados e haja manifestação favorável do Ministério Público.

2 Artigo 444, § Único: Havendo herdeiros menores ou incapazes, observar-se-á o disposto na seção seguinte, salvo se cada um dos bens for partilhado a todos os herdeiros e ao cônjuge em proporção ao respectivo quinhão ideal e haja manifestação favorável do Ministério Público, ou no caso de adjudicação ao único.

Paulo Roberto Pires Ferreira
pós-graduado em Direito Imobiliário Escola Brasileira de Direito (EBRADI); MBA em Direito Tributário e MBA em Direito Empresarial, ambos pela FGV-Rio; pós graduado em Direito do Consumidor PUC-Rio.

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