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Luvas, constitucionalidade e a nova lei geral do esporte

O texto analisa as mudanças trazidas pela lei geral do esporte, que redefiniu as luvas como verba civil, isentando-as de encargos trabalhistas e previdenciários.

30/12/2024

A lei geral do esporte trouxe diversas inovações e mudanças ao nosso ordenamento jurídico, que antes eram, em regra geral, tratadas pela lei geral do desporto (lei 9.615/98), mais conhecida como lei Pelé.

Uma das mais polêmicas foi que a nova legislação estabeleceu, de forma expressa, que as luvas, assim como os prêmios por performance e o direito de imagem, não fazem parte das verbas trabalhistas.

Sobre os prêmios por performance ou resultado, conhecidos como "bicho", não há grandes debates, assim como em relação ao direito de imagem. Entretanto, no caso das luvas, é necessário um olhar mais cuidadoso dos tribunais, tendo em vista que poderá haver discussões sobre sua constitucionalidade nos tribunais brasileiros.

Antes de debatermos a constitucionalidade ou não da retirada das luvas das verbas trabalhistas, devemos entender o que de fato elas são.

Reza a lenda, sem nenhuma base histórica para afirmarmos essa origem, que o termo "luva" veio da expressão “este atleta caiu como uma luva no time”. Do ponto de vista jurídico, as luvas são uma parcela de incentivo ao atleta para sua anuência ao pacto contratual. Trata-se de uma valorização da carreira atlética e, ao mesmo tempo, um estímulo para a assinatura do contrato.

Esses valores pagos sempre foram considerados, aos olhos do Poder Judiciário e sob a regência da lei Pelé, como verbas salariais. Ou seja, sobre esse valor incidiam FGTS, INSS, férias + 1/3, 13º salário e rescisão contratual.

Entretanto, a nova lei estabeleceu taxativamente que:

Art. 85. A relação do atleta profissional com seu empregador esportivo regula-se pelas normas desta lei, pelos acordos e pelas convenções coletivas, pelas cláusulas estabelecidas no contrato especial de trabalho esportivo e, subsidiariamente, pelas disposições da legislação trabalhista e da seguridade social.

§ 1º Os prêmios por performance ou resultado, o direito de imagem e o valor das luvas, caso ajustadas, não possuem natureza salarial e constarão de contrato avulso de natureza exclusivamente civil”.

Essa mudança desonera os clubes de futebol, empregadores dos atletas, do pagamento de encargos e reflexos trabalhistas sobre as luvas.

A partir daí, surgem diversas discussões. Uma delas é que o legislador preferiu beneficiar os empregadores em detrimento da sociedade, tendo em vista que, quanto menores forem os direitos trabalhistas dos jogadores, menor será a contribuição social que os clubes deverão fazer, gerando um impacto na sociedade.

Outro argumento aponta que a maioria dos clubes, inclusive os da Série A do Campeonato Brasileiro, estaria enfrentando dificuldades financeiras. Muitos optaram por se tornar SAF - Sociedades Anônimas de Futebol como tentativa de sair da crise.

Criando assim dois núcleos de argumentos: Aqueles a favor dos empregados e dos empregadores, que basicamente deverão seguir o seguinte sentido (jurídicos e metajurídicos).

Argumentos em favor dos empregadores (Clubes)

Argumentos Jurídicos

1. Flexibilidade Contratual:

2. Princípio da Autonomia Privada:

3. Compatibilidade com o Mercado Esportivo:

Argumentos Metajurídicos

1. Redução de Custos Operacionais:

2. Atração de Investimentos:

3. Competitividade Internacional:

Argumentos em favor dos empregados (Atletas)

Argumentos Jurídicos

1. Precarização das Relações de Trabalho:

2. Violação ao Princípio da Isonomia:

3. Redução dos Direitos Sociais:

Argumentos Metajurídicos

1. Impacto na Aposentadoria e Benefícios Previdenciários:

2. Dependência Econômica das Luvas:

3. Precedente Perigoso:

4. Desequilíbrio de Poder nas Negociações:

Os argumentos acima apresentados carecem de tecnicidade para ter relevância significativa, tendo em vista que há ainda uma questão constitucional a ser discutida, a qual poderá invalidar ou não toda essa argumentação feita até este momento.

O art. 195, I, "a" da CF/88 estabelece que todos os rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, estão sujeitos à incidência de contribuição social.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais: 

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:      

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”;     

Ou seja, mesmo com a inovação trazida pela nova lei geral do esporte, deve-se analisar, com uma lupa constitucional, a sua legalidade. Somente após essa análise é que será possível rediscutir toda a legalidade e a moralidade da norma.

Após a análise da constitucionalidade da norma, será fundamental avaliar os impactos práticos dessa mudança em diferentes contextos do esporte. Essa abordagem permitirá compreender como a nova legislação afeta atletas de diferentes perfis, como os de base e os de alto rendimento, bem como clubes de grande e pequeno porte. Assim, será possível avaliar se as mudanças realmente atendem às necessidades do mercado esportivo ou se acabam por gerar desigualdades e novos desafios no setor.

Daniel Zalewski Cavalcanti
Advogado e Professor Universitário.

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