O STF ao julgar o RE 1.072.485-PR, sob a sistemática de repercussão geral (Tema 985), reverteu a sua tranquila jurisprudência acerca da não incidência da contribuição previdenciária sobre o pagamento do terço de férias contrariando igualmente, a decisão proferida em 2014 pelo STJ, sob a sistemática de recursos repetitivos, (Resp. 1.230.957), decidindo, por maioria de votos, pela incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, conforme a ementa do julgado abaixo:
Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o Tema 985 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário interposto pela União, assentando a incidência da contribuição previdenciária sobre valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, nos termos do voto do relator, vencido o ministro Edson Fachin. Foi fixada a seguinte tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias.”
Falaram: Pela recorrente União, a dra. Flávia Palmeira de Moura Coelho, procuradora tributária – ABAT, o dr. Halley Henares Neto e o dr. Nelson Mannrich. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o ministro Celso de Mello. Plenário, sessão virtual de 21.8.2020 a 28.8.2020. (RE 1072485-RG/PR; DJe de 2/10/20).
Interpostos os embargos declaratórios eles foram parcialmente providos para atribuir efeitos ex nunc ao acórdão de mérito, a contar da data de publicação da sua ata de julgamento (1/9/20), ressalvadas as contribuições já pagas e não impugnadas judicialmente até essa mesma data, que não serão devolvidas pela União (j. em 16/6/24 e publicado no DJe de 16/10/24).
Exame do acórdão de mérito
O acórdão sob exame não apenas contraria o Resp. 1.230.957 decidido sob a sistemática de recursos repetitivos, como também, várias decisões proferidas pelo STF, como veremos adiante.
No âmbito do STJ merecem ser citadas duas súmulas:
Súmula 125 – O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do imposto de renda.
Súmula 386 –São isentas do imposto de renda as indenizações de férias proporcionais e o respectivo adicional.
A proclamação da natureza indenizatória, por óbvio, afasta a natureza salarial das férias e do terço de férias, fato que livra, ipso facto, da incidência da contribuição previdenciária sobre tais verbas.
No âmbito do STF o assunto vem sendo discutido de longa data, sendo que a sua jurisprudência é bastante instável.
Começa pelo posicionamento da Corte Suprema de não conhecer das discussões da espécie por se tratar de controvérsias de natureza infraconstitucional.
Realmente, a Corte tem decidido iterativamente que a questão de saber quanto à natureza jurídica de tal verba, para fins de tributação pela contribuição previdenciária ou pelo imposto de renda, insere-se no plano infraconstitucional: RE 611.505-RG, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 28-10-2014; ARE 745.901-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 18/9/14.
Contudo, o STF, após ter proclamado a soberania do STJ para julgar essa questão em várias oportunidades, examinou o mérito da controvérsia para firmar a tese pela intributabilidade do terço de férias, porque ele não incorpora à remuneração do empregado (Ag. Reg. no RE nº 587.941/ SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 21-11-2008; Ag. Reg. no AI nº 603.537/ DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 30-3-2007; Ag. Reg. no AI nº 712.880/ MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 11-9-2009; Ag. Reg. no AI nº 710.361/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 8/5/09.
Acontece que decorridos doze anos, esses mesmos insignes ministros, sem que houvesse qualquer modificação legislativa em nível constitucional ou infraconstitucional, passaram a defender a tese oposta.
Efetivamente, na sessão plenária virtual terminada no dia 28/8/20 o STF, por maioria de votos, resolvendo o Tema 985 da repercussão geral, firmou a tese pela constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o montante pago a título de terço constitucional de férias gozadas, previsto no inciso VII do art. 7º da CF.
Para a maioria dos integrantes da Corte Suprema dois são os fatores que fundamentam a decisão pela tributação do terço de férias gozadas: natureza remuneratória e a habitualidade da verba paga.
O ministro Edson Fachin discordou desse posicionamento majoritário, porque embora o terço de férias seja pago com habitualidade ele não tem natureza remuneratória, a exemplo do auxílio-alimentação, porque esse ganho habitual do empregado não constitui parcela que se incorpora à remuneração do empregado, e também, por ele não integrar reflexos na aposentaria sendo, portanto, evidente, que esse terço de férias é alheio a qualquer natureza salarial.
Por derradeiro, insta lembrar que o Tema número 985 da repercussão geral tem abrangência maior do que o que ficou decidido nesse julgamento finalizado em 28/8/20 que se limitou ao terço de férias gozadas.
Com efeito é o seguinte o teor desse tema:
“985 - Natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal.”
Como se verifica, o Tema 985 da repercussão geral versa sobre férias indenizadas ou gozadas.
Por essa razão, o ministro Edson Fachin encaminhou à deliberação do Tribunal Pleno a seguinte tese jurídica pertinente ao Tema 985 da sistemática da repercussão geral:
“É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias considerando o seu caráter reparatório”.
Esse último posicionamento do STF acerca do terço de férias gozado, firmando a constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária, tem reflexo imediato na área do imposto de renda.
Esperemos que o STF não venha modificar o seu entendimento solidificado há muito tempo acerca da não incidência do imposto de renda sobre as verbas de natureza indenizatória (RREE 548.828/RS, 487.121/RS, 559.964/RS 591.140/RS).
Infelizmente a divergência entre a jurisprudência do STJ e do STF, e principalmente as frequentes alterações da jurisprudência da Corte Suprema, sem que houvesse modificação legislativa, conspira contra o princípio da segurança jurídica que repousa na previsibilidade que decorre das leis em vigor, suprimindo a justa expectativa dos contribuintes.
A decisão sob comento contradiz o que restou decidido no RE 593.068 (Tema 163).
Entretanto, o acórdão sob análise refuta a contradição apontada por diversos intervenientes no processo na condição de amicus curiae sustentando que o Tema 163 refere-se ao regime próprio dos servidores e que em relação ao RGPS aplica-se o art. 28 da lei 8.212/91:
“Art. 28. Entende-se por salário de contribuição:
[...]
§9º. Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o Art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
O STF, ante o texto retrotranscrito, entendeu que é devida a contribuição social sobre o terço de férias pagas por ter natureza habitual e caráter remuneratório. Data máxima vênia, servidor público e empregado do setor privado sofrem o mesmo desgaste de energias pelo exercício da atividade laboral.
Outrossim, o STF, em reiteradas oportunidades, firmou a natureza indenizatória do terço de férias para isentar a incidência do Imposto de Renda.
Se ele tem natureza indenizatória parece lógico que não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária, porque fica descaracterizada a natureza remuneratória desse terço de férias.
Uma coisa não pode ter natureza indenizatória para um determinado fim, e ter natureza salarial para outro fim.
A contradição da decisão analisada é visível. E mais, não pode o acessório (terço de férias) sujeitar-se à incidência da contribuição previdenciária, e o principal, férias, ficar de fora dessa tributação.
Sempre que a decisão da Corte Superior (STF ou STJ) é tomada sob o enfoque econômico-financeiro do sujeito ativo do tributo há possibilidade de se cometer equívocos da espécie, que não se sustentam à luz do direito positivo e da própria jurisprudência até então reinante.
Não se sabe, exatamente, o que levou o STF a impactar a sua jurisprudência até então tranquila pela natureza indenizatória do terço de férias, para repentinamente decidir pela natureza salarial desse terço de férias.
Menos compreensível, ainda, que o terço de férias para o setor público tenha natureza indenizatória para recompor a energia despendida pelo servidor público, e para o setor privado esse mesmo terço de férias não tenha natureza indenizatória, no pressuposto de que o empregado, ao contrário do servidor público, não sofre desgaste no exercício da atividade laboral. Só o servidor público despenderia energia no exercício de sua atividade laboral, enquanto que o empregado do setor privado não sofreria esse dispêndio de energia no exercício de sua atividade laboral.