A crescente demanda por energia no Brasil exige a expansão da matriz energética, o que impõe uma análise crítica do processo de licenciamento ambiental. O licenciamento, previsto na resolução CONAMA 237/97, busca prevenir danos ambientais antes mesmo do início das atividades. Ele se desdobra em três etapas principais:
- LP - Licença Prévia: Concedida na fase inicial do planejamento, atesta a viabilidade ambiental do projeto e estabelece os requisitos básicos a serem atendidos.
- LI - Licença de Instalação: Autoriza o início da construção do empreendimento, após a análise do projeto executivo e da comprovação do cumprimento das condicionantes da LP.
- LO - Licença de Operação: Autoriza o início das atividades, após a verificação do cumprimento das condicionantes da LI e da implementação das medidas de controle ambiental.
Para cada etapa, são exigidos estudos ambientais específicos, como o EIA/RIMA - Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental e o RAS - Relatório Ambiental Simplificado, que avaliam os potenciais impactos e propõem medidas mitigadoras.
No entanto, mesmo com estudos prévios, impactos podem ocorrer, exigindo atuação jurídica para reparação de danos e implementação de medidas mitigadoras. Essa atuação visa buscar o equilíbrio entre o desenvolvimento energético e a proteção ambiental, um desafio complexo que exige conhecimento técnico e sensibilidade para as questões socioambientais.
Impactos ambientais e soluções jurídicas:
A análise de casos reais demonstra a necessidade de aprimorar o licenciamento e fortalecer a atuação jurídica na defesa do meio ambiente.
- Caso Samarco: O rompimento da barragem de Fundão, em 2015, causou uma tragédia humana e ambiental de grandes proporções, impactando também a geração de energia hidrelétrica no Rio Doce. A lama atingiu o rio, comprometendo a operação de usinas hidrelétricas e causando interrupções no fornecimento de energia. A atuação jurídica da Samarco foi crucial nesse processo, tanto na defesa da empresa em ações judiciais quanto na negociação de acordos com o poder público para mitigar os impactos. A empresa enfrentou uma série de ações judiciais, incluindo ações civis públicas, ações populares e ações individuais de indenização. A Samarco teve que mobilizar uma equipe multidisciplinar de advogados para lidar com as diversas frentes de litígio, trabalhando em regime de “Sala de Guerra”. Paralelamente, a empresa iniciou um processo de negociação com o poder público, que envolveu o Ministério Público Federal, os governos Federal e estaduais, a ANEEL e representantes das comunidades afetadas. Esse processo culminou na assinatura de um TTAC - Termo de Transação e Ajustamento de Conduta em 2016, prevendo a criação da Fundação Renova e a destinação de bilhões de reais para ações de reparação. Em 2024, o TTAC foi repactuado, prevendo a revisão da governança da Fundação Renova e a ampliação da participação das comunidades afetadas.
- Caso Belo Monte: A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, um dos maiores projetos de geração de energia do Brasil, gerou controvérsias e desafios jurídicos relacionados aos impactos socioambientais sobre as comunidades indígenas e ribeirinhas da Volta Grande do Xingu. O licenciamento ambiental de Belo Monte foi marcado por questionamentos sobre a consulta prévia aos povos indígenas afetados, conforme a Convenção 169 da OIT. Diversos estudos apontaram para impactos como a alteração do regime hidrológico do Rio Xingu, a redução da pesca e o desmatamento. Esses impactos geraram ações judiciais questionando a validade do licenciamento. O MPF - Ministério Público Federal ajuizou ações civis públicas questionando a legalidade do empreendimento, e ONGs atuaram ativamente na defesa do meio ambiente. O licenciamento ambiental de Belo Monte previu medidas mitigadoras e compensatórias, mas sua implementação tem sido questionada.
Negociações e mediação:
A ocorrência de eventos que impactam a geração de energia exige uma resposta rápida e eficaz. Acidentes em hidrelétricas, usinas nucleares, linhas de transmissão ou termelétricas exigem a atuação de diversos atores para minimizar danos, restabelecer o fornecimento de energia e reparar os prejuízos. Nesses casos, a atuação jurídica se torna crucial para garantir a segurança energética e a proteção dos direitos das partes envolvidas.
A mediação, como método alternativo de resolução de conflitos, facilita o diálogo entre empresas geradoras de energia, órgãos ambientais, agências reguladoras como a ANEEL, e comunidades afetadas. Através da mediação, busca-se a construção de soluções consensuais para a reparação de danos, a implementação de medidas mitigadoras e a prevenção de futuros impactos.
Exemplos da importância da mediação:
- Vazamento de óleo na Refinaria de Duque de Caxias (REDUC) em 2000.
- Acidente nuclear de Fukushima em 2011.
- Rompimento de barragem na Usina Hidrelétrica de Sayano-Shushenskaya em 2009.
- Disputas sobre o uso da água no Rio Colorado, Estados Unidos.
A experiência demonstra que a mediação pode trazer diversos benefícios:
- Redução do tempo e dos custos dos processos judiciais.
- Construção de soluções mais justas e eficazes.
- Fortalecimento do diálogo e da confiança entre as partes.
- Prevenção de futuros conflitos.
Medidas mitigadoras e o papel do Direito:
A legislação ambiental brasileira prevê a obrigatoriedade de implementar medidas mitigadoras para minimizar os impactos dos projetos de geração de energia. Essas medidas visam a reduzir, eliminar ou compensar os impactos negativos sobre o meio ambiente e as comunidades afetadas.
A atuação jurídica garante a efetividade dessas medidas através de:
- TAC - Termos de Ajustamento de Conduta: Acordos firmados entre empresas, órgãos públicos e comunidades afetadas, definindo obrigações para a implementação de medidas mitigadoras.
- Ações civis públicas: Instrumento processual para a defesa do meio ambiente, permitindo que o Ministério Público e entidades da sociedade civil busquem a reparação de danos ambientais.
- Assessoria jurídica às comunidades afetadas: Orientação para que as comunidades compreendam seus direitos e participem do processo de licenciamento ambiental.
Além desses instrumentos, a atuação jurídica na implementação de medidas mitigadoras envolve a análise de estudos ambientais, a elaboração de pareceres técnicos e o acompanhamento da execução de programas ambientais.
Desafios e perspectivas do licenciamento ambiental:
O licenciamento ambiental enfrenta desafios crescentes, demandando uma atuação jurídica proativa e eficiente. A análise de casos como Samarco e Belo Monte demonstra a necessidade de aprimorar a legislação, fortalecer os órgãos ambientais e garantir a participação efetiva da sociedade na tomada de decisão.
A busca por um modelo energético sustentável exige o desenvolvimento de novas tecnologias e a adoção de práticas inovadoras no processo de licenciamento ambiental, como:
- Aprimoramento da legislação: Incorporar novas tecnologias e práticas inovadoras, considerando os impactos cumulativos de projetos e os impactos de novas tecnologias de geração de energia.
- Fortalecimento dos órgãos ambientais: Capacitação técnica, estruturação e autonomia para analisar os estudos ambientais e fiscalizar o cumprimento das condicionantes.
- Participação social: Garantir a participação efetiva da sociedade no processo de licenciamento, por meio de audiências públicas, consultas prévias e acesso à informação.
- Desenvolvimento de novas tecnologias: Incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias com menor impacto ambiental, como sistemas de armazenamento de energia e tecnologias de captura e armazenamento de carbono.
A utilização de energias renováveis, como solar e eólica, apresenta-se como alternativa promissora, mas exige atenção aos seus impactos socioambientais. As energias tradicionais, como hidrelétricas e termelétricas, também demandam análise criteriosa dos impactos e medidas mitigadoras eficazes.
O Direito de Energia e a geração de energia:
O Direito de Energia é um ramo do Direito que regula as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica. Ele abrange um conjunto de normas e princípios que visam garantir a segurança energética, a proteção ambiental e o interesse público. No contexto da geração de energia, o Direito de Energia atua em diversas frentes, como:
- Regulamentação da exploração de recursos energéticos: Define as regras para o aproveitamento de recursos hídricos, fontes fósseis e energias renováveis.
- Concessão e autorização de empreendimentos: Estabelece os requisitos para a concessão de outorgas e autorizações para a construção e operação de usinas geradoras de energia.
- Fixação de tarifas e preços: Regula os preços da energia elétrica, buscando o equilíbrio entre os interesses dos consumidores e dos investidores.
- Proteção do meio ambiente: Assegura que a geração de energia seja realizada de forma sustentável, minimizando os impactos socioambientais.
O Direito de Energia desempenha um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável do setor elétrico, buscando harmonizar os interesses econômicos, sociais e ambientais. A geração de energia, por sua vez, é uma atividade essencial para o desenvolvimento socioeconômico do país, impulsionando diversos setores e melhorando a qualidade de vida da população. No entanto, a exploração de recursos energéticos deve ser realizada de forma responsável, considerando os impactos socioambientais e garantindo a sustentabilidade do setor.
Recomendações:
- Fortalecimento da justiça ambiental.
- Incentivo à mediação.
- Aprimoramento da legislação ambiental.
- Transparência e acesso à informação.
Considerações finais:
O licenciamento ambiental e a atuação jurídica são cruciais para um modelo energético sustentável no Brasil. É preciso garantir a segurança energética, a proteção ambiental e o respeito aos direitos das comunidades. A mediação e o diálogo entre os atores envolvidos são fundamentais para a sustentabilidade do setor. O Direito garante que a geração de energia contribua para o desenvolvimento do país de forma responsável.