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2025 e o futuro do constitucionalismo trabalhista

Com a finalização do ano de 2024, surgem questionamentos a respeito dos rumos inerentes aos direitos sociais, positivados na CF/88.

13/12/2024

Sabe-se que a Carta Magna de determinado país é o resultado dos requisitos sociais, culturais, econômicos e políticos que legitimam a Assembleia Constituinte a positivá-los. Nessa linha, especificamente no Brasil, a instabilidade institucional intertemporal trouxe reflexos inerentes aos direitos sociais e as decorrências da supressão e da afirmação desses, perpassando pelas diversas Constituições brasileiras. Destarte, é importante mencionar que o Brasil está na sétima lei suprema, fazendo-se necessário descrever, sucintamente, os requisitos positivados durante o Brasil Império, o período republicano, o ditatorial e a democracia, dentre outros. 

Nessa seara, a primeira Carta Magna do Brasil foi outorgada em 1824, sendo que a criação foi influenciada pela forma de Estado unitário monárquico, em cooperação com o poder religioso daquela época. Isto é, a influência do absolutismo europeu permitiu a permanência do poder moderador para atuar em conjunto com o Executivo, Legislativo e Judiciário. Por conseguinte, como fora mencionado, a lei suprema resguardava as intenções das autoridades que mantinham o controle, uma vez que a defesa desta CF se pautava somente nos direitos de primeira geração ou direitos negativos. Explicando melhor, a situação dos vulneráveis desta época não era considerada uma preocupação do legislativo, que não se atentava para a positivação dos direitos sociais. Para se contextualizar, deve-se mencionar que a lei aurea fora publicada em 1888, após 64 anos da outorga da Constituição Imperial, fazendo com que a mão de obra escrava ficasse, literalmente, à mercê das arbitrariedades acometidas pelos seus “ex-proprietários”. Diante do exposto, inacreditavelmente, este Carta Magna foi a que mais teve permanência no ordenamento jurídico brasileiro, ficando 67 anos ditando os direitos e deveres da sociedade. 

Posteriormente, em 1891, orientada pelo presidencialismo republicano, foi promulgada a Constituição Republicana, pautada na forma de Estado federativa, na liberdade religiosa, na liberdade de associação e profissão, sendo um marco inovador na seara laboral. Nessa linha de argumentação, ressalta-se que houve a segregação de ideais religiosos com os valores políticos, uma vez que o catolicismo tinha que conviver com o protestantismo, oriundo da Europa. Todavia, apesar da evolução em interesses sociais e a implantação do Estado laico, ainda não havia menção dos direitos de segunda geração, pois o liberalismo estatal estava em voga. Por conseguinte, mais uma vez, infere-se que os tipos de governantes e os ciclos institucionais têm o condão de influenciar na criação normativa e na posterior ingerência do Estado nas prioridades decorrentes de cada época. 

Nessa toada, em 1934, foi promulgada uma CF arrojada e progressista, trazendo, pela primeira vez, a descrição dos direitos trabalhistas, influenciada pelo bem-estar social ou welfare states. Ademais, foram positivados o direito à assistência judiciaria gratuita, à existência digna na ordem econômica, à saúde pública e a educação, bem como o voto secreto. Portanto, para a seara trabalhista, esta lei maior trouxe a iniciativa no sentido de favorecer os hipossuficientes, inaugurando um marco de proteção aos vulneráveis sociais. Ademais, foi instituída a pluralidade sindical e a proibição de diferenças de salário, por motivo de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil — fato que foi entendido como um marco civilizatório para o "pré-histórico Direito do trabalho”. Entretanto, apesar da importância da positivação constitucional, sabe-se que a realidade dos brasileiros ainda estava aquém do mínimo existencial, pois carecia de concretização das reais necessidades prementes da população. 

Após três anos da promulgação da lei suprema protetiva (1937), axiologias fascistas inspiraram a outorga da CF inspirada na lei maior polaca, com fulcro na censura e na extinção de direitos. Nessa perspectiva, esta Carta Magna recuou em relação aos direitos democráticos já conquistados em 1934, bem como permitiu a exclusão de prerrogativas como o MS individual e a ação popular. Outrossim, para permitir a supressão de direitos, foi utilizada a exacerbação do Poder Executivo, por meio de decretos-lei, sendo quase esquecidos os direitos de não retrocesso. Nesse diapasão, no tocante a direitos trabalhistas específicos, houve a proibição da greve, além da instituição da unicidade sindical, para tentar conter insurreições e agravamento de crises institucionais. Diante da exposição destas quatro Cartas Magnas, é notória a oscilação entre teleologias e valorações, pois as influências externas tiveram o condão de orientar as normativas no sentido de cultivar ideias ora ditatoriais e imperialistas, ora republicanos e democráticos. 

Posteriormente, com a redemocratização de 1946, foi promulgada uma nova lei suprema popular, com o fim da censura, com a exaltação da função social da propriedade, o retorno da prerrogativa do MS individual e da ação popular e a previsão do direito de greve. Além disso, a grande conquista para a seara laboral foi a integração da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, promovendo uma maior cooperação entre as justiças cíveis, penais e especiais para o enfrentamento de demandas e lides no Brasil. Desse modo, percebe-se que a evolução da justiça laboral e sua real implantação foram gradativas, pois os entraves políticos, orçamentários e até culturais demandaram mecanismos de adaptação normativa. 

Conquanto, após o período democrático, em 1967, a ditadura militar suspendeu os direitos individuais e políticos, centralizando o poder nas mãos do Executivo e da União, por meio da sexta CF brasileira. Nessa toada, mesmo com ideias arrefecedores dos direitos fundamentais, foi mantido o conteúdo social conquistado nas Constituições anteriores, pautando-se no efeito cliquet ou na impossibilidade de retrocesso. Para exemplificar, esta lei maior trazia a tratativa da transição entre o Direito Trabalhista do FGTS e a estabilidade decenal. Nesse contexto, alguns juristas criticavam a alternância entre formas de governo, ora aumentando a rigidez da imposição de competências, ora trazendo a reabertura para a democracia. Assim, o Brasil carecia de estabilidade e segurança jurídica, uma vez que a população de baixa renda continuava invisível em relação às políticas públicas e a dignidade da pessoa humana, sem previsão de melhorias sociais. 

Finalmente, em 1988, foi promulgada a CF/88 com priorização do homem, dos direitos coletivos, da igualdade e dos direitos sociais. Ademais, especificamente para o FGTS, este deixa de ser facultativo, encerrando-se a estabilidade decenal, sendo um marco para o Direito do Trabalho. Nesse prisma, esta Carta Magna serve de paradigma para outras Constituições, uma vez que é um documento de grande relevância para a história do Brasil, representando um marco de transição para a democracia, e consolidando direitos e deveres que moldam o Estado brasileiro da contemporaneidade. 

Diante do exposto, com a chegada do fim do ano de 2024, questiona-se se a CF/88 conseguiu positivar todos os direitos sociais inerentes à República Federativa, ou somente foi uma proposta vanguardista, com ideais coletivos, quase utópica. Ou seja, para muitos constitucionalistas a opção de se criar uma nova Carta Magna poderia acarretar mudanças radicais na política, reformas profundas estruturais do Estado e até crise na governabilidade. Segundo o presidente do STF Luís Roberto Barroso, “Desperdiçar o capital político que a Constituição representa e convocar uma nova no momento de polarização e ressentimento que o Brasil vive, dificilmente sairá alguma coisa melhor do que a Constituição que temos. Embora não seja a Constituição ideal - se é que tal carta existe, ela é a construção das nossas circunstâncias e ajudou o Brasil a fazer uma travessia bem- sucedida de um Estado autoritário para um Estado democrático"

Dizendo de outra forma, a grande questão a ser colocada em xeque é se a democracia atual consegue manter a estabilidade institucional e monetária do regime constitucional, sem excluir a separação de poderes e a nova ordem jurídica. Sendo assim, o que se espera em 2025 é que os direitos sociais não sejam somente letras de lei, mas sim um motivo para que o Brasil possa se orgulhar, expondo ao mundo a confiabilidade na criação legislativa e na adaptação às intempéries. 

___________

1 ANDRADE, P. De e BONAVIDES, (1991). História Constitucional do Brasil. São Paulo, Paz e Terra. 

2 BOBBIO, N. (1992). A Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Campus. 

3 CANOTILHO, J. J. G. ( 2002). Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra, Almedina. 

4 SILVA, J. A. da (2001). Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros

Joseane de Menezes Condé
Servidora Pública Federal do TRT 15 Americana, Mestranda em Direito Internacional FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional IBMEC, pós graduanda em direito tributário e trabalhista.

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