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A responsabilidade civil no Direito de família decorrente do estelionato afetivo

Abordar como a responsabilidade civil torna-se viável no Direito de família, tomando como base a prática delituosa do estelionato afetivo.

11/12/2024

1. Introdução

O presente estudo possui como objetivo principal analisar a responsabilidade civil como uma forma de reparar o dano causado pelo estelionato afetivo. A responsabilidade civil corresponde a uma ramificação do Direito Civil cuja finalidade é não prejudicar outrem. Caso contrário, o dano provocado pelo agente resultará em uma sanção aplicável a esse. É importante dizer que a punição aplicada ao agente que comete esse tipo de infração difere-se bastante das sanções conhecidas no Direito Penal, muito embora apresente, dentro da esfera cível, uma certa similaridade referente a prestação pecuniária.

No que tange a terminologia estelionato afetivo, esta surgiu no ano de 2015, sendo usada para referir-se a um comportamento ilícito dentro de uma relação amorosa, o qual se caracteriza a partir de uma exploração econômica, ao longo em que estiver nesse relacionamento e obtiver vantagens de forma ilícita usurpando o parceiro (D’ALBUQUERQUE; DE ARAUJO, 2021).

A justificativa para a aplicabilidade desse tipo de sanção remete aos danos que o agente ocasionou ao seu semelhante, sejam esses morais ou materiais. Vale salientar que a responsabilidade civil não vem a ser um ramo isolado, possui a capacidade de intercalar com as demais modalidades do Direito Civil (obrigações, negócios jurídicos, contratos). É o caso do Direito de família, por exemplo. 

Comumente, as varas de famílias são acionadas para julgarem casos que ensejam responsabilidade civil, seja por abandono de lar, não pagamento de pensão, casos de curatela e tutela. E, é claro, não se pode esquecer que a responsabilidade civil no Direito de família está vinculada aos relacionamentos amorosos (casamento e união estável), especialmente no que concerne ao estelionato afetivo. 

Vale dizer que o estelionato afetivo, sob nenhuma hipótese, deve ser encarado como um caso singular, porque, nos últimos, vem se tornando crescente o número de vítimas desse tipo de artificio delituoso no qual o (a) cônjuge ou o (a) companheiro(a) tem a intenção de prejudicar o (a) companheiro(a) por meio de algum ato fraudulento a fim de obter uma vantagem financeira. Somado ao prejuízo financeiro, a vítima também atravessará um constrangimento ao qual, possivelmente, afetará o seu aspecto psicológico, visto que o autor desse ato criminoso era ninguém menos do que alguém digno(a) de sua confiança que, diga-se de passagem, decorreu de um vínculo afetivo.

Nessas circunstâncias a prática do estelionato afetivo ensejará sim em uma responsabilidade civil que possibilitará ao Poder Judiciário, quando acionado, punir o autor dessa infração, levando-se em conta que a vítima desse delito sofreu danos morais e materiais.

O mais surpreendente é que apesar de, nos últimos tempos, esse tipo de conduta delituosa obter uma certa notoriedade no ordenamento jurídico brasileiro, tenha a praticidade, desde sempre.

A justificativa mais plausivel para isso é que não há uma legislação especifica para enquadrar esse tipo de ato criminoso, muito embora esteja diretamente ligado ao art. 171, do CP. Talvez, seja por isso que o estelionato afetivo tenha mais credibilidade na esfera criminal. Principalmente, com o advento da lei Maria da Penha, visto que, na maioria das vezes, as vítimas são mulheres.

1.1 Objetivo

1.2 Objetivos específicos

1.3 Metodologia

Esta pesquisa teve como embasamento teórico a consulta da legislação brasileira, juntamente com doutrinadores da área jurídica referentes na esfera constitucional, cível e penal. Sendo, assim, dividida em três tópicos.

O primeiro tópico apresenta um breve panorama referente a responsabilidade civil no qual associa esse assunto dentro do Direito de família. O segundo tópico procura elucidar sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e a sua importância no Direito de família.

O último tópico busca abordar a relação da responsabilidade civil ensejada pelo estelionato afetivo, no Direito de família, bem como a atuação do Poder Judiciário junto a esse tipo de conduta delituosa.

2. A responsabilidade civil e a sua importância no Direito de família

A responsabilidade civil, segundo Marcos Vinicius Mariot Pereira (2015) consiste no dever de indenizar o dano suportado por outrem, visto que a obrigação é decorrente da prática de um ato ilícito. Por isso, a responsabilidade civil tem como proposito não prejudicar o indivíduo.

Flavio Tarturce (2021) enfatiza que a conduta pode ser por uma ação (conduta positiva), ou por uma omissão (conduta negativa), voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia. Ainda para este autor para configurar omissão é necessário que exista um dever jurídico de praticar determinado ato, bem como a prova que essa conduta não ocorreu, e ainda é necessário que seja provado que se caso a conduta fosse praticada, o dano poderia ter sido evitado.

De acordo com Marcos Vinicius Mariot Pereira (2015), a doutrina especializada separou a ilicitude do art. 186 em duas: A ilicitude subjetiva (dolo ou culpa) e a ilicitude objetiva (aquela em que apenas ocorre o prejuízo, sem analisar se a conduta foi intencional ou não).

Diante desse exposto, a responsabilidade subjetiva, é composta por: conduta humana; nexo causal; dano; culpa. A conduta humana corresponde a ação em sentido amplo ou a omissão relevante. O nexo causal abrange a ligação entre a conduta praticada e o resultado danoso. O dano, por sua vez, pode ser material, moral ou estético. E a culpa tanto o dolo como a culpa em sentido estrito, que é a quebra do dever de cuidado.

A responsabilidade objetiva, prevista no art. 187, também do CC, apresenta os mesmos pressupostos, mas não a culpabilidade. Sendo assim, o dano é o prejuízo (moral ou material – coletivo ou individual, estético ou a perda de uma chance) experimentado pela vítima; o nexo de causalidade é o vínculo lógico entre determinada conduta antijurídica do agente e o dano experimentado pela vítima; a culpabilidade é um juízo de censura à conduta do agente, de reprovabilidade pelo direito, decorrente de dolo, negligência, imprudência ou imperícia.

Por fim, o risco pode ser encarado como um meio que constituem a responsabilidade objetiva pelo qual reconhece-se no agente um dever prévio de cuidado, tornando-se responsável, em razão da não observância observou aquele do devido cuidado que lhe era estabelecido.

De acordo com Fernando Penafiel ( 2013), vigorava, no Brasil a tese de que a responsabilidade subjetiva exigindo a demonstração de culpa do agente, como ele próprio afirma: "todo aquele que, mediante ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito (art. 186)." Entretanto, essa ideia vigorou até 2002, quando foi validado o novo CC, em que foi incluída a teoria objetiva, estando essa presente no ordenamento jurídico, atualmente.

Nessas circunstancias, o presente CC determina a precisão de reparar um dano decorrente de um ato ilícito, havendo a obrigação de recompô-lo, independente de culpa, em situações determinadas pela legislação; ou quando atividade normalmente desenvolvida pelo agente do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Quando a responsabilidade civil, quando abranger o Direito de família, será subjetiva, visto que em tudo o que for concernente ao dever de indenizar é necessário que estejam presentes os requisitos de ato ilícito, dano e nexo causal. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald a possibilidade de incidência das normas da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares:

Seguramente, a obrigação de reparar danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes da prática de um ato ilícito também incide no Direito das Famílias. Por certo, não se pode negar que as regas da responsabilidade civil invadem todos os domínios da ciência jurídica, ramificando-se pelas mais diversas relações jurídicas, inclusive as familiaristas (FARIAS, 2013, p. 162).

Diante desse exposto, percebe-se que tal conduta decorra de algum ato doloso ou culposo, pois, de acordo com Pablo Stolzen Galiano e Rodolfo Pamplona Filho(2013), torna-se bastante raro abordar a responsabilidade, em virtude do risco de responsabilidade, uma vez que não se exerce atividade que comprometa a atividade de outro. Portanto, torna-se possível exigir uma indenização, sempre que estiverem presentes os elementos que determinem a responsabilidade civil subjetiva. 

3. O princípio da dignidade da pessoa humana no Direito de família

A dignidade da pessoa humana como uma das necessidades fundamentais do indivíduo, sendo essa um dos alicerces da Carta Magna, como pode ser comprovado por meio do art. 1º, inciso III, além de funcionar como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, inerente à República Federativa do Brasil, pelo qual busca proporcionar ao cidadão que seus direitos devam ser respeitados tanto pela sociedade, quanto pelo Estado. Pressupondo, assim, a igualdade entre os seres humanos.

Flávia Piovesan (2000) afirma que a dignidade da pessoa humana, (...) está erigida como princípio matriz da CF, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos direitos e garantias fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

André Ramos Tavares ((2020) diz que não é uma tarefa muito fácil conceituar a dignidade da pessoa humana, por isso ele explica, baseado na ideia de Werner Maihofer, que não se limita apenas em proteger o indivíduo de algum constrangimento, mas também reuni uma afirmação positiva na personalidade.

Luís Fernando Barzotto (2001), “Reconhecer o ser humano como pessoa é o desafio ético de civilizações (escravidão, colonialismo, imperialismo), povos (estrangeiros, minorias, hierarquia social), e pessoas (preconceito, discriminação, indiferença). Reconhecer o outro como pessoa é afirmar o valor ou a dignidade inerente à condição de pessoa”. E salienta que a dignidade da pessoa humana expressa a exigência do reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Logo, uma conduta ou situação viola a dignidade da pessoa humana, isso significa que nesta conduta ou situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa.

Alexandre de Moraes (2017), por sua vez, afirma que tal princípio pode ser conceituado como um valor espiritual e moral relacionado ao indivíduo que se manifesta de maneira singular que busca o respeito por parte das demais pessoas. Determinando com que as legislações brasileiras vigentes priorizem a dignidade da pessoa humana a fim de evitar com que o indivíduo venha a ter os seus direitos desrespeitados.

Aline Ribeiro Pereira (2020) explica que a dignidade da pessoa humana não se restringe apenas a questões referentes a educação, saúde e moradia, por exemplo; mas sim a outras dimensões como na liberdade, no trabalho, na integridade, etc. Sem esquecer de como esses valores se relacionam.

É o que ocorre no Direito de família, pois a dignidade da pessoa humana é utilizada para fundamentar o direito e revisão de alimentos, a impenhorabilidade de bem de família, o direito ao nome, a necessidade de reconhecimento do estado de filiação, a filiação socioafetiva, o dano moral para vítimas de violência doméstica, as exceções às regras de adoção, dentre outros.

Maria Berenice Dias (2009) diz que existe uma opção expressa pelo indivíduo vinculado a todos os institutos a realização de sua personalidade, em virtude da elevação da dignidade da pessoa humana promovida pela ordem constitucional. Possibilitando com que o ser humano fosse colada no centro protetor do direito. Logo, a dignidade da pessoa humana não representa apenas um limite a atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva.

O Estado não tem apenas o dever de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano, como afirma Fernanda Cristina Rodrigues de Moraes (2009). Segundo a autora, o Estado não tem apenas o propósito de abster-se de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, mas também deve promover essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano.

O Direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos, pois este princípio significa igualdade de direitos para todas as entidades familiares que, por sua vez, foram consolidados com a CF/88 e com a reforma do CC/02. E de acordo com Fernanda Cristina Rodrigues de Moraes (2009): "No direito de família teve consideráveis alterações colocando fim em inúmeras discriminações presentes no antigo código."

Visto que todas possuem igualdades de direitos, torna-se inadmissível tratar de forma diferenciada as mais variadas constituições de família. Ademais, multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum - permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada indivíduo com base em ideias pluralistas, solidaristas, democráticas e humanistas.

4. A responsabilidade civil no estelionato afetivo

De acordo com o caput do art. 171, do CP (1940): "configura o estelionato como crime em que o autor visa obter vantagem para si ou para um terceiro por meio de um ato fraudulento que enseje no prejuízo da vítima". O estelionato afetivo, por sua vez, caracteriza-se de forma análoga, pois é preciso que haja uma situação que apresente uma certa complexidade.

Sob essa análise, é preciso identificar a existência de uma conduta dolosa do agente aproveitar-se da boa-fé do seu parceiro afetivo, induzindo-o ao erro que venha resultar em um prejuízo.

Rafael Rocha (2019) analisa que a consumação para esse tipo de crime decorre de quatro palavras essenciais que se encontram previstas no do art. 171 do CP: fraude, erro, resultado duplo (obtenção de vantagem ilícita somado ao induzimento no erro) e dolo. A fraude, nessas condições, pode ser compreendida como meio pelo qual a vítima é ludibriada pelo autor que, consequentemente, concretiza a ação delituosa. O erro, por sua vez, decorre da fraude para que a pessoa (a vítima) seja induzida. Para que haja a consumação desse ato criminoso, é necessário a obtenção de vantagem indevida, causando o prejuízo a outrem. E não precisa ser, necessariamente, ser em proveito próprio, mas sim também em prol de algum terceiro.

O dolo consiste no autor ter a intensão de fazer uso de meio fraudulento que induza a vítima ao erro a fim de obter a vantagem indevida. Nessas condições, não se admite no crime de estelionato a modalidade culposa. O dolo, no Direito Civil, é classificado como um vício (defeito) em um negócio jurídico pelo qual resulta na sua anulação, conforme prevê o art. 145 do CC/02.

Conforme observa Amanda Silva Tomaz Pereira (2014), o dolo, dentro do panorama penal, é a intensão de praticar um ato pelo qual o autor tem plena consciência de ser contrário à lei e por isso, assumiu o risco produzi-lo. Enquanto que no Direito Civil o dolo pode ser denominado como um artificio utilizado pelo agente com intenção de enganar ou induzir alguém ao erro. O crime de estelionato e, antes das alterações provinda do pacote anticrime, era uma ação penal pública incondicionada em que o Ministério Público era o titular da denúncia, tendo plenos poderes para oferece-la em juízo.

Dessa forma, o pacote anticrime permitiu com que fosse colocado em discussão o direito de ação penal referente a aplicação da lei no tempo, como está previsto no art. 2º do CP destaca que “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória” (n/p).

O parágrafo único desse mesmo artigo apresenta o abolitio crimes que remete ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica pelo qual a lei posterior que favorecer o agente aplica-se aos fatos anteriores, mesmo que já tenham sido por sentenças transitadas em julgado. O art. 2º do CPP estabelece que a lei processual penal será aplicada de forma imediata sem acarretar em prejuízos da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, contrapondo-se com o art. 2º do CP.

A disposição de coisa alheia como se fosse própria; alienação ou oneração de coisa própria; defraudação de penhor; fraude na entrega da coisa; fraude para recebimento de indenização ou valor do seguro e fraude no pagamento por meio de cheque. Esses atos denotam a prática de crime de estelionato que se encontram previstos no parágrafo segundo do art. 171, do CP. O agente que pratica tais atos para obter para si ou outrem vantagem indevida, será condenado a pena de reclusão, de um a cinco anos, e multam como está estabelecido nesse mesmo artigo.

Dentro da esfera cível, o indivíduo que utiliza desses mesmos artifícios com a mesma intenção além de ser decretada a nulidade do negócio, será civilmente responsabilizado por danos morais, como determina o caput do art. 927, do CC. O parágrafo único desse mesmo artigo estabelece o seguinte: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (n/p).

Tiago Fachini (2020) estabelece que que o ordenamento jurídico brasileiro tenha como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, em virtude dos direitos da personalidade estão vinculados ao direito a vida, autodeterminação do indivíduo sobre o seu corpo, a privacidade, a honra, a preservação de si e de se nome, etc. Ademais, o dano sofrido pela vítima não se restringe apenas ao aspecto material, como também moral.

Conforme está previsto no art. 11, do CC/02, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis não podendo sofrer nenhuma limitação, exceto em situações previstas em lei.

A pessoa que, nas circunstancias apresentadas no parágrafo anterior, venha a ter o seu direito da personalidade violado poderá exigir medidas cabíveis, bem como reclamar perdas e danos, conforme está previsto no caput no art. 12, também do CC/02.

A responsabilidade civil ensejada pelo dano referente ao direito da personalidade de alguém corresponde ao crime de estelionato afetivo em que o agente age de acordo com o caput do art. 171, do CP (1940), valendo do relacionamento amoroso que desenvolve com a vítima.

Elayny Carollyny Sousa Pereira (2022) observa que assim que o agente pratica esse tipo de ação delituosa, dentro da esfera cível, além de violar o princípio da dignidade da pessoa humana, também infringe outros dois princípios essenciais no Direito de família: boa fé e afetividade.

O princípio da boa fé, segundo a autora, devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Enquanto que o princípio da afetividade denota a interação entre pessoas, conforme afirma Flávio Tartuce (2021).

Luciana Fernandes Berlini (2022) analisa que a definição de estelionato prevista vem sendo utilizada para fundamentar compreender a configuração do ardiloso comportamento do agente pelo qual obtém vantagens indébitas, aproveitando-se do relacionamento amoroso desenvolvido junto a vítima. E salienta:

No entanto, assim como a responsabilidade penal, a anulação do negócio jurídico, por si só, também não é suficiente para compensar a vítima pelo estrago advindo do estelionato sentimental. Dessa forma, entende-se que a responsabilidade civil se apresenta como a melhor opção para a vítima, o que não significa dizer que ela não possa se utilizar dos outros institutos ou cumulá-los.

Dentro do aspecto criminal, a vítima do estelionato afetivo, na condição de mulher, além do art. 171, poderá alegar ter sofrido dano emocional por meio do art. 147-B, também do CP, em que as penas aplicadas ao agente são de seis meses a dois anos de reclusão e multa, caso a conduta não configure crime mais grave. Para complementar, a lei 11.340 de 07/8/06, Maria da Penha, pode ser aplicada, levando-se em consideração que o estelionato afetivo também configura violência doméstica, compreendendo também a violência patrimonial, como está previsto no inciso IV do art. 7º. Estando sujeita as seguintes medidas protetivas determinadas pelo art. 22 dessa legislação: 

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826,

II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

VI – Comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e         (Incluído pela Lei nº 13.984, de 2020)

VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. 

Caso tais medidas não venha a serrem cumpridas, ensejará pena de detenção de três meses a dois anos, como está previsto no caput do art. 24- A dessa mesma legislação.

Luciana Fernandes Berlini (2022) arima que muito embora existam leis que busquem assegurar os direitos dessas pessoas vítimas desse golpe, prevalece o receio de exporem suas intimidades, além abalos psicológicos decorrentes da humilhação que sofreram. Optando em suportarem o prejuízo financeiro e emocional a terem que reviver o trauma.

O autor reforça dizendo que é necessário ter em mente é que a culpa não está no afeto que se sente, mas sim no logro de quem fingi amar intencionando auferir alguma vantagem econômica.

O que se percebe a partir do entendimento prolatado em sentenças judiciais, é que para que faça a correlação, analogicamente, ao art. 171 do CP (qual seja, o crime de estelionato), é necessária a comprovação da fraude.

Não basta que seja apenas um relacionamento abusivo, pela agressão física ou/e psicológica. Tem que haver o induzimento a erro, isso no que concerne a pagamentos e gastos em proveito da parte demandada.

Nos casos em que as relações se fundamentam em presentes, pagamentos de contas de forma explícita, a fraude dificilmente será configurada, o que torna atípica a conduta para o crime de estelionato (nesse caso, em analogia ao art. 171 do CP, o sentimental).

Considerações finais

A responsabilidade civil no Direito de Família ainda é um tema que apresenta muita complexidade, por não se encontrar amparado por embasamento legal e adstrito aos entendimentos doutrinários e parcos julgados jurisprudenciais. Isso se deve ao fato de as relações familiares não tem cunho contratual, portanto qualquer discussão direta sobre a responsabilidade civil oriunda de uma relação institucional dever ser verificada com muito vagar.

O crime de estelionato afetivo, ultimamente, vem sendo bastante divulgado, muito embora tal atividade já tenha tido a sua praticidade, no decorrer dos anos. Além do mais, o termo não estar presente na legislação, sua definição é baseada no crime de estelionato, descrito no art. 171 do CP – decreto lei 2.848/40: “Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

Não é novidade para ninguém que toda e qualquer relação amorosa encontra-se embasada confiança, lealdade e boa-fé dos parceiros, e no direito; sendo livre as formas de pactuação ou de estabelecimento dos contratos na qual se formula uma espécie de contrato tácito (celebrado sem formulação de um documento escrito).

Em meio a má-fé de uma das partes (que também pode estar presente nas relações amorosas) em se utilizar do afeto alheio para contrair empréstimos em benefício unicamente do outro, não sendo comum.

A grande questão é que, invariavelmente, alguns julgados têm surgido colocando em seu centro o dano moral (pena pecuniária) como forma de reparação de danos nas questões de família. E como toda pena que se aplica, tenta alcançar um único objetivo, que é o de prevenir que aquele ato ocorra novamente, buscando o legislador reprimir determinada ação.

Ocorre, no entanto, que não é tão certo que os resultados que o legislados busca ao aplicar esse tipo de pena contra o réu, irão, realmente, fazer com que ele passe a ter outras atitudes, pois a questão que aqui será tratada nada mais é do que essencialmente de ordem moral, conforme será melhor elucidado adiante.

Visto que o crime de essa conduta criminosa tem a ver com o relacionamento amoroso estabelecido entre o autor e a vítima, compete ao Poder Judiciário não o tratar de maneira isolada; ou seja, não se limitando apenas ao campo do Direito Penal, visto que a prática desse ato ilícito ocorreu de forma dolosa afetando diversos fatores aos quais implicam uma atuação fortificada do Poder Judiciário.

O Direito Civil deve atuar nisso de forma conjunta, com o Direito Penal, em razão de acarretar na responsabilidade civil em que abrangem os direitos da personalidade, o negócio jurídico e Direito de família. Esse último, quando o relacionamento amoroso remete ao casamento e a união estável.

Visto que a prática desse tipo de crime torna-se abrangente no Direito de família, ensejando responsabilidade civil, é necessário que os operadores do Direito, norteados pela CF/88 e o CC/02, deverão possuir uma visão aprofundada no qual o estelionato afetivo corresponde aos mais variados relacionamentos amorosos de qualquer gênero. E assim como, a possibilidade de haver uma inversão de papeis entre autor e réu, muito embora a maioria das vítimas sejam mulheres.

__________

1 BARZOTTO, Luis Fernando, Pessoa e reconhecimento: uma análise estrutural da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais. Doutrina Essenciais de Direitos Humanos .Vol. 1 .p. 655 – 681 , Ago / 2011 | DTR\2012\450467.

2 BERLINI, Luciana Fernandes. Responsabilidade Civil Por Estelionato Sentimental. https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/370997/responsabilidade-civil-por-estelionato-sentimental , 2022.

3 BRASIL. Código Civil, 2002.. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. 2002.

4 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, 1988 .

5 CÓDIGO PENAL, Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm, 1940.

6 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm, 1941.

7 D'ALBUQUERQUE, Teila Rocha Lins; DE ARAÚJO, Rebeca Nogueira. Estelionato Sentimental: Responsabilidade Civil em Relacionamentos Abusivos: A Fraude do Amor. Revista Conversas Civilísticas, v. 1, n. 1, 2021.

8 DE FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD. Nelson. Manual de Direito Civil Volume Unico. 3o Edição, 2013.

9 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. 2ª tiragem. São Paulo Revista dos Tribunais, 2009. p.61-63.

10 FILHO, Rodolfo Pamplona e GAGLIANO, Pablo STOLZE. Manual De Direito Civil, Volume Único, 3o. Edição, 2013.

11 LEI NÚMERO 11.340 de 7 de agosto de 2006, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

12 LEI Nº 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm

13 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 33ª ed. São Paulo. Atlas, 2017.

14 MORAES, Fernanda Cristina Rodrigues de. Princípio da dignidade da pessoa humana no direito de família. Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 01 Dez. 2009. Disponível em: www.investidura.com.br/ufsc/110-direito-civil/124220-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-no-direito-de-familia/124220-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-no-direito-de-familia. A

15 PENAFIEL, Fernando. Evolução Histórica e Pressupostos Da Resposabilidade Civil. https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/evolucao-historica-e-pressupostos-da-responsabilidade-civil/

16 PEREIRA, Aline Ribeiro. O Princípio Da Dignidade Da Pessoa Humana No Ordenamento Jurídico. https://www.aurum.com.br/blog/principio-da-dignidade-da-pessoa-humana/. 2020.

17 PEREIRA, Amanda da Silva Tomaz. Dolo No Direito Civil. https://amandastp.jusbrasil.com.br/artigos/339495327/dolo-no-direito-civil. 2014.

18 PEREIRA, Elany Carollyny de Sousa. https://jus.com.br/artigos/98351/responsabilidade-civil-diante-do-estelionato-sentimental#_Toc53245503

19 PEREIRA, Marcos Vinicius Mariot. Responsabilidade Civil: Resumo Doutrinário E Principais Apontamentos. https://www.jusbrasil.com.br/artigos/responsabilidade-civil-resumo-doutrinario-e-principais-apontamentos/405788006, 2015

20 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

21 ROCHA, Rafael. Saiba O Que É Crime De Estelionato. https://rbispo77.jusbrasil.com.br/artigos/628482441/saiba-o-que-e-o-crime-de-estelionato, 2019.

22 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Método, 2021.

23 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo. Saraiva, 2020.

Eric Tadeu do Vale Lima
Advogado e Jornalista, integra a Comissão de Direito de Família e Direito do Trabalho na OAB do Ceará.

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