Há alguns meses, a 2ª e a 7ª câmaras do TRT da 15ª região (Campinas) decidiram, em duas ações envolvendo a validade de contratos de franquia1, que a competência para processar e julgar os casos não competem à Justiça do Trabalho. As decisões determinaram a remessa dos autos à Justiça Comum, com base no direcionamento do STF de que não cabe à Justiça do Trabalho apreciar demandas que envolvem franqueado e franqueador.
Um tempo depois, o TRT-15 apreciou mais três ações que tratavam da mesma temática – o pretenso reconhecimento de vínculo empregatício entre titular de pessoa jurídica e outra empresa. Os casos foram julgados pela 1ª e 8ª câmaras e as decisões foram unânimes para também declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as demandas.
Os acórdãos demonstram o avanço na aplicação do respeito às decisões do STF quanto ao tema, em observância à disciplina judiciária, sendo os primeiros precedentes do TRT-15 que entenderam pela incompetência da especializada com menção direta às decisões proferidas em Reclamações Constitucionais sobre o mesmo tema, em atenção aos precedentes da Suprema Corte.
Nesse sentido, os precedentes são de grande relevância ao demonstrarem a consolidação, nos Tribunais Regionais do Trabalho, quanto a discussão sobre competência material em litígios relacionados ao pedido de reconhecimento de vínculo de emprego de profissionais contratados por meio de empresas regularmente constituídas, especialmente quando a discussão da relação contratual subjacente possui natureza cível e comercial – como é o caso dos contratos de franquia ou naqueles em que não se demonstra qualquer indício de fraude ou coação na celebração do contrato entre as pessoas jurídicas.
Em outro caso recentemente julgado pela 8ª câmara do TRT-152, o colegiado adentrou ao mérito da relação estabelecida entre duas pessoas jurídicas, tendo em vista que o contrato celebrado por duas pessoas jurídicas foi precedido de um vínculo celetista.
O autor da ação alegou ter trabalhado como empregado, sob o regime CLT, até determinado momento, quando então passou a exercer suas funções mediante um contrato de prestação de serviços celebrado por empresa de sua titularidade.
Apesar da decisão de primeiro grau reconhecer o vínculo de emprego, o TRT-15 destacou que o reclamante foi quem optou por alterar o seu contrato de trabalho, de livre e espontânea vontade e sem qualquer indício de coação, passando de celetista para pessoa jurídica. Além disso, a decisão colegiada mencionou a alteração do valor da sua remuneração, de um salário de R$ 11.241,93 para honorários de R$ 18.205,00, de modo que deve prevalecer, portanto, a vontade das partes, nos termos do art. 444 da CLT3.
O fundamento central das decisões colegiadas do TRT-15 reside no respeito ao sistema de precedentes obrigatório que determina a necessidade de observar as decisões dos Tribunais Superiores, nos termos do art. 927 do CPC. As decisões mencionadas incluíram em suas fundamentações os seguintes pontos:
- O STF decidiu, no julgamento da ADC 48, ADPF 324 e RE 958.252 (Tema 725), bem como das ADIs 3.961 e 5.625, que a Constituição Federal permite formas alternativas da relação de trabalho, o que inclui a licitude da terceirização por meio de pessoas jurídicas constituídas para prestação de serviços na atividade-fim;
- A extensão das razões de decidir dos referidos precedentes alcança diversas relações jurídicas que decorrem das diferentes formas de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas, tema que vem sendo ratificado pelo STF em Reclamações Constitucionais que se referem ao contrato de franquia4;
- A aplicação do entendimento do STF é no sentido de que cabe ao Juízo Cível a análise acerca de eventual irregularidade, vício ou nulidade no contrato de franquia;
- Assim, apenas uma vez declarada a nulidade ou invalidade do contrato de franquia pela Justiça Comum, é que caberá à Justiça do Trabalho analisar a existência de vínculo empregatício, nos termos do art. 114, I, da Constituição Federal, para verificar a presença ou não dos elementos típicos da relação de emprego: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e, especialmente, a subordinação.
Essas decisões proferidas no âmbito do TRT-15 permitem que seja conferida a mesma solução para litígios semelhantes, reconhecendo que as teses firmadas pelo STF possuem efeito vinculante e erga omnes, devendo ser observadas por todo o Poder Judiciário Trabalhista.
Vale destacar as recentes decisões proferidas pela 2ª turma do STF nas Reclamações Constitucionais 73.479/RS, 73.479/RS, 71.295/DF, 70.233/SP e 60.118/RJ, em que a Suprema Corte reconheceu a incompetência da Justiça do Trabalho para analisar a validade de contratos de natureza civil, determinando a remessa dos processos à Justiça Comum - com vistas a preservar os precedentes vinculantes firmados na ADC 48 e ADPF 324.
Ainda, no início do mês de novembro de 2024, a Procuradoria Geral da República (PGR) apresentou manifestação pela procedência do pedido endereçado pelo partido Novo na ADPF 1.149, que está em trâmite no STF e busca estabelecer a competência da Justiça Comum para decidir sobre a validade de contrato de franquia firmado sob a égide da lei 8.955/94 (antiga Lei de Franquia) e da lei 13.966/19 (nova Lei de Franquia).
No que diz respeito as ações que discutem relações jurídicas decorrentes das diferentes formas de divisão de trabalho entre pessoas jurídicas, cresce a cada dia o número de decisões pela incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar a matéria, inclusive em outros TRTs5, o que nos convida a refletir sobre um novo cenário dentro das múltiplas formas de divisão do trabalho da atualidade. Essas discussões têm se tornado cada vez mais calorosas e caminham para construção de um ambiente de mercado com maior segurança jurídica para as relações comerciais celebradas com boa-fé, sem qualquer vício de consentimento ou irregularidade na sua formação.
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1 Processos nº (i) 0010185-61.2021.5.15.0053 (acórdão publicado em 11/06/2024) e (ii) 0011560-97.2020.5.15.0032 (julgamento em 03/06/2024).
2 Processo nº 0011433-85.2022.5.15.0034(ROT) - Data publicação: 31/07/2024; Órgão Julgador: 8ª Câmara - Relatora: Erodite Ribeiro dos Santos
3 Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Parágrafo único. A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mesma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos, no caso de empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
4 As decisões do TRT-15 citaram as Reclamações Constitucionais nº 61.437/MG, 64.530/RJ e 64.826/MG.
5 TRT da 2ª Região: Processos nº (i) 10000579-04.2021.5.02.0069 (acórdão publicado em 31/07/2023); (ii)1000747-41.2021.5.02.0025 (acórdão publicado em 14/03/2022); (iii) 1000699-74.2020.5.02.0039 (acórdão publicado em 16/09/2021); (iv) 1001598-72.2019.5.02.0018 (acórdão publicado em 24/09/2021); (v) 1000861-57.2020.5.02.0043 (acórdão publicado em 25/11/2021); (vi) 1001682-82.2017.5.02.0361 (acórdão publicado em 09/12/2021); e (vi) 1001197-75.2020.5.02.0491 (acórdão publicado em 09/12/2021).
TRT da 3ª Região: 0010771-38.2022.5.03.0105 (acórdão publicado em 06/10/2023)
TRT da 9ª Região: 0000407-55.2021.5.09.0014 (acórdão publicado em 25/09/2023)v