Quando era adolescente, no final dos anos 90 e início dos anos 2000, o termo “assédio” não fazia parte do vocabulário popular para descrever as experiências de muitas mulheres. O comportamento existia, mas a linguagem não. Descrevíamos situações como “fulano mexeu comigo” ou “ele me importunou”, mas faltava uma palavra que englobasse a violência cotidiana de forma clara e que desse respaldo para exigir seus direitos.
O surgimento de campanhas como o “Chega de fiu-fiu” no ano 2013 no Brasil indicava uma tentativa de lidar com o problema, mas sem a linguagem precisa, a sociedade ainda oscilava entre o desconforto e a normalização. (Você pode conhecer mais a respeito do tema no documentário Chega de fiu-fiu, pelo link https://thinkolga.com/ferramentas/documentario-chega-de-fiu-fiu/)
A criação de campanhas como o “Não é não”, mais recentemente, demonstrou um avanço significativo. Não só o termo “assédio” ganhou espaço, como foi acompanhado de um entendimento mais amplo de que flerte pressupõe reciprocidade e respeito.
Quando campanhas publicitárias como o “Não é não” e a luta icônica contra o “fiu-fiu” ganharam força, muitos homens expressaram desconforto e incômodo. Essas campanhas, que visavam educar e conscientizar sobre o respeito ao corpo e à vontade das mulheres, enfrentaram resistência em setores da sociedade que viam essas ações como exageradas ou como parte de um movimento que “estragava” a espontaneidade das interações sociais. Surgiram discursos de que “o mundo está se tornando um lugar chato” ou de que “não se pode mais nem flertar”, revelando um desconforto com a nova exigência de reciprocidade e nas interações.
A partir dessa mudança linguística e cultural, surgiram novos debates sobre a diferença entre flerte e assédio, uma distinção que se tornou fundamental na contemporaneidade. Para que haja flerte é necessário que exista reciprocidade, consentimento e respeito. Sem essas atitudes, o que se estabelece é uma relação de imposição e violência, e não de sedução mútua.
Esse entendimento não apenas dá mais segurança às mulheres, mas também redefine o comportamento masculino, exigindo que os homens repensem suas atitudes e reconheçam que a atenção indesejada é uma violação. Ao nomear o assédio e debater suas nuances, a sociedade cria um novo código de conduta, onde o respeito às vontades e ao espaço das mulheres se torna inegociável.
Ao encaminharmos essa reflexão, é crucial sublinhar que a simpatia, a empatia e o carisma naturais de uma mulher não devem, de forma alguma, ser confundidos com reciprocidade ou abertura para investidas. Muitas vezes, os homens interpretam a amabilidade feminina como um sinal de interesse, ignorando que essas características fazem parte da forma como muitas mulheres interagem socialmente, sem que isso esteja implícito em qualquer tipo de permissão ou convite. Essa confusão é perigosa, pois desconsidera a importância do consentimento explícito e cria um ambiente onde o desrespeito às vontades das mulheres é justificado como “mal-entendido” ou “sinal trocado”.
Respeitar os limites e entender que a interação social não é um terreno livre para avanços indesejados são passos fundamentais para consolidarmos os avanços civilizatórios que discutimos. O respeito à individualidade, ao espaço e às escolhas das mulheres deve estar no centro das relações sociais. Só assim podemos construir uma sociedade verdadeiramente igualitária, onde o flertar ou se relacionar ocorre de forma mútua e respeitosa, e onde a dignidade e a autonomia de cada pessoa são, sempre, uma prioridade.
A capacidade de nomear e identificar comportamentos, características e injustiças contribui muito para a evolução social. Dar nome a algo que, até então, estava invisível ou mal definido é um ato poderoso, que abre espaço para debates, conscientização e, por fim, para mudanças sociais. Ao longo da história, vimos o impacto transformador de nomes de experiências, especialmente aquelas relacionadas às opressões e às desigualdades.