No contexto nos últimos dias tomou conta do debate público que o presidente do Carrefour, Alexandre Bompard, havia dito que o Carrefour se comprometia a não mais vender carnes de países do Mercosul na França. Mas qual o contexto que se insere este embate? Tudo gira em torno do acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
No mesmo ensejo na última terça-feira, dia 26 de novembro, o Parlamento Frances em votação simbólica, rejeitou o acordo com o Mercosul. Na votação, 484 deputados aprovaram a posição do Governo Francês de se opor ao avanço das tratativas com o bloco latino, 70 desaprovaram e 1 se absteve. A votação foi simbólica e não muda o curso da negociação entre os blocos.
Mas o que é este acordo? Conforme o ministério das relações exteriores se trata de um acorde de associação entre os dois blocos União Europeia e Mercosul (do qual o Brasil faz parte).
As tratativas entre os grupos iniciaram em 1999 e não avançaram por diversas razões, sobretudo a resistência francesa, que para além do aparente desejo de proteção ambiental possui um largo comércio agropecuário europeu do qual é a maior produtora para proteger e manter.
Tal acordo tem por objetivo promover condições facilitadas para a circulação de bens e serviços entre as regiões. Além disso o Acordo visa fortalecer os direitos trabalhistas e sociais, garantir a proteção ambiental, promover padrões adequados de segurança alimentar além da proteção dos direitos de propriedade e da qualidade dos produtos alimentares e das bebidas.
Entretanto no cerne do debate está no fato que o texto do acordo prevê a redução das tarifas de exportação do Mercosul para a União Europeia em até 10 anos, sendo que a Europa reduziria 91% das tarifas de exportação do Mercosul. Dentre os produtos atingidos pela redução estão queijos, vinhos, hortifrutis e as famigeradas carnes que recentemente foram objeto de debate.
De acordo a Secretaria do Comércio Exterior o acordo pode incrementar mais de 87,5 bilhões de dólares em 15 anos, podendo atingir o patamar de 125 bilhões de dólares considerando a redução das barreiras tarifárias e o aumento da produtividade.
Para a União Europeia, sobretudo para a França que lidera o setor agropecuário europeu, são considerados produtos sensíveis justamente os produtos advindos da produção do campo: carne, etanol, arroz, mel e milho. Este setor corresponde a 18% das exportações do bloco europeu.
Sobre a carne bovina especificamente o acordo prevê que o MERCOSUL possa exportar 99.000 toneladas adicionais para a União Europeia, além das 200.000 toneladas já importadas anualmente sob condições pré-existentes. Essas exportações adicionais estarão sujeitas a uma tarifa reduzida de 7,5%, significativamente inferior às tarifas padrão aplicadas pela UE a produtos importados de países fora do bloco. A aplicação dessa tarifa favorece os exportadores sul-americanos, pois torna a carne bovina mais competitiva no mercado europeu. No entanto, a implementação será gradual, sendo introduzida ao longo de cinco anos.
Para efeitos de contexto, as 99.000 toneladas representam cerca de 1,2% do consumo total de carne bovina na UE, que é de aproximadamente 8 milhões de toneladas por ano. Apesar de parecer uma parcela pequena, a medida tem um impacto simbólico e prático significativo, especialmente para os produtores europeus, que consideram essa mudança uma ameaça direta ao mercado interno.
Nesse contexto, o mercado europeu, especificamente o francês, se vê ameaçado pelo potencial do agronegócio latino, tendo em vista que a capacidade produtiva, especialmente do setor brasileiro, é imensa, figurando na terceira posição no ranking mundial de exportações. O país da revolução de 1789 busca constantemente guilhotinar o acordo, retirando os principais fomentos aos produtos do Mercosul.
Historicamente, grandes potências econômicas aplicam o que se chama de práticas protecionistas, que são atos que impedem o avanço da livre circulação de bens e serviços de outros países, sobretudo de países mais pobres. Tais práticas resultam em concorrências predatórias, impondo aos países em desenvolvimento somente a comercialização de produtos do setor primário, sem que haja avanço da indústria e desenvolvimento tecnológico.
Nesse contexto, são adotadas barreiras tarifárias, tributos sobre importação e exportação, que elevam os preços dos produtos estrangeiros para que os produtos internos sejam impulsionados. Concomitantemente, os Estados promovem subsídios de fomento para as atividades internas, fortalecendo a produção nacional.
Além das barreiras tarifárias, têm-se as barreiras não tarifárias, através das quais se impõem medidas que visam regular o mercado, estabelecendo padrões de qualidade para que ocorram as transações comerciais, tais como medidas sanitárias, ambientais, cotas, licenças e embargos. Certamente, tais medidas possuem fundamento legítimo, promovendo a proteção do consumidor e do meio ambiente; no entanto, outras promovem o favorecimento do setor doméstico em detrimento dos estrangeiros.
O acordo entre Mercosul e União Europeia tem especial relevância, pois tais medidas, especialmente as tarifárias, seriam minoradas, permitindo o avanço comercial dos países latinos. Hoje, mesmo sem vigência do tratado, a União Europeia é responsável por 23% das exportações brasileiras, conforme o Ministério da Indústria e Comércio. Contudo, o excesso burocrático tem obstado esse avanço.
A implementação deste acordo certamente poderá trazer benefícios comerciais ao Brasil, considerando que as barreiras tarifárias e não tarifárias afetam diretamente os setores fundamentais para nossa economia, como a agroindústria da carne.
O acordo traria além da abertura econômica a clareza maior quanto as normas aplicadas nestas transações comerciais, e uma previsibilidade maior do mercado. A organização e estruturação de um corpo de normas específicas trará estabilidade para o negócio e permitirá avanços significativos.
Entretanto, o velho continente, apesar de muito ter se beneficiado da exploração não tarifada e da exportação sem pagamento das riquezas latinas, continua a resistir ao inadiável avanço da economia latino-americana. Mas uma coisa é certa: sem nossa produção, a França será novamente relegada a se contentar unicamente com brioches, e neste caso, sem bifes de acompanhamento.