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O atraso de pagamento pela Administração Pública e o direito à extinção do contrato público

A nova lei de licitações traz avanços com prazos menores para rescisão por mora administrativa, mas desafios na emissão de notas fiscais preocupam.

27/11/2024

A inadimplência ou atraso de pagamento por parte da Administração Pública, no âmbito dos contratos administrativos, é uma realidade e questão de grande relevância para o particular contratado, pois reflete o equilíbrio da relação econômico-financeira e das obrigações do Poder Público e os direitos do particular. A transição da antiga lei 8.666/93 para a lei 14.133/21 trouxe alterações significativas nesse aspecto, tanto no que diz respeito aos prazos quanto aos marcos temporais que definem a mora administrativa e o consequente direito à rescisão.

Na redação da lei 8.666/93, o artigo 78, inciso XV, estabelecia que o atraso superior a 90 dias nos pagamentos devidos pela Administração Pública por obras, serviços ou fornecimentos era motivo suficiente para rescisão do contrato pelo particular. Este prazo era contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela, conforme indicado no artigo 40, inciso XV, “a”. Essa interpretação foi consolidada pela jurisprudência, considerando-se o adimplemento como o momento em que o contratado concluía suas obrigações, ou seja, com a entrega do bem ou a realização do serviço.

Embora houvesse clareza na contagem do prazo de 90 dias, o regime da lei 8.666/93 não estava isento de desafios. A Administração frequentemente se utilizava de expedientes para postergar pagamentos, como atrasos nos processos de atestação e liquidação, que deveriam anteceder a emissão de faturas e notas fiscais. Essa prática colocava os particulares em situação vulnerável, especialmente micro e pequenas empresas que dependem de fluxo de caixa regular.

Com a nova Lei de Licitações (lei 14.133/21), o art. 137, §2º, inciso IV, reduziu de 90 dias para 2 meses o prazo de mora necessário para que o particular contratado possa considerar o contrato extinto. Contudo, o marco inicial para contagem do prazo passou a ser a data da emissão da nota fiscal ou de outro documento equivalente, e não mais o término do período de adimplemento.

Essa mudança reflete uma tentativa do legislador de conferir maior objetividade ao marco temporal, vinculando-o a um documento específico. Por outro lado, gera preocupações quanto à segurança jurídica, pois sabe-se que a emissão da nota fiscal depende frequentemente de etapas intermediárias sob controle da Administração, como medições ou aprovações.

Além disso, o artigo 92 da nova Lei de Licitações introduz a necessidade de previsão, nos contratos, de cláusulas claras sobre os prazos para medição, liquidação e pagamento. A redação estabelece ainda critérios para atualização monetária a partir da data do adimplemento, reforçando a ideia de que eventuais atrasos por parte da Administração devem ser corrigidos economicamente.

Enquanto a lei 8.666/93 priorizava a lógica do adimplemento como marco temporal, a lei 14.133/21 desloca esse marco para a emissão da nota fiscal, o que pode beneficiar a Administração em termos de flexibilidade contratual. Contudo, essa alteração pode gerar insegurança para os particulares, que dependem da agilidade administrativa para a emissão dos documentos que viabilizam a contagem do prazo de mora.

Ademais, a redução do prazo de 90 dias para 2 meses é, em tese, uma vantagem para os contratados, pois encurta o período de tolerância em caso de atrasos. Entretanto, na prática, a conjugação dos dispositivos pode criar complexidades adicionais, uma vez que a Administração possui liberdade para definir prazos de medição e liquidação, impactando diretamente o início da contagem do prazo.

A interpretação do art. 137, §2º, inciso IV, será crucial para definir os limites dessa nova sistemática. Caso a jurisprudência entenda que a mora administrativa só se inicia com a emissão da nota fiscal, os particulares podem enfrentar dificuldades para exercer seu direito à extinção contratual, especialmente em contratos onde o processo de medição é moroso.

Assim, a nova sistemática da lei 14.133/21 representa uma mudança significativa na relação entre Administração Pública e contratados. A redução do prazo para 2 meses é uma tentativa de modernizar os contratos administrativos e garantir maior celeridade nos pagamentos. No entanto, a vinculação do prazo à emissão da nota fiscal pode comprometer esse objetivo, especialmente se a Administração não adotar práticas eficientes para evitar atrasos nas etapas preliminares.

Mostra-se fundamental, portanto, que os particulares contratados estejam atentos às cláusulas contratuais e busquem esclarecimentos e impugnações quando necessário, especialmente na fase concorrencial, em que essas disposições devem constar da minuta do instrumento contratual, anexo ao edital que precede a contratação. A gestão eficiente do contrato, aliada a um acompanhamento rigoroso das obrigações administrativas, será essencial para garantir o equilíbrio entre as partes e proteger os direitos do contratado diante de eventuais atrasos.

A transição entre as duas leis marca um avanço em alguns aspectos, mas também evidencia a necessidade de maior clareza na regulamentação e interpretação desses dispositivos. O papel do Poder Judiciário será determinante para consolidar um entendimento que assegure tanto a eficiência da Administração quanto a proteção dos particulares.

Camillo Giamundo
Sócio fundador do escritório Giamundo Neto Advogados.

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