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PEC contra a escala 6x1 para a redução da jornada de trabalho

A PEC que propõe a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais traz debates sobre saúde, bem-estar e produtividade no Brasil.

21/11/2024

Nos últimos dias, inúmeras foram as discussões nos meios de comunicação e nas redes sociais sobre a PEC - Proposta de EC que visa reduzir a duração da jornada de trabalho. De autoria da deputada federal Erika Hilton, a PEC altera a redação do art. 7º, XIII, da CF/88, para estabelecer que a duração do trabalho não seja superior a 8 horas diárias e 36 semanais. Atualmente, a jornada máxima permitida é de 8 horas diárias e 44 semanais.

Nesse sentido, levando em consideração a jornada máxima de 8 horas diárias, em regra, para que seja cumprido o limite permitido pela lei maior de 1988, o(a) trabalhador(a) labora 8 horas de segunda à sexta-feira, além de complementar sua jornada em 4 horas aos sábados, de sorte que, ao final de toda a semana, o labor será de 44 horas semanais. Por isso, é que se fala em escala 6×1, não obstante, do ponto de vista jurídico, não exista tal escala propriamente dita, mas, tão-somente, o limite de duração do trabalho.

Vale dizer, a partir deste novo modelo de trabalho seria possível que o(a) trabalhador(a) tivesse um dia a mais de folga, ou seja, descansaria até 3 dias, considerando a possibilidade de ser realizado um acordo de compensação e prorrogação da jornada de trabalho. Isso porque, na prática, muitas pessoas já trabalham somente de segunda à sexta-feira, pois durante a semana existe essa compensação de horário, evitando-se, assim, o labor aos sábados.

Neste contexto, o vice-presidente e ministro da Indústria e comércio, Geraldo Alckmin, afirmou que a redução da jornada de trabalho é uma tendência mundial, e, por isso, publicamente já fez a defesa do debate.

Ora, é certo que as jornadas excessivas de trabalho, associadas aos novos instrumentos de tecnologia, têm causado preocupação na sociedade, justamente pelo impacto na saúde dos trabalhadores, contribuindo, assim, para o esgotamento profissional, estresse, além de outros fatores negativos.

A título de exemplo, o Chile iniciou neste ano a primeira fase da redução da jornada de trabalho, qual seja, de 45 para 40 horas semanais. Ainda, de acordo com a OIT, há países que desempenham uma jornada semanal bem menor que o Brasil, como, por exemplo, o Canadá, em que a média é de 32,1 horas, a Alemanha com 34,2 horas, a Holanda com uma média de 31,6 horas trabalhadas, e até mesmo os Estados Unidos, com uma média de 38 horas semanais trabalhadas, isso por empregado(a) individualmente considerado(a).

E para justificar a iniciativa da PEC, a deputada Erika Hilton faz a seguinte defesa:

“Uma redução legal da jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais que abranja a todos os trabalhadores, pois todos necessitam ter mais tempo para a família, para se qualificar diante da crescente demanda patronal por maior qualificação, para ter uma vida melhor, com menos problemas de saúde e acidentes de trabalho — e mais dignidade”.

Ademais, a justificativa também traz dados estatísticos de experiências internacionais. No Reino Unido, v.g., há um estudo do ano de 2023, com 2,9 mil pessoas que passaram a trabalhar no regime 4×3, o qual indicou que 39% dos profissionais se sentiam menos estressados com a mudança de jornada, enquanto 71% reduziram sintomas de burnout.

Para empresas, aliás, foram identificados ganhos em razão da redução da rotatividade dos funcionários, para além de um pequeno incremento na receita (1,4%), isso em comparação com os mesmos períodos anteriores quando a jornada era mais extensa.

Por certo que a discussão em torno desta temática não é nova no congresso, uma vez que tramita no Senado, desde 2015, a proposta de emenda à Constituição 148 para a redução da jornada de trabalho semanal, assim como o projeto de lei 1.105/23, que faculta a redução da jornada de trabalho, desde que feita sem redução salarial.

Noutro giro, já se encontra tramitando na Câmara dos Deputados a PEC 221/19, de autoria do deputado federal Reginaldo Lopes, que também reduz a jornada de trabalho para 36 horas semanais, cuja proposta já possui parecer favorável, sendo sugerido inclusive que as propostas sejam unidas.

Entrementes, o que se verifica, na prática, é que a realização de horas extras passou a ser uma prática habitual, de modo que se passou a normalizar o funcionamento anormal de extensas jornadas de trabalho, acarretando, por conseguinte, privações na vida social e no convívio familiar dos trabalhadores, além de contribuir para o surgimento de doenças físicas e mentais.

Não por outra razão que, de acordo com o ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho, até o mês de setembro de 2024 o tema “horas extras” aparece em sexto lugar, com 347.281 processos.

Oportunos são aqui os ensinamentos de Magno Luiz Barbosa:

“A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe no art. XXIV que ‘Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas’. Assim, como o trabalho, o lazer é um dos direitos sociais previstos para o cidadão brasileiro no art. 6º da CF/88. Nesse contexto, o Estado Democrático de Direito brasileiro prevê que deverá ser incentivado o lazer, como forma de promoção social (art. 217, § 3º, da CF)."

Mais uma vez, é imprescindível ressaltar que não basta o direito estar previsto na lei maior para que o empregado possa ter o efetivo lazer, que realmente irá contribuir para a boa saúde física e mental do trabalhador. É necessário que, além de uma duração razoável do trabalho, haja também políticas públicas de incentivo ao lazer, bem como remuneração digna, que garanta ao obreiro condições de exercer os seus direitos sociais.”

Em arremate, pode-se dizer que é factível a redução da duração da jornada semanal de trabalho no Brasil, desde que, claro, as empresas também consigam adequar as suas atividades empresariais.

Por isso, considerando a repercussão nacional deste assunto, que ganhou destaque nas redes sociais e nos demais veículos de comunicação, é forçoso agora o aprofundamento da discussão no Parlamento para ser alcançar a melhoria da condição social dos trabalhadores e do meio ambiente laboral, afinal, um dos bens mais valiosos que hoje existentes é, sem dúvidas, o tempo de qualidade de todos nós!

Ricardo Calcini
Advogado, Parecerista e Consultor Trabalhista. Sócio Fundador de Calcini Advogados. Atuação Especializada e Estratégica (TRTs, TST e STF). Professor M. Sc. Direito do Trabalho (PUC/SP). Docente vinculado ao programa de pós-graduação de Direito do Trabalho do INSPER/SP. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Colunista nos portais JOTA, Migalhas e ConJur. Autor de obras e de artigos jurídicos em revistas especializadas. Membro e Pesquisador: GETRAB-USP, GEDTRAB-FDRP/USP e CIELO Laboral. Membro do Comitê Executivo da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Professor Visitante: USP/RP, PUC/RS, PUC/PR, FDV/ES, IBMEC/RJ, FADI/SP e ESA/OAB.

Leandro Bocchi de Moraes
Pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Pós-graduando lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP. Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô.

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