Conforme bem se sabe, as ações expropriatórias estão submetidas à legislação especial, no caso o decreto-lei 3.365/41, o qual é complementado pela Carta Magna, em especial o art. 5º, inciso XXV da CF/881, que prevê a legitimidade estatal para a propositura das referidas ações.
Com isso, a regra geral é de que a figura do Expropriante seja ocupada pela União, Estados, municípios e Distrito Federal (art. 2), enquanto em regra (passível de exceções), tem-se o particular na condição de Expropriado.
Ocorre que a figura do expropriante não está limitada às partes destacadas acima, de maneira que os concessionários de serviço público e os estabelecimentos de caráter público (autarquias e fundações públicas) ou que exerçam funções delegadas também são legitimados ativos, o que é muito bem posto pelo art. 3º, inciso IV2, do decreto-lei 3.365/41 - inserido pela lei 14.620/23.
O referido inciso, apresenta a pessoa do expropriante prévio - também conhecido como epecista – como parte legitima para propositura de ações expropriatórias. Vejamos o exposto pelo referido artigo.
Art. 3 Poderão promover a desapropriação mediante autorização expressa constante de lei ou contrato:
IV - o contratado pelo poder público para fins de execução de obras e serviços de engenharia sob os regimes de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada.
Para melhor compreensão da figura, o epecista, constitui aquele que foi contratado pelo Poder Público para a prestação de serviços de engenharia, isto é, a empresa que foi escolhida para realizar a obra, construção, ajuste ou edificação pertinente à nova finalidade pública atribuída à área.
Para ilustrar, poderá configurar como epecista a construtora contratada para a edificação do prédio de uma escola em determinado terreno pendente de desapropriação, de maneira a exercer função de expropriante prévio, adquirindo o imóvel e iniciando as demandas anteriormente à desapropriação.
É o caso dos contratos EPC - Engineering, Procurement and Construction, que constituem instrumentos utilizados em grandes obras de engenharia, os quais uma parte, a contratada, se responsabiliza por todos os atos relativos à obra, desde o planejamento até performance, mediante um valor fixo global.3
Nesse sentido, em interpretação ampla do art. 3 do decreto-lei 3.365/41, temos, não somente a possibilidade de o epecista integrar o pelo ativo de ações de desapropriação, mas também uma forma de agilizar os atos da Administração Pública, sejam estes procedimentais ou processuais.
Imprescindível destacar que a legitimidade do epecista está vinculada ao cumprimento de requisitos previstos pelo decreto-lei 3.365/41, em seu art. 3º, parágrafo único4, incisos I, II e III - incluídos com o advento da lei 14.620/23 -, especialmente no que tange ao ato de chamamento público, o edital, deverá conter expressamente:
- O responsável por cada fase do procedimento expropriatório: Este inciso determina que o edital deve especificar quem será o responsável por cada etapa do procedimento de desapropriação, visando a garantia de gestão eficaz do processo e, ainda, evitar eventuais falhas e/ou omissões;
- O orçamento estimado para sua realização: Aqui, o legislador exige que o edital inclua uma estimativa de custos para a realização do ato expropriatório, sendo de suma importância para fornecer transparência e previsibilidade aos licitantes, permitindo que haja a avaliação da viabilidade financeira de participar do processo.
- A distribuição objetiva de riscos entre as partes, incluído o risco pela variação do custo das desapropriações em relação ao orçamento estimado: Nesse caso em específico, estabelece que o edital deverá definir de forma clara e objetiva como os riscos serão distribuídos entre as partes envolvidas no contrato de obras e serviços de engenharia, sendo que isso inclui o risco relacionado à variação dos custos das desapropriações em relação ao orçamento inicialmente estimado, por exemplo. Essa cláusula é fundamental para evitar disputas e litígios durante a execução do contrato, pois define previamente as responsabilidades de cada parte em caso de imprevistos ou mudanças nos custos.
Destaca-se que ainda que o art. 3º, Inciso IV do decreto-lei 3.365/41 permita a desapropriação pela figura do epecista, é imprescindível que o referido comprove que a pretensão expropriatória possua como finalidade a utilidade pública, requisito intrínseco à legitimidade do epecista para propor a ação.
Os requisitos impostos pelo legislador visam garantir a transparência, eficiência e segurança jurídica nos processos de desapropriação e contratação de obras e serviços de engenharia pelo poder público, proporcionando, assim, um ambiente mais favorável para a participação de empresas, bem como o desenvolvimento de projetos de infraestrutura.
Ante os esclarecimentos aqui postos acerca do art. 3º, inciso IV, parágrafo único e incisos I, II e III, do decreto-lei, faz-se possível concluir que os referidos representam um avanço significativo na legislação de desapropriação por utilidade pública no Brasil, uma vez que ao apresentarem a figura do epecista, conferem à Administração a aceleração da atividade por ela buscada, ao passo que também concedem às empresas privadas a possibilidade de atuarem diretamente na desapropriação, sem que precisem aguardar as movimentações do Poder Público – que podem perdurar por anos.
Diante disso, é possível verificar que a lei 14.620/23, ao expandir os termos do decreto-lei 3.365/41, visou, dentre outros aspectos, ampliar o rol de legitimados para ajuizar ações expropriatórias, com a finalidade de facilitar, unificar e tornar mais ágil a efetivação das obras públicas e, portanto, do cumprimento do dever estatal, respeitando o procedimento jurídico necessário, tal como os procedimento administrativos.
Assim, cabe aguardar os efeitos práticos dessa nova legitimação para propor ações de desapropriação, não só do ponto de vista da aceitação dos tribunais dos processos a serem ajuizados por parte dos novos legitimados, mas também da operacionalização desses projetos jurídicos por parte das empreiteiras e empresas privadas.
O que fica evidente é a abertura de mais uma possibilidade de prestação de serviços à Administração Pública.
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1 Artigo 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
2 “Artigo 3º. Poderão promover a desapropriação mediante autorização expressa constante de lei ou contrato: (...) IV - o contratado pelo poder público para fins de execução de obras e serviços de engenharia sob os regimes de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada.
3 SARRA DE DEUS, Adriana Regina. Contrato de EPC (engineering, procurement and construction):determinação do regime jurídico. 2018. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-25092020-171857/. Acesso em: 22 agosto 2024.
4 “Artigo 3º. Poderão promover a desapropriação mediante autorização expressa constante de lei ou contrato: (...) Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso IV do caput, o edital deverá prever expressamente: I - o responsável por cada fase do procedimento expropriatório; II - o orçamento estimado para sua realização; III - a distribuição objetiva de riscos entre as partes, incluído o risco pela variação do custo das desapropriações em relação ao orçamento estimado.