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O condomínio como consumidor equiparado

Resp 1.560.728/MG: Uma singela análise sobre a decisão do STJ que equipara condomínios de adquirentes a consumidores.

24/10/2024

Introdução

Nos últimos anos, o setor imobiliário no Brasil tem sido palco de inúmeras disputas judiciais, muitas delas envolvendo adquirentes de imóveis em construção e as construtoras/incorporadoras. Com o aumento da complexidade das transações imobiliárias e o crescimento das demandas coletivas, surge a necessidade de discutir o papel do consumidor e seus direitos nas relações com as incorporadoras.

Um ponto central nesse debate é a aplicabilidade do CDC em casos em que condomínios de adquirentes de unidades imobiliárias atuam coletivamente para proteger os interesses dos futuros proprietários. A decisão proferida no REsp - Recurso Especial 1.560.728/MG, pelo STJ, oferece uma importante interpretação jurídica ao reconhecer que, em determinadas circunstâncias, o condomínio equipara-se ao consumidor, permitindo a aplicação do CDC na defesa dos direitos coletivos dos condôminos.

Este artigo explora essa decisão e seus impactos para o mercado imobiliário, com foco nas implicações para consumidores e empresas, fornecendo uma análise detalhada e prática sobre como essa jurisprudência pode influenciar as relações entre adquirentes de imóveis e construtoras.

A relação de consumo entre condomínios e construtoras

O conceito de "consumidor" no CDC

Para compreender a decisão do STJ, é crucial primeiro entender o que caracteriza uma relação de consumo sob a ótica do CDC. O CDC define consumidor como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º). No entanto, a legislação também prevê que grupos de pessoas, mesmo que não individualmente identificadas, podem ser tratados como consumidores, conforme o parágrafo único do mesmo artigo, com a seguinte redação: equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Nesse contexto, o condomínio de adquirentes de um edifício em construção pode ser visto como uma coletividade que intervém na relação de consumo, defendendo os interesses comuns dos condôminos frente à construtora ou incorporadora. Tal entendimento amplia a proteção oferecida pelo CDC, garantindo que os direitos dos adquirentes sejam resguardados de maneira eficaz e coletiva.

A decisão do STJ: O condomínio como consumidor coletivo

No julgamento do REsp 1.560.728/MG, o STJ firmou entendimento de que o condomínio de adquirentes de imóveis em construção pode ser equiparado a um consumidor coletivo. Isso ocorre quando o condomínio age na defesa dos interesses dos seus condôminos contra a construtora, especialmente em casos de descumprimento contratual ou vícios construtivos.

Essa decisão é um marco, pois consolida o direito de condomínios representarem judicialmente os interesses de seus membros, com base no CDC. Essa equiparação garante que o condomínio tenha acesso às proteções especiais oferecidas pelo CDC, como a inversão do ônus da prova, a proteção contra práticas abusivas e a possibilidade de reparação de danos morais e materiais de forma coletiva.

Os argumentos a favor de o condomínio ser considerado consumidor no REsp 1.560.728/MG (relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino):

1. Equiparação do condomínio à coletividade de consumidores (Art. 2º, § único, do CDC):

O art. 2º, parágrafo único, do CDC amplia o conceito de consumidor para incluir a coletividade de pessoas, mesmo que indeterminadas, que tenham intervindo em relações de consumo. Esse dispositivo justifica que o condomínio, enquanto representante dos interesses dos condôminos, seja equiparado a consumidor, já que age coletivamente na defesa dos adquirentes de unidades imobiliárias contra a construtora/incorporadora. O condomínio representa os interesses comuns dos proprietários, que são consumidores individuais.

2. Relação de consumo indireta entre o condomínio e a construtora/incorporadora:

Embora o tribunal de origem tenha decidido que não há relação de consumo entre o condomínio e a construtora/incorporadora, o STJ entendeu que o condomínio representa uma coletividade de consumidores, mesmo que não tenha firmado contrato diretamente com a empresa. Os condôminos são os adquirentes diretos das unidades e, portanto, há uma intervenção do condomínio na relação de consumo para proteger esses interesses.

3. Precedentes jurisprudenciais que reconhecem o condomínio como consumidor:

O relator do caso trouxe precedentes do STJ que reconhecem a aplicação do CDC ao condomínio. Um exemplo citado foi um julgamento sobre a cobrança indevida de taxa de esgoto, em que o condomínio foi considerado destinatário final do serviço e, portanto, protegido pelo CDC (REsp 650.791/RJ, relator ministro Castro Meira, 2° turma, julgado em 6/4/06, DJ 20/4/06, p. 139). A jurisprudência do STJ afirma que o condomínio pode ser considerado consumidor quando age como destinatário final de produtos ou serviços fornecidos por empresas, mesmo que indiretamente.

4. Legitimidade processual do condomínio para defesa de direitos individuais homogêneos:

O condomínio possui capacidade processual para defender os interesses coletivos e individuais homogêneos dos condôminos. Permitir que o condomínio seja considerado consumidor assegura a tutela coletiva dos direitos dos condôminos, evitando a necessidade de múltiplas ações individuais. Isso favorece a economia processual e a efetividade da proteção dos direitos dos consumidores.

5. Aplicação do CDC favorece a inversão do ônus da prova:

Considerar o condomínio como consumidor permite a aplicação do art. 6º, VIII, do CDC, que trata da inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Neste caso, o condomínio alegou que não teria acesso à documentação contábil e financeira necessária para comprovar o uso integral do produto do financiamento na obra. A construtora/incorporadora, por outro lado, teria pleno acesso a essa documentação. Assim, a inversão do ônus da prova, com base no CDC, seria um instrumento de justiça ao colocar a responsabilidade pela prova nas mãos de quem está em melhor posição para produzi-la.

Exemplos práticos de aplicação do CDC em relações imobiliárias

Atrasos na entrega de imóveis

Um exemplo clássico de litígios entre adquirentes e construtoras são os atrasos na entrega das unidades imobiliárias. Nesse tipo de situação, os consumidores costumam sofrer danos significativos, que podem incluir prejuízos financeiros devido à necessidade de aluguel temporário ou a perda de oportunidades de investimento.

Com a equiparação do condomínio ao consumidor, esse grupo pode atuar de forma unificada na busca por indenizações ou por reparações pelos danos causados. O CDC garante, por exemplo, que as construtoras sejam responsabilizadas por qualquer atraso injustificado, impondo multas contratuais e ressarcimentos pelos danos financeiros decorrentes do descumprimento do prazo de entrega.

Vícios construtivos

Outro cenário comum envolve problemas de ordem estrutural nas edificações, conhecidos como vícios construtivos. Problemas como infiltrações, fissuras e falhas no sistema elétrico ou hidráulico podem surgir após a entrega do imóvel. Nesses casos, o condomínio de adquirentes, com base no CDC, pode exigir reparações da construtora, que tem a obrigação legal de corrigir os vícios apresentados, mesmo após a conclusão da obra, de acordo com as garantias estabelecidas no contrato de compra e venda.

Publicidade enganosa

A publicidade imobiliária muitas vezes promete empreendimentos com uma série de facilidades e benefícios que, na prática, não são entregues. Caracteriza-se, assim, a publicidade enganosa, outra situação que pode ser combatida com o apoio do CDC. O condomínio, agindo coletivamente, pode exigir que a construtora cumpra exatamente o que foi prometido em anúncios, sob pena de penalidades que incluem indenizações por danos materiais e morais.

Impactos da aplicação do CDC para construtoras e incorporadoras

Aumento na responsabilidade das construtoras

Com a aplicação do CDC em favor dos condomínios de adquirentes, as construtoras passam a enfrentar um maior nível de fiscalização e responsabilização em seus empreendimentos. Isso pode forçar as empresas do setor a adotarem práticas mais transparentes e a cumprirem rigorosamente seus compromissos contratuais, sob pena de serem acionadas judicialmente por uma coletividade organizada e amparada pela legislação de defesa do consumidor.

Incentivo à melhoria na qualidade dos empreendimentos

Ao garantir uma via eficaz de reparação para os adquirentes, a aplicação do CDC pode incentivar construtoras a elevarem os padrões de qualidade e a buscarem maior rigor na execução de suas obras. Empresas que atuam de maneira ética e transparente podem, inclusive, se destacar em um mercado cada vez mais competitivo, conquistando a confiança dos consumidores por meio de uma relação de respeito e cumprimento de obrigações.

Redução de litígios individuais

A possibilidade de condomínios agirem de forma coletiva pode, por outro lado, contribuir para uma redução no número de litígios individuais. Ao centralizar as demandas em ações coletivas, evita-se a pulverização de processos, o que beneficia tanto o sistema judiciário, ao reduzir o número de processos, quanto os próprios consumidores, que veem suas demandas tratadas de maneira mais rápida e eficaz.

Conclusão

A decisão do STJ de equiparar o condomínio de adquirentes ao consumidor, nos termos do CDC, traz importantes implicações para o setor imobiliário. Ao permitir que os condomínios atuem coletivamente em defesa dos direitos de seus membros, a jurisprudência fortalece a posição dos adquirentes frente às construtoras, ampliando suas possibilidades de reparação de danos e incentivando maior transparência e responsabilidade por parte das empresas.

Para consumidores, essa decisão representa um avanço significativo na proteção de seus direitos, enquanto para as construtoras, sinaliza a necessidade de aprimorar práticas de gestão e execução de projetos. Com isso, as relações no mercado imobiliário tendem a se tornar mais equilibradas e justas, beneficiando todos os envolvidos.

Osmar Alves da Silva
Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especializado em Direito Civil, Família, Trabalho e Previdenciário. Pós-graduando em Direito Público e Direitos Humanos. DPO certificado pela EXIN.

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