Introdução
Nos últimos anos, a formalização das relações de trabalho no ambiente doméstico tem sido um tema de grande relevância no Brasil. Com a promulgação da LC 150, em 2015, foram introduzidas novas regras que regulamentam o trabalho doméstico, trazendo direitos e deveres tanto para empregadores quanto para empregados. Entre as principais mudanças, está a obrigatoriedade do controle da jornada de trabalho dos empregados domésticos, um aspecto que, se não for corretamente observado, pode resultar em penalidades para o empregador.
Recentemente, o TST reafirmou a importância dessa legislação ao julgar um caso em que o empregador doméstico não apresentou os controles de frequência de sua funcionária, aplicando, por analogia, a súmula 338, I, do TST, que se refere ao ônus da prova da jornada de trabalho. Neste artigo, exploraremos as implicações práticas dessa decisão, analisaremos os principais pontos da LC 150, de 2015 e discutiremos como os empregadores devem se preparar para evitar problemas jurídicos relacionados ao controle da jornada de seus empregados domésticos.
1. O contexto da LC 150, de 2015 e a formalização do trabalho doméstico
A promulgação da LC 150, em 1/6/15, representou um marco para o trabalho doméstico no Brasil, regulamentando aspectos essenciais para garantir a formalização e a proteção dos direitos dos trabalhadores domésticos. Antes da entrada em vigor dessa lei, muitos desses empregados eram mantidos na informalidade, sem registro em carteira e sem garantias de direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS, entre outros.
Com a nova legislação, os empregadores passaram a ter a responsabilidade de formalizar o contrato de trabalho, incluindo o registro de horários de entrada e saída. A partir de então, a falta de controle adequado da jornada de trabalho pode gerar consequências jurídicas sérias, como a presunção de que as alegações feitas pelo empregado em uma ação trabalhista sejam verdadeiras.
2. A importância do controle de jornada no trabalho doméstico
A obrigatoriedade do controle de jornada para o empregado doméstico é um dos pontos mais importantes da LC 150, de 2015. Diferentemente do que ocorre em outros setores, onde o controle da jornada é exigido apenas para empresas com mais de 10 empregados, no caso do trabalho doméstico, o controle de ponto deve ser feito independentemente do número de trabalhadores na residência. Essa medida visa garantir que o empregador possa comprovar os horários efetivamente cumpridos pelo empregado, evitando assim discussões judiciais sobre horas extras ou jornada excessiva.
O controle pode ser feito de maneira manual, eletrônica ou por meio de aplicativos, desde que seja mantido de forma organizada e transparente. Caso o empregador não apresente esses controles em uma eventual ação judicial, a Justiça do Trabalho poderá presumir que a jornada alegada pelo empregado na ação é verdadeira, conforme entendimento consolidado na súmula 338, I, do TST.
3. A aplicação da súmula 338, I, do TST ao trabalho doméstico
A súmula 338 do TST dispõe que, na ausência de registros de ponto por parte do empregador, presume-se verdadeira a jornada de trabalho alegada pelo empregado, cabendo ao empregador o ônus de provar o contrário. Essa súmula tem sido amplamente aplicada em processos trabalhistas de diversos setores, e, recentemente, o TST confirmou que esse entendimento também se aplica, por analogia, às relações de trabalho doméstico.
No julgamento do caso TST-Ag-E-ED-RR-737-04.2020.5.20.00071, ocorrido em agosto de 2024, o Tribunal enfrentou uma situação em que o empregador doméstico não apresentou os controles de frequência da empregada. Diante dessa omissão, a SBDI-I - Seção de Dissídios Individuais I do TST decidiu, por unanimidade, que o ônus da prova quanto à jornada de trabalho recai sobre o empregador, presumindo-se verdadeiros os horários apontados pelo empregado na petição inicial.
Essa decisão é um alerta para todos os empregadores domésticos: a ausência de registros de ponto pode trazer prejuízos significativos, inclusive o pagamento de horas extras não comprovadas. Por isso, é fundamental que o empregador mantenha um controle rigoroso da jornada de seus empregados.
4. Consequências jurídicas da falta de controle de jornada
Quando o empregador doméstico não cumpre com a obrigação de controlar a jornada de trabalho, ele se expõe a uma série de riscos jurídicos. Em ações trabalhistas, é comum que empregados aleguem jornadas excessivas e o não pagamento de horas extras. Nesses casos, se o empregador não tiver como comprovar a efetiva jornada cumprida pelo trabalhador, poderá ser condenado a pagar as horas extras alegadas, mesmo que não correspondam à realidade.
Além disso, a ausência de controle de jornada pode resultar em autuações administrativas, uma vez que o Ministério do Trabalho e Emprego pode realizar fiscalizações para verificar o cumprimento das obrigações trabalhistas no âmbito doméstico. Caso seja constatada a falta de registros, o empregador pode ser multado e ter que regularizar a situação, o que pode gerar mais custos e transtornos.
Portanto, o controle de ponto não é apenas uma formalidade, mas sim uma ferramenta essencial para proteger tanto o empregador quanto o empregado, assegurando o cumprimento das obrigações trabalhistas e evitando litígios futuros.
5. Soluções práticas para a gestão da jornada no trabalho doméstico
Diante da obrigatoriedade de controle de jornada, muitos empregadores podem se perguntar como implementar esse controle de forma eficiente e sem complicações. Felizmente, o mercado oferece diversas soluções práticas e acessíveis para auxiliar os empregadores nessa tarefa.
Uma das alternativas mais simples é o registro manual em um livro de ponto, onde o empregado anota diariamente seus horários de entrada, saída e intervalos. Esse método é econômico e fácil de implementar, mas exige disciplina de ambas as partes para garantir a precisão dos dados.
Outra opção cada vez mais utilizada são os aplicativos de controle de ponto, que permitem que o empregado registre sua jornada por meio de um smartphone. Esses aplicativos são práticos, pois automatizam o processo, geram relatórios detalhados e ainda permitem o acompanhamento remoto por parte do empregador. Além disso, muitos desses aplicativos são gratuitos ou têm baixo custo, sendo uma excelente alternativa para o controle de jornada no trabalho doméstico.
Por fim, algumas empresas especializadas oferecem sistemas eletrônicos de controle de ponto, como relógios de ponto biométricos, que são mais sofisticados e garantem um nível maior de segurança. No entanto, essa opção pode ter um custo mais elevado e, por isso, é mais recomendada para empregadores que possuem mais de um empregado doméstico ou que desejam uma solução tecnológica de alta precisão.
6. O papel do empregador no cumprimento das obrigações legais
Para além do controle de jornada, o empregador doméstico tem a responsabilidade de cumprir com todas as obrigações trabalhistas impostas pela LC 150, de 2015. Isso inclui o pagamento de salários em dia, a concessão de férias, o recolhimento do FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e a realização dos depósitos referentes ao INSS.
Ao formalizar a relação de trabalho e adotar boas práticas na gestão de seus empregados domésticos, o empregador não só evita problemas jurídicos como também promove um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. A valorização dos empregados domésticos e o cumprimento das leis trabalhistas são fundamentais para garantir uma relação de trabalho equilibrada e respeitosa.
Conclusão
A LC 150/15 trouxe avanços significativos para o trabalho doméstico no Brasil, especialmente no que diz respeito à formalização e ao controle de jornada. O recente julgamento do TST, que aplicou a súmula 338 por analogia ao trabalho doméstico, reforça a importância de os empregadores manterem um controle rigoroso da jornada de seus empregados, sob pena de arcar com consequências jurídicas.
Por isso, é essencial que os empregadores adotem medidas práticas e eficientes para registrar a jornada de trabalho, seja por meio de controles manuais, aplicativos ou sistemas eletrônicos. Além disso, o cumprimento das demais obrigações trabalhistas deve ser uma prioridade, para que a relação entre empregador e empregado seja pautada pelo respeito e pela legalidade.
Para os empregadores que ainda não implementaram o controle de jornada ou têm dúvidas sobre como proceder, este é o momento de agir. Adotar boas práticas na gestão dos empregados domésticos é uma forma de garantir tranquilidade e segurança jurídica, além de promover um ambiente de trabalho mais justo e harmonioso.
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1 Empregado doméstico. Contrato firmado após a Lei Complementar nº 150/2015. Comprovação da jornada de trabalho. Ônus do empregador. Não apresentação dos controles de frequência. Súmula nº 338, I, do TST. Aplicação por analogia. Após a entrada em vigor da Lei Complementar nº 150/2015, o registro dos horários de trabalho do empregado doméstico, independentemente do número de trabalhadores, constitui dever do empregador, cabendo a este o ônus de comprovar a jornada. Desse modo, ante a não apresentação dos controles de frequência, presumem-se verdadeiros os horários apontados na petição inicial, aplicando-se, por analogia, as disposições insertas no item I da Súmula nº 338 do TST. Com esses fundamentos, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento, vencido o Ministro Alexandre Luiz Ramos.