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Apagão em São Paulo: Quem acende a luz?

As falhas na distribuição de energia em São Paulo, debatendo a responsabilidade da ANEEL e a necessidade de sanções à concessionária Enel, destacando a importância de um serviço eficiente e adaptado às mudanças climáticas.

21/10/2024

Após milhões ficarem sem energia durante o temporal que causou 7 mortes em São Paulo, e centenas de milhares ainda estarem sem luz dias depois, o contrato de concessão de distribuição de energia na capital entrou em debate. A questão é quem tem competência para encerrar a contratação após recorrentes falhas no serviço. Contudo, a solução não se resume a uma “canetada”, sendo necessário considerar o contexto mais amplo do sistema punitivo brasileiro.

A concessão dos serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no Brasil é de responsabilidade da União. Com as concessões dos anos 1990, a regulação e fiscalização desses serviços foram delegadas à ANEEL, vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

A caducidade, uma penalidade pela má prestação de serviços da concessionária, depende da atuação da agência reguladora, que possui competência técnica para avaliar o cumprimento das normas e do contrato. No entanto, a decisão final cabe à União, que levará em conta o processo conduzido pela ANEEL e seus relatórios.

Como em qualquer processo sancionatório, a aplicação da caducidade deve respeitar as garantias do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Embora ao público essas garantias pareçam meras formalidades, são essenciais para uma decisão justa, onde a dialética conduz a soluções racionais, afastando decisões movidas por paixões.

São Paulo não deve repetir o que ocorreu no Rio de Janeiro em 2019, quando o então prefeito Marcelo Crivella destruiu as praças de pedágio da linha amarela, gerando encargos aos cofres públicos devido aos danos causados à concessionária.

No caso paulista, a situação é desordenada. Segundo o TCM-SP - Tribunal de Contas do Município, a concessionária Enel foi multada em mais de R$ 355 milhões entre 2018 e 2024 e não cumpriu o plano de investimentos de R$ 1,52 bilhão entre 2018 e 2022, valor que poderia ter sido usado para o aterramento da fiação, evitando quedas de energia causadas por árvores em temporais.

Esse cenário é agravado por falhas frequentes no fornecimento de energia. Em novembro de 2023, 3,7 milhões de pessoas ficaram sem luz após fortes chuvas, com algumas regiões levando seis dias para o restabelecimento. Em março de 2024, o centro de São Paulo, incluindo a Santa Casa, também foi afetado por um apagão.

Apesar das declarações da concessionária de que todos os esforços estão sendo feitos, os dados do TCM-SP revelam outra realidade. A redução de 51,5% no quadro de funcionários e o corte de 48,7% nos custos operacionais entre 2018 e 2024 indicam que a concessionária priorizou a lucratividade, sacrificando sua estrutura e mão de obra. A manutenção preventiva das redes foi comprometida, resultando em respostas lentas e ineficazes, com um aumento de 72,2% no tempo de atendimento.

A tempestade de 11 de outubro, como as chuvas de novembro de 2023, não foi um evento isolado. Os sinais de que a natureza reage cada vez mais violentamente ao descaso ambiental são claros. Nesse contexto, a atualidade, princípio fundamental nas concessões públicas, exige que as concessionárias se adaptem, utilizando novas técnicas, equipamentos e instalações para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e garantir a prestação adequada dos serviços.

A falta de energia na maior metrópole da América Latina, em pleno período eleitoral, reflete a fragilidade de nossas infraestruturas e projeta um futuro incerto. Contudo, em vez de um sinal de colapso, é um alerta para que governos, empresas e sociedade busquem soluções que garantam serviços essenciais e construam um futuro mais resiliente e eficiente. O sol – e a luz – há de brilhar mais uma vez.

Pedro Henrique Mazzaro Lopes
Advogado, pós-graduado em Direito Administrativo pela FGV-SP

Vitor Marques
Advogado, mestre e doutorando em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Sócio do escritorio Caires, Marques e Mazzaro Advogados.

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