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A resolução 18, de 2024 da ANPD e o princípio da legalidade

Os desafios e exigências da resolução 18 da ANPD sobre o encarregado de dados na Administração, destacando a importância de cumprir a lei para proteger a privacidade dos cidadãos.

16/10/2024

A resolução 18, de 2024 da autoridade nacional de proteção de dados e os desafios da proteção de dados na administração pública: Limites legais e transparência

O tratamento de dados pessoais na Administração Pública brasileira tem sido um tema de crescente relevância, especialmente com o avanço da digitalização dos serviços e o aumento da coleta de informações pessoais em diversas esferas do governo. A resolução 18, de 16 de julho de 2024, emitida pela ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados, traz novas diretrizes sobre o papel do encarregado pelo tratamento de dados nas entidades públicas, buscando fortalecer a proteção da privacidade dos cidadãos. No entanto, ao considerar os princípios constitucionais que regem a criação de cargos e a estruturação da Administração Pública, é fundamental compreender como essas diretrizes devem ser implementadas dentro dos limites legais.

Neste artigo, vamos explorar os principais pontos dessa resolução, os desafios associados à sua implementação e como a estrutura administrativa da Administração Pública deve ser adequada por meio de lei, conforme exigido pela CF/88.

A proteção de dados e o princípio da legalidade

A Administração Pública no Brasil está submetida ao princípio da legalidade, consagrado no art. 37 da CF/88, que determina que o poder público só pode atuar de acordo com a lei (legalidade estrita). Isso inclui a criação de cargos e a definição de suas atribuições, que devem ser estabelecidas por meio de lei específica. Qualquer criação ou reestruturação de funções dentro da Administração Pública, como o papel de um encarregado pelo tratamento de dados, só pode ocorrer com base em uma norma legal prévia.

Dessa forma, enquanto a resolução 18 da ANPD estabelece diretrizes para a nomeação de encarregados no tratamento de dados pessoais, é crucial que as entidades públicas respeitem os limites legais na criação ou designação dessas funções. Ou seja, a mera resolução não pode criar cargos ou definir estruturas administrativas por si só; é necessária uma lei formal que estabeleça essas funções e suas respectivas atribuições dentro da organização pública.

O papel do encarregado pelo tratamento de dados: Limites e exigências

A resolução 18 determina que as pessoas jurídicas de direito público devem designar umencarregado pelo tratamento de dados pessoais quando realizarem operações que envolvam esses dados. Esse encarregado deve ser, preferencialmente, um servidor ou empregado público com reputação ilibada. No entanto, vale ressaltar que a indicação de um servidor para exercer tal função não pode ultrapassar as atribuições previstas em lei para o seu cargo.

Por exemplo, se um servidor público for designado como encarregado pelo tratamento de dados, suas atribuições deverão estar de acordo com a descrição de seu cargo público conforme determinado por lei. Caso contrário, estaríamos diante de uma violação do princípio da legalidade, que exige que cada função desempenhada por um servidor tenha respaldo em uma lei formal.

Além disso, a designação de um encarregado não pode ser considerada uma criação de novo cargo, mas sim uma atribuição adicional a ser incorporada às funções existentes, dentro dos limites legais. Isso significa que, para que haja uma adequação completa, deve-se atentar para a legislação que define os cargos e as atribuições dos servidores, de modo a garantir que o exercício dessa nova função seja compatível com a estrutura já estabelecida.

Publicidade e transparência: O papel da publicação oficial

Outro ponto relevante da resolução é a exigência de que a nomeação do encarregado seja publicada no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do município, conforme a esfera de atuação do agente de tratamento. Essa exigência visa garantir a publicidade dos atos administrativos, um dos princípios constitucionais fundamentais que orientam a Administração Pública.

A publicidade dos atos de designação do encarregado é essencial para promover a transparência nas operações de tratamento de dados e garantir que a sociedade tenha conhecimento sobre quem são os responsáveis por proteger suas informações. No entanto, esse ato de designação também deve respeitar o princípio da legalidade, assegurando que o servidor designado tenha respaldo legal para desempenhar tais funções.

A estrutura administrativa e a lei: Modelagem e atribuições

Conforme o art. 39 da CF/88, a criação de cargos, empregos e funções na Administração Pública, bem como o estabelecimento de planos de carreira e a estrutura administrativa, deve ocorrer por meio de lei. Isso significa que qualquer mudança estrutural, como a criação de novos cargos para encarregados pelo tratamento de dados, ou mesmo a definição de novas atribuições, deve ser feita por meio de legislação própria.

Assim, a implementação da resolução 18 da ANPD na Administração Pública exige uma análise criteriosa sobre como designar encarregados de maneira que respeite a estrutura legal e as atribuições dos cargos já existentes. Se a função de encarregado for atribuída a um servidor, é preciso que essa atribuição seja compatível com as responsabilidades descritas para o seu cargo público.

Exemplos práticos: Designação e compatibilidade legal

Imaginemos o cenário de uma secretaria estadual que lida com um grande volume de dados pessoais sensíveis (art. 5º, II da LGPD), como uma Secretaria de Saúde. Se o gestor dessa secretaria precisar designar um encarregado pelo tratamento de dados, ele deve escolher um servidor cujas atribuições previstas em lei sejam compatíveis com essa função. Caso contrário, a designação pode ser questionada, já que não pode haver a criação de um "novo cargo" sem o devido processo legislativo.

Além disso, para evitar que a designação de encarregados sobrecarregue servidores já em exercício, a Administração Pública pode propor, via projeto de lei, a criação de novos cargos específicos para essa função, respeitando os trâmites legislativos e garantindo que a estrutura administrativa esteja devidamente organizada para lidar com os desafios da proteção de dados.

A descentralização e a responsabilidade do encarregado

A resolução 18 permite que entes despersonalizados da Administração Pública, que possuem obrigações típicas de controladores de dados, possam indicar encarregados próprios, considerando o volume de dados tratados e a necessidade de desconcentração administrativa. Essa descentralização pode ser benéfica para organizações com grandes volumes de dados, mas deve ser realizada com cautela e sempre dentro dos limites legais.

Além disso, a resolução estabelece que, na ausência de uma ressalva expressa, o encarregado nomeado será responsável por toda a estrutura organizacional subordinada ao órgão. Esse é um ponto crucial que deve ser considerado pelas administrações públicas, pois a responsabilidade atribuída ao encarregado não pode ultrapassar as competências legalmente previstas para o cargo ocupado pelo servidor.

Desafios da delegação de atribuições

Se uma grande autarquia federal, por exemplo, decidir delegar a função de encarregado para diferentes departamentos, deve-se garantir que cada designação seja feita conforme a legislação que rege os cargos de cada setor. A nomeação de servidores como encarregados de dados não pode implicar em mudanças substantivas nas suas atribuições sem o respaldo legal, pois isso violaria o princípio da legalidade.

Portanto, a delegação de atribuições deve ser acompanhada de uma análise legal detalhada sobre as funções de cada servidor e a compatibilidade dessas atribuições com o papel de encarregado de dados.

Capacitação e modernização da gestão pública

Outro desafio importante é a capacitação dos servidores públicos que serão designados como encarregados. Mesmo que a designação seja feita em conformidade com a legislação, o sucesso dessa política dependerá da qualificação dos encarregados para lidar com os complexos desafios da proteção de dados. A ANPD e os órgãos de controle devem investir em programas de capacitação contínua, garantindo que os servidores estejam preparados para cumprir com as exigências da LGPD.

Por outro lado, a necessidade de adequar a estrutura administrativa ao novo cenário de proteção de dados oferece uma oportunidade para a modernização da gestão pública. A proteção de dados pode servir como um incentivo para a adoção de novas tecnologias e práticas de governança que promovam mais segurança e eficiência nos serviços públicos.

Conclusão: Respeito aos limites legais e modernização da gestão pública

A resolução 18 da ANPD representa um importante passo para a proteção de dados pessoais na Administração Pública, mas sua implementação precisa estar alinhada ao princípio da legalidade, que exige que cargos e atribuições sejam estabelecidos por meio de lei. A designação de encarregados pelo tratamento de dados é uma medida necessária para assegurar a transparência e a responsabilidade na gestão de dados, mas essa designação só pode ser feita dentro dos limites legais estabelecidos pelas leis que regem a estrutura administrativa pública.

Para que a implementação da resolução seja bem-sucedida, a Administração Pública precisará investir na capacitação de seus servidores, revisar suas estruturas organizacionais e, quando necessário, propor a criação de novos cargos por meio de lei, garantindo que a gestão de dados esteja em conformidade com a legislação e os princípios constitucionais.

Osmar Alves da Silva
Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especializado em Direito Civil, Família, Trabalho e Previdenciário. Pós-graduando em Direito Público e Direitos Humanos. DPO certificado pela EXIN.

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