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Execução - Devedores - Suspensão de carteira de habilitação e habeas corpus

A suspensão da CNH de devedores, validada pelo TST, não fere o direito de locomoção, tornando o habeas corpus inaplicável a essa situação.

16/10/2024

O pedido de suspensão da CNH dos devedores vem sendo formulado com certa frequência por parte dos credores, com o objetivo de recebimento dos seus créditos.

No dia 03/10/24, foi publicada notícia no site do TST, referente ao julgamento proferido nos autos do processo ROT-1032624- 06.2023.5.02.0000, cujo acórdão foi publicado no dia 11/09/24. A matéria recebeu o seguinte título: “Empresários não conseguem reverter suspensão de carteira de habilitação por habeas corpus”.

No mencionado processo a SDI-2 - Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, do TST, em decisão unânime, não admitiu recurso em habeas corpus impetrado por empresários que tiveram as suas CNHs suspensas.

Os fatos que originaram o julgamento, em síntese, foram assim descritos: Os empresários, donos de postos de gasolina e conveniência, foram condenados a pagar diversas parcelas a um ex-empregado. Como os valores não foram pagos, na fase de execução, o juízo da 51ª Vara do Trabalho de São Paulo ordenou a suspensão das carteiras de motorista (CNH) e dos passaportes dos três. No habeas corpus, eles alegaram que a CNH é indispensável e que sua suspensão os impediria de trabalhar - um deles é motorista de excursões de veículos 4x4 para esportistas, o outro é corretor autônomo de imóveis, e o terceiro é advogado. O TRT deferiu a liminar em relação ao bloqueio dos passaportes, mas manteve a suspensão das CNH, porque a medida não cerceia o direito de locomoção, porque “a direção de veículo não é um único meio para tal fim”. Eles então recorreram ao TST, alegando que o habeas corpus serve, também, para sanar violência contra outros direitos constitucionalmente garantidos.”

Vale lembrar que o habeas corpus é uma ação constitucional prevista no art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88, que estabelece:

Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

E o art. 647, do CPP, determina:

Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.

A finalidade do instituto, portanto, é a “proteção da liberdade de locomoção sofrida por pessoa física, ou que se ache na iminência de sofrer coação ilegal na liberdade de ir e vir em decorrência de abuso de poder ou ilegalidade praticada.”

Por ocasião mencionado julgamento, diante de recurso interposto em habeas corpus, o colegiado entendeu que “esse tipo de processo é inadequado, porque a decisão questionada só os impede de dirigir, mas não de se locomover”, cuja ementa foi a seguinte:

AGRAVO. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MEDIDAS ATÍPICAS DE EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO – CNH. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. 1. Esta Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, no julgamento do processo nº TST-HCCiv-1000678- 46.2018.5.00.0000, firmou o entendimento de que o habeas corpus tem cabimento restrito à defesa da liberdade de locomoção primária, assim entendida como a proteção do direito de ir, vir e permanecer consubstanciado na liberdade física como condição necessária para o seu exercício. 2. Na presente hipótese, os impetrantes pretendem a cassação da decisão que determinou a suspensão de suas CNH para assegurar o cumprimento da ordem judicial, o que denota a inadequação da via eleita, porquanto tal determinação tão somente restringe a condução de veículos pelos próprios impetrantes e não a sua liberdade de locomoção em si. Agravo a que se nega provimento.

E na mesma direção o TST, por intermédio da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, já se manifestou:

HABEAS CORPUS. ATLETA PROFISSIONAL. LIBERAÇÃO PARA EXERCÍCIO EM OUTRA AGREMIAÇÃO ESPORTIVA. AUSÊNCIA DE RESTRIÇÃO DO DIREITO PRIMÁRIO DE LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO (DIREITO DE IR, VIR E PERMANECER). SUPERAÇÃO DA DOUTRINA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS.NÃO CABIMENTO. A Justiça do Trabalho tem competência constitucional para apreciação de habeas corpus, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição. Contudo, tal competência deve observar os limites de cabimento da referida ação constitucional garantidora de liberdades fundamentais, em respeito à instrumentalidade das ações constitucionais. A jurisprudência do STF e do STJ é firme no sentido de que o habeas corpus tem cabimento restrito à defesa da liberdade de locomoção primária, assim entendida como o direito de ir, vir e permanecer. Admissível, portanto, como meio de proteção de direitos que tenham na liberdade física condição necessária para o seu exercício. Precedentes do STF e do STJ. Contraria o entendimento majoritário dessas Cortes, portanto, a admissão de habeas corpus para discutir cláusula contratual de atleta profissional, com pedido de transferência imediata para outra agremiação desportiva e de rescisão indireta do contrato de trabalho, por não afetar restrição ou privação da liberdade de locomoção. Se a discussão afeta somente secundariamente a liberdade de locomoção, decorrente de liberdade de exercício de profissão ou trabalho, não cabe habeas corpus, caso em que o direito deve ser tutelado por outro meio admitido em Direito. Eventuais restrições do exercício de atividade por atleta profissional não autorizam a impetração de habeas corpus, porquanto não põem em risco a liberdade primária de ir, vir ou permanecer. Ademais, na hipótese dos autos, o habeas corpus foi utilizado como substitutivo de decisão a ser proferida na reclamatória trabalhista, âmbito apropriado para a análise probatória da alegação de descumprimento do contrato, uma vez que o paciente apresentou reclamatória trabalhista, cujo pedido de tutela de urgência de natureza antecipada foi indeferido e contra o qual impetrou mandado de segurança. O presente habeas corpus foi impetrado contra decisão em agravo regimental da seção especializada do Tribunal Regional, que cassou a liminar concedida no mandado de segurança. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, IV, do CPC/2015. (TST-HCCiv-1000678-46.2018.5.00.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/02/19, destaques acrescidos)

RECURSO ORDINÁRIO. HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO- CNH. AUSÊNCIA DE AMEAÇA À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. JURISPRUDÊNCIA DO TST E DO STJ. DESCABIMENTO DO WRIT. 1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra ato judicial que, na fase de execução, determinou a suspensão da carteira de habilitação da paciente. 2. O habeas corpus, remédio constitucional previsto no art. 5º, LXVIII, da Carta Magna, destina-se a garantir o direito de quem "sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder ". A doutrina e os tribunais vêm ampliando a interpretação acerca da "liberdade de locomoção" tutelada pelo writ, não limitando seu escopo às circunstâncias de estrita privação de liberdade corporal, mas autorizando seu manejo para hipóteses de imposição de medidas que efetivamente limitam o livre ir e vir do paciente - desde que eivadas de ilegalidade. Nessa esteira, o STJ e este TST passaram a admitir o habeas corpus contra atos que impõem - injustamente e abusivamente - a retenção do passaporte, documento necessário para a locomoção internacional. 3. Contudo, a jurisprudência de ambos os Tribunais Superiores é firme no sentido de que, diversamente da retenção do passaporte, a suspensão da carteira nacional de habilitação de trânsito - CNH - não configura ameaça tutelável pela via do habeas corpus, pois não se trata de documento indispensável ao ir e vir, mas tão somente exigência para a condução própria de veículos automotores. Precedentes daSDI-2 do TST e do STJ. 4. Assim, embora certo que eventual abuso na retenção da CNH autoriza o manejo dos meios processuais adequados para sua impugnação e cessação, o remédio não perpassa a via especial do habeas corpus, que se revela incabível, tal como decidido na origem. Recurso ordinário a que se nega provimento. (TST-ROT-1002140-47.2019.5.02.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 01/04/22, destaques acrescidos)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DE CNH E DO PASSAPORTE DO RECORRENTE. MEDIDA EXECUTIVA ATÍPICA. INADEQUAÇÃO DO HABEAS CORPUS PARA LIBERAÇÃO DA CNH. NÃO CONFIGURAÇÃO DE RESTRIÇÃO DO DIREITO PRIMÁRIO DE LOCOMOÇÃO. CABIMENTO DO REMÉDIO HEROICO CONTRA ATO DE SUSPENSÃO DO PASSAPORTE. CARACTERIZAÇÃO DA ABUSIVIDADE DO ATO COATOR. 1. O habeas corpus, ação integrante da jurisdição constitucional das liberdades, tem por escopo tutelar a liberdade de locomoção física diante de ameaça de violência ou coação mediante ilegalidade ou abuso de poder, conforme expressamente previsto no art. 5.º, LXVIII, da CF/88, não se prestando a tutelar direitos que não encontram sua condição de exercício na liberdade física de locomoção, conforme entendimento pacificado pelo STF e por esta Corte Superior. 2. A partir dessa premissa, esta SBDI-2, no julgamento do RO 8790-04.2018.5.15.0000, ocorrido em 18/8/20, firmou o entendimento de ser incabível o habeas corpus para obstar a suspensão da CNH determinada como medida atípica em processo de execução, com fundamento no art. 139, IV, do CPC de 2015, uma vez que esse ato não afeta, de forma objetiva e concreta, a liberdade de locomoção primária do indivíduo. 3. Assim, considerando que o delineamento fático do caso em exame se amolda integralmente às balizas que sustentaram a ratio decidendi extraída do referido Precedente - a impetração de habeas corpus para obstar a suspensão da CNH determinada como medida atípica na execução - , e à luz da diretriz oferecida pelo art. 926 do CPC de 2015, exsurge manifesta a inadequação do meio escolhido, impondo-se, nesse tema específico, a extinção da ação, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI e § 3.º,do CPC de 2015. [...] (TST-RO-1247-26.2018.5.05.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 17/12/21, destaques acrescidos).

O que pode ser constatado é que o posicionamento do TST, acerca da matéria, vem sendo na direção de que é possível a suspensão da CNH dos devedores, como meio de forçar a satisfação da execução, considerando que tal ato não restringe a liberdade de locomoção, inexistindo violação ao direito e ir e vir. Logo, o habeas corpus não é medida adequada para afastar decisão que determinou a aludida suspensão.

Orlando José de Almeida
Sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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