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Assédio judicial eleitoral

O uso abusivo de ações judiciais eleitorais como estratégia para prejudicar adversários, defendendo cautela e punições adequadas para coibir essa prática.

1/10/2024

O assédio judicial eleitoral pode ser definido como o abuso no ajuizamento de ações judiciais, sem amparo em provas ou com base em fatos anódinos ou sem gravidade, com o propósito de prejudicar a campanha do adversário ou dificultar seu direito de defesa.

A questão do abuso judicial é particularmente sensível na Justiça Eleitoral porque os processos transcendem o tecnicismo jurídico e muitas vezes possuem reflexos políticos, que repercutem sobre o discurso das campanhas eleitorais ou a percepção do eleitorado sobre os candidatos, impactando sobre a definição do voto.

Por isso, a Justiça Eleitoral sempre deve estar atenta a essa circunstância peculiar da dinâmica eleitora, devendo agir com cautela para que sua atuação não se transforme em um fator decisivo para a escolha do eleitorado.

Pode ocorrer, por exemplo, de um candidato mover ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) ou uma representação especial não para investigar supostos ilícitos eleitorais, mas sim visando criar um “fato político” contra o seu adversário, para ser divulgado durante a campanha ou às vésperas da eleição, com a intenção de atrapalhar a campanha do concorrente e gerar algum tipo de comoção no eleitorado.

Eventualmente, pedidos de cassação podem alimentar a narrativa de que o candidato demandado será cassado, alimentando o discurso de que quem votar nele vai “perder o voto”, o que poderia estimular o voto estratégico do eleitorado.

TSE - Tribunal Superior Eleitoral enfrentou uma situação similar recentemente, ocasião em que o Ministro André Ramos Tavares alertou que a pendência dessas nobres ações propostas de modo temerário perante a Justiça Eleitoral pode servir a um desvirtuamento, abrindo a via da desinformação sobre os candidatos em sua vida política, o que se convencionou denominar como lawfare, prática desleal e perniciosa que não se harmoniza com a lisura e a moralidade que devem permear a arena eleitoral (Recurso Ordinário 0600001-77, julgado em 27.8.24).

Nesse caso, o TSE manteve condenações por litigância de má-fé, consignando que a parte autora deixou de envidar esforços mínimos para comprovar suas alegações, não compareceu em audiências ou levou testemunhas, bem como deixou de apresentar suas alegações finais, demonstrando o uso abusivo da ação e a intenção de tão somente tumultuar a Justiça Eleitoral na época das eleições.

Da mesma forma, no recurso ordinário 060226245, da relatoria do ministro Edson Fachin, julgado em 16.12.21, o TSE manteve condenação por litigância de má-fé de parte que ajuizou ação de investigação judicial eleitoral “com o objetivo de criar factóide político e divulgá– lo em blog e no Youtube em data próxima à eleição para prejudicar a campanha dos agravados caracteriza litigância de má–fé, por mover a estrutura do Poder Judiciário para fins escusos”.

A Justiça Eleitoral está atenta para coibir tais abusos e vem condenando os autores por litigância de má-fé. No entanto, não se pode deixar de refletir sobre a adequação da sanção aplicada, já que a litigância de má-fé implica em multa de até 10 salários-mínimos (art. 80 e 81 do CPC), valor que pode ser considerado diminuto pelos candidatos, portanto incapaz de dissuadir este tipo de prática se comparada com a vantagem competitiva que este tipo de conduta ilícita pode trazer de resultado no cenário político e eleitoral.

Outra situação comum, que merece reflexão, é o grande número de pedidos de cassação. Já houve casos de candidatos a prefeito terminarem a eleição com 10 pedidos de cassação contra si, todos, ao final, julgados improcedentes. Algumas vezes, são ajuizados vários processos sobre o mesmo fato, constando como autores candidatos majoritários adversários, candidatos proporcionais, partidos políticos e coligações. O mesmo fato gera três, quatro ou cinco ações eleitorais.

Embora os processos devam ser julgados em conjunto (§ 2º do art. 96–B da lei 9.504/97), essa regra não é absoluta, o que traz o risco de decisões conflitantes, em razão da constante mudança na composição da Justiça Eleitoral.

Quando os processos são ajuizados após a eleição, os custos não podem ser contabilizados como despesa da campanha, o que onera a pessoa física do candidato, que deverá dispor de seu patrimônio pessoal para custear a defesa, devido ao risco de perda de mandato ou declaração de inelegibilidade. Apesar de o mandato e a elegibilidade das lideranças políticas ser do interesse dos partidos, o TSE tem várias decisões proibindo que os partidos utilizem o fundo partidário para custear defesa em processo relativo à suposta prática de ilícito eleitoral.

Também ocorrem algumas situações de litigância abusiva no manejo das representações eleitorais por propaganda eleitoral irregular, não sendo raro o ajuizamento de diversas ações contra a mesma inserção de campanha. Ao invés de protocolar uma representação eleitoral apontando todas as supostas irregularidades da propaganda, há o protocolo de uma ação para cada falha (tamanho da janela de LIBRAS; legenda obrigatória “propaganda eleitoral gratuita”; indicação da coligação e dos partidos e federações que a integram).

Com essa postura, aumenta-se exponencialmente o número de processos em que o adversário terá que se defender e o número de decisões que ele eventualmente terá que cumprir simultaneamente, o que pode vir sobrecarregar a defesa, prejudicando a qualidade de suas manifestações em razão do volume de trabalho.

Importante, entretanto, ressaltar que a simples quantidade de processos não pode ser confundida com abuso judicial eleitoral. É natural que existam muitas representações eleitorais e pedidos de direito de resposta, sem que isto configure irregularidade. Deve-se proceder com um controle de situações concretas a fim de se apurar a presença ou não de litigância ilegítima.

A Justiça Eleitoral sempre se deparou com um enorme número de ações eleitorais em época de eleições, principalmente sobre propaganda eleitoral. Como o período de campanha é limitado, é natural que as candidaturas apontem violações legais da propaganda de seus opositores nos diversos tipos de mídia (televisão, rádio, internet, impressos, sonorização), visando a suspensão judicial das peças publicitárias. Agindo assim, diminuem a visibilidade e o alcance da mensagem eleitoral dos adversários.

Não se trata de censura ou cerceamento da liberdade de expressão dos candidatos, mas sim de pretensão legítima de que todas as campanhas se sujeitem à lei de maneira igualitária.

Para ilustrar, registro que são comuns as representações eleitorais pelo descumprimento da janela com intérprete da Língua Brasileira de Sinais (libras), exigida no horário eleitoral gratuito na televisão. Trata-se de obrigação inclusiva, com finalidade importantíssima, de fazer o debate democrático chegar a determinada parcela da população. Como a janela ocupa uma parte da tela de exibição (metade da altura e um quarto da largura), muitos candidatos não exibem a tradução de Libras ou a trazem em dimensões inferiores ao mínimo legal. Se a situação ocorrer em diversos programas e inserções, evidente que haverá litigiosidade sobre esta questão.

Como se vê, portanto, embora seja necessário que a Justiça Eleitoral esteja atenta ao assédio judicial, não pode se guiar apenas pela quantidade de processos. Trata-se de questão qualitativa, que deve ser apurada em cada caso concreto, a partir de circunstâncias objetivas que denotem a ocorrência de litigiosidade ilegítima.

Luciana Lóssio
Advogada e ex-ministra do TSE

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