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Ilegalidade na suspensão de empresas de apostas

O Ministério da Fazenda entendeu que a antecipação do prazo originalmente fixado para o último dia do ano de 2024 seria uma forma de lidar com as dificuldades e problemáticas inerentes ao setor de jogos e apostas.

26/9/2024

A regulamentação estatal das empresas de aposta de quota fixa, as denominadas bets, enfrenta mais um episódio controverso com a edição, pelo Ministério da Fazenda, da Portaria SPA/MF 1.475, de 16 de setembro de 2024.

Tendo por objetivo acelerar o processo de reger juridicamente as apostas eletrônicas, o Governo antecipou o prazo para que as empresas interessadas em explorar esse mercado solicitem autorização de funcionamento no Brasil.

Antes da edição da referida Portaria 1.475/24, o prazo de adequação das empresas encerrava-se em 31 de dezembro de 2024, conforme previsto originalmente no art. 24, da Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 20241.

Com o novo marco temporal, as pessoas jurídicas que não haviam apresentado o requerimento de autorização ao Ministério da Fazenda até a data da publicação da Portaria nº 1.475/24 ficam proibidas de explorarem a modalidade de apostas on-line no território nacional2.

Em síntese, ao disciplinar a Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, que instituiu a modalidade de aposta de quota fixa (bets)3, bem como parte da Lei 14.790, de 30 de dezembro de 2023, a Portaria 827/24 estabeleceu regras e condições para obtenção de autorização para exploração comercial das apostas eletrônicas.

Dentre os critérios para o recebimento desta outorga por parte do Poder Público, a Portaria fixou a necessidade de comprovação de (i) habilitação jurídica, (ii) regularidade fiscal e trabalhista, (iii) idoneidade, (iv) qualificação econômico-financeira e (v) qualificação técnica, tudo por meio do “Sistema de Gestão de Apostas do MF (Sigap)”.

O requerimento a ser apresentado perante o Ministério da Fazenda, ainda, deve ser acompanhando de vasta e complexa demonstração probatória, além de vultosas quantias pela outorga de autorização, reserva financeira e integralização do capital social.

Contudo, a edição recente da Portaria 1.475/2024 surpreendeu as empresas especializadas em bets, já que muitos interessados ainda se encontram em processo de preparação para atender as diversas exigências impostas pelo Ministério da Fazenda. Ou seja, as empresas que não efetuaram o requerimento de autorização serão consideradas ilegais e poderão sofrer penalidades rígidas por parte do Estado.

Além disto, as empresas que já fizeram seu requerimento de autorização também estão diligentes no cumprimento dos requisitos exigidos na Portaria 827/24, mas podem ser afetadas com a alteração promovida pela Portaria 1.475/2024. Isto porque, será preciso indicar, até 30 de setembro de 2024, quais marcas em atividade e quais os respectivos domínios de internet onde o serviço será prestado durante o prazo de adequação4.

Sob a justificativa de que as apostas eletrônicas estariam quase sob descontrole total, o Ministério da Fazenda entendeu que a antecipação do prazo originalmente fixado para o último dia do ano de 2024 seria uma forma de lidar com as dificuldades e problemáticas inerentes ao setor de jogos e apostas.

De outro lado, na regulamentação da atividade de apostas online cuja responsabilidade foi atribuída às empresas interessadas, destacam-se diversas medidas preventivas para o jogo responsável, integridade esportiva, transparência nas operações financeiras e obtenção de certificações técnicas e de segurança dos sistemas de apostas.

Inclusive, a previsibilidade traçada com a edição da Portaria 827/24 resta no mínimo abalada, já que a complexidade e os custos envolvidos no processo de autorização estatal demandaram esforços e recursos que, com a nova Portaria 1.475/2024, simplesmente se esvaíram em razão do abalo na segurança jurídica própria dos sistemas normativos jurídicos.

Portanto, é possível resguardar perante o Poder Judiciário os direitos das empresas que se encontrem nesta condição ou que tenham tido prejuízos com o abalo causado pela nova Portaria ou mesmo, ainda, aquelas que estejam se preparando para efetivar a solicitação do requerimento de autorização ao Ministério da Fazenda da forma como previsto anteriormente pela Portaria 827/24.

Inclusive, diante desta situação conturbada, é possível pleitear a continuidade das operações negociais até o prazo final previsto na Portaria inicial, inclusive em garantia ao exercício das atividades econômicas das empresas que se surpreenderam com a medida restritiva e extremamente questionável.

______

1 Portaria SPA/MF nº 827/24. “Art. 24. Para os fins do disposto no parágrafo único do art. 9º da Lei nº 14.790, de 2023, o prazo de adequação das pessoas jurídicas que estavam em atividade no Brasil quando da publicação da Lei nº 14.790, de 2023, às disposições legais e regulamentares vigentes sobre a loteria de apostas de quota fixa, inicia-se na data de publicação desta Portaria e encerra-se em 31 de dezembro de 2024”.

Ainda no art. 24, nos termos de seu parágrafo único, a suspensão ocorreria em 1º de janeiro de 2025: “Parágrafo único. A partir de 1º de janeiro de 2025, as pessoas jurídicas que estiverem em atividade no Brasil sem a devida autorização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa ficarão sujeitas às penalidades pertinentes”.

2 Portaria nº 1.475/24. “Art. 2º Para fins do disposto no art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, e aplicação do previsto no art. 24 da Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024, consideram-se em período de adequação, a partir de 1º de outubro de 2024, apenas pessoas jurídicas em atividade que tiverem apresentado o requerimento de autorização ao Ministério da Fazenda até a data de publicação desta Portaria. § 1º Fica vedada a partir de 1º de outubro de 2024 a exploração da modalidade lotérica de apostas de quota fixa em âmbito nacional por pessoa jurídica sem autorização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda e que não se enquadre nos termos do caput”.

3 Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço público, denominada aposta de quota fixa, cuja exploração comercial ocorrerá no território nacional. 

4 Art. 3º As pessoas jurídicas interessadas em explorar a modalidade lotérica de apostas de quota fixa que tiverem apresentado o requerimento de autorização ao Ministério da Fazenda no prazo previsto no art. 2º deverão indicar, até 30 de setembro de 2024, para a Secretaria de Prêmios e Apostas, suas marcas em atividade e os respectivos domínios de internet onde prestarão o serviço durante o período de adequação, na forma do anexo.

§ 1º Apenas as marcas e os respectivos domínios de internet que forem indicados para a Secretaria de Prêmios e Apostas nos termos do caput poderão explorar em âmbito nacional apostas de quota fixa durante o período de adequação.

Heitor Kulig Branco
Advogado do Gaia Silva Gaede Advogados.

Livia Fabor de Queiroz
Advogada no Gaia Silva Gaede Advogados. Senior manager na área de Governança Corporativa e Programas de Compliance do escritório de São Paulo. Reconhecida como uma dentre os 500 advogados mais admirados do Brasil, pela revista Análise Advocacia, em 2019, 2020, 2021 e 2022, também foi consultora convidada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para assuntos correlatos a Lei Geral de Proteção de Dados.

Carlos Henrique da Silva
Advogado sênior da área Tributária do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, de São Paulo. Com ampla experiência na área, especializou-se em Contencioso Tributário nas esferas judicial e Administrativo, com foco na elaboração de peças processuais, opiniões legais, defesas administrativas, consultas e pareceres.

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