A reclamação constitucional, originada na década de 1950 no STF, evoluiu com o CPC de 2015, assumindo novas funções no controle de precedentes judiciais. O STF tem aplicado a reclamação de maneira mais permissiva para assegurar o respeito à sua jurisprudência consolidada, enquanto o STJ tem adotado uma postura mais restritiva. A EC 125/22 reacendeu o debate sobre a relevância desse instrumento, que é fundamental para corrigir erros e garantir a aplicação adequada dos precedentes. A discussão sobre o uso da reclamação continua em desenvolvimento nos tribunais superiores.
A reclamação constitucional, que teve sua origem por volta da década de 50, a partir da jurisprudência do STF, como expressão dos poderes implícitos da corte, ganhou um espaço muito importante no CPC de 2015, para assumir novas funções como instrumento adequado para garantir o controle na aplicação dos precedentes judiciais e veio, com o passar do tempo, tendo diversas interpretações que levaram a ampliações e limitações quanto as suas hipóteses de cabimento.
A jurisprudência do STF, tem tido um entendimento mais permissivo acerca do cabimento da reclamação para realizar o controle dos seus precedentes, aplicando o parágrafo único do artigo 161 do seu regimento interno. Dessa forma, passou a admitir a reclamação quando a decisão impugnada se afasta de jurisprudência consolidada, salientando o preenchimento de dois requisitos: i) demonstração de teratologia da decisão reclamada e ii) prévio esgotamento das instância ordinárias1.
Por outro lado, o STJ, lamentavelmente, a partir do julgamento da reclamação 36.476/SP, entendeu que não caberia a reclamação pois o controle da aplicação das teses firmadas em repetitivos não deve ser realizado pelos Tribunais Superiores.
Criou-se, a partir dessa decisão, uma jurisprudência defensiva, por parte da Corte Superior, que tinha um forte receio de que houvesse uma enxurrada de reclamações no tribunal a ponto de inviabilizar os trabalhos dos ministros.
No entanto, com a EC 125/22, que dispõe da necessidade de demonstração da relevância da questão federal, como requisito de admissibilidade do recurso especial, a reclamação volta a ganhar força.
É evidente, e até justificável, que as Cortes Superiores tenham forte receio de os seus trabalhos se tornem impossíveis de serem realizados, aumentando a morosidade dos processos judiciais.
Todavia, a lei 13.256/16, aprovada juntamente com o CPC, buscou trazer um sistema de precedentes que evitasse essa sobrecarga de trabalho, sobretudo nos Tribunais Superiores. Para isso, além da modificação do juízo de admissibilidade do recurso especial e do recurso extraordinário, criou-se um requisito para que se possa manejar a reclamação quando o seu objetivo for de realizar um controle do precedente firmado em julgamento de repetitivo: o esgotamento das instância ordinária.
Em outras palavras, a lei supracitada apenas criou um requisito a mais para a sua apreciação, não excluindo a sua possibilidade2.
A necessidade de desenvolver a reclamação emerge do engessamento do nosso sistema recursal, que trouxe a hipótese do art. 1.030 e ss. como uma forma de "engessar” a admissibilidade dos recursos que afrontem entendimento firmado em precedentes obrigatórios do STF e STJ, não só tornando inviável a discussão acerca da superação de um precedente por meio de recursos excepcionais, como também, impedindo que as partes possam acessar os tribunais superiores para buscar, através de um dispendioso trabalho, uma virada jurisprudencial perante o seu caso em concreto .
Além disso, diversos outras formas de afunilamento, como a Súmula 83 do STJ, também evidenciam uma forma de jurisprudência defensiva dos Tribunais Superiores, tendo em vista que o verbete impede que o Recurso Especial seja apreciado quando a decisão recorrida está em sintonia com o entendimento do STJ.
É justamente neste ponto, que a EC 125/22, surge como uma barreira adicional que torna ainda mais crucial a discussão sobre a eficácia e a adequação da reclamação como instrumento de controle dos precedentes obrigatórios, visando assegurar às partes uma forma de tutelar um precedente firmado pelos próprios tribunais superiores para que assim seja possível analisar se aquele precedente vinculante é cabível no caso concreto, ou se seria necessário o tribunal fazer uma reanálise daquele precedente.
Assim, é necessária a existência de um instrumento direcionado ao controle de erros ou inobservância dos precedentes, seja para tratar da distinção (distinguishing), seja para enfrentar questões relacionadas ao redimensionamento da norma do precedente, a sua efetiva observância ou mesmo sua superação (overruling).
A professora Teresa Arruda Alvim, analisando a relevância do recurso especial, entende que seria, inclusive, coerente com o sistema de precedentes trazido pelo CPC de 20153.
Em razão disso, o STJ, na última quarta-feira (18/09), deu indícios de que poderia rever essa orientação.
A ministra Isabel Gallotti, a meu ver, de forma acertada, entendeu pela necessidade que a Corte Superior, de alguma maneira, tenha que exercer o controle sobre a aplicação dos repetitivos, quando a decisão impugnada for, de forma flagrante, contrária à ratio do precedente, indicando a reclamação como o instrumento cabível.
Já o ministro Raul Araújo entendeu como um paradoxo o fato admitir reclamação quando a decisão afronta acórdãos em recursos especiais “comuns” e, mas não quando trata de repetitivos.
Apesar disso, a discussão ainda terá que aguardar as cenas dos próximos capítulos. No entanto, a discussão representa a importância de se discutir sobre esse instituto, visando, sobretudo, um avanço no sistema de precedentes e na teoria geral do direito.
É preciso que se incorpore uma cultura na sociedade jurídica de respeito aos precedentes dos tribunais estaduais e regionais, tendo em vista que o direito trabalha com a cultura da sociedade. Acredito que, dessa forma, os Tribunais Superiores possam assegurar o sistema de precedentes, preservando a integridade de suas decisões, e, sobretudo a isonomia e previsibilidade processual.
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1 STF, Ag.Reg. na Reclamação 44.930/RS, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 28/03/2022, Plenário.
2 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 16. Ed. JusPodivm, 2019. V. 3, p 671.
3 ALVIM, Teresa Arruda. Relevância no REsp: pontos e contrapontos. 2ª tiragem. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. p. 174.