Com o intuito de se tentar desmistificar o uso da Reclamação no Brasil, faz-se mister descrever a tratativa internacional de sua utilização, influenciando o Direito brasileiro pela teleologia pontual do sistema de precedentes. Nessa linha de pensamento, sabe-se que os principais sistemas jurídicos associados ao common law, como o inglês e o americano, transcenderam os limites territoriais e imprimiram um legado de estabilidade, sem, contudo, trazer obstáculos a ciência política do Direito garantidor.
Nessa perspectiva, é importante mencionar que o sistema jurídico de precedentes da Inglaterra é considerado, por muitos doutrinadores, o verdadeiro marco inicial dos precedentes vinculantes (stare decisis), servindo de modelo para países que adotaram o common law em sua vertente axiológica. Para contextualizar, sabe-se que, no século XVIII, havia certa discricionariedade de julgamentos e coleta de informações por particulares, que foram descritas como Law Reports. Posteriormente, destacou-se como fundador da teoria de moderna de precedentes judiciais o parlamentar e jurista inglês Edward Coke, com positivação de onze volumes literários, contendo repertórios de casos fáticos e coletâneas. Nesse diapasão, começou-se a identificar especificamente a ratio decidendi (razão de decidir primordial) e o obter dictum (o que não é intrinsecamente essencial) de um precedente.
Com a evolução da teoria da vinculação de julgamentos, pôde-se utilizar, no ordenamento inglês, a regulamentação denominada Binding Precedent ou precedente vinculante, cuja tratativa reafirmava a obrigação de um tribunal em seguir decisões de Tribunais superiores, julgadas anteriormente. Nesse contexto de historicidade jurisprudencial, em 2001, houve a criação do CPC inglês, priorizando a interpretação judicial voltada ao respeito a vinculação de precedentes. Por conseguinte, a evolução do Direito inglês, com sua inciativa na previsão jurídica e relevância de instâncias repercutiu beneficiando outras nações compatíveis.
Um exemplo disso foi a colonização canadense, simultânea de ideais ingleses e franceses, com repercussão no ordenamento jurídico deste país, em relação a sua codificação de jurisprudencial. Dizendo de outra forma, apesar da dicotomia entre o positivismo francês e a aplicabilidade do common law inglês, houve uma interação benéfica de institutos. Porquanto, pode-se destacar que o sistema inglês de jurisdição teve o condão de influenciar outros países que compartilhavam do ideal da previsibilidade e segurança jurídica, mas cada um se adaptou de modo sui generis, de acordo com o standard político e social.
Nessa linha de pesquisa, em relação ao Direito americano, sabe-se que foi embasado pelo writ of certoriare1 no qual havia a revisão de sentenças de tribunais de instância inferior. Destarte, para preservar a segurança jurídica americana, positivou-se a possibilidade de Tribunais de apelação preconizarem a preservação do poder de polícia, quando um magistrado excede sua jurisdição. Por conseguinte, a jurisdição americana conseguiu se amoldar aos costumes inseridos no common law, utilizando-se de ferramentas condizentes com os ideais libertadores e republicanos desta nação.
Explicando melhor, nos EUA, as decisões dos tribunais superiores são vinculantes (stare decises), enquadrando-se na utilização do common law, baseado nos costumes, jurisprudências e precedentes judiciais. Por conseguinte, a estabilidade de julgamentos e a segurança jurídica dependiam especificamente do respeito aos precedentes. Nessa toada, trazendo para a discussão sobre a utilização da reclamação com a finalidade de garantir a observância da ratio decidendi (razão de decidir) de um precedente, observa-se que tais institutos são reciprocamente correlatados.
Todavia, para o Direito alemão, a reclamação tem associação sui generis ao Instituto da kompetenz-kompetenz2, na qual destaca que “ Todo juiz tem competência para analisar sua própria competência, de forma que nenhum juiz é totalmente incompetente, pois, ao verificar sua incompetência absoluta, tem competência para reconhecê-la. Assim, no Tribunal Arbitral alemão, o juiz associa a sua própria competência a legitimidade primordial para decidir sobre as questões relativas à existência, validade e eficácia da contratação da arbitragem e do contrato a que se refere. Dante do exposto, infere-se que, na Alemanha, também pretende-se preservar a competência, evitando-se invasões e ações arbitrárias que poderiam causar interpretações dúbias e incongruentes.
Finalmente, depois de expor a toda a historicidade e a expansão da utilização de precedentes vinculantes no mundo, faz-se mister destacar a função desempenhada no sistema judicial brasileiro. Ou seja, sabe-se que o Brasil é, inicialmente, o país que coaduna com o civil law, em conjunto com a valorização da legalidade estrita do positivismo. Todavia, tal modelo vem sendo substituído pelo sistema de precedentes obrigatórios, com a finalidade de uniformizar e respeitar a hierarquia das instâncias, desestimulando a litigância. Nessa toada, a validação do novo CPC em 2015 foi um marco de revitalização do instituto da reclamação, uma vez que foi aceito o microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios.
Entretanto, alguns juristas acreditam que há uma falsa uniformização e estabilidade, pois a realidade é a sumarização de procedimentos e o empobrecimento da construção da jurisdição, engessando a diversidade de entendimentos. Além disso, há a alegação de que o Brasil não tem ainda a cultura de respeito aos precedentes obrigatórios, gerando divergências entre instâncias e um verdadeiro “oráculo de decisões”. Nesse sentido, Apesar das opiniões divergentes, é notório o benefício de unificação de incidentes repetitivos, a pacificação de julgados e a tendência a uniformização de instâncias. Nesse sentido, não se pode ter certeza do futuro do sistema de precedentes vinculantes no Brasil, uma vez que a utilização da justiça de forma predatória como regra instiga a judicialização exacerbada.
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1 Certiorari vem do nome de um mandado de prerrogativa inglês, emitido por um tribunal superior para ordenar que o expediente de primeira instância seja enviado ao tribunal superior para revisão.
2 Segundo a regra da kompetenz-kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória.
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