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A adoção de cláusula arbitral em contratos de trabalho: o impacto do caso de ex-empregado do Corinthians

A Justiça do Trabalho de SP validou cláusula arbitral internacional em contrato trabalhista entre o Corinthians e um ex-analista, destacando a autonomia contratual.

10/9/2024

A Justiça do Trabalho de São Paulo reconheceu a validade de uma cláusula arbitral internacional em um contrato de trabalho, em uma decisão inovadora envolvendo o Sport Club Corinthians Paulista e um ex-analista de desempenho da equipe.

Em uma decisão recente, a 13ª Vara do Trabalho de São Paulo - Zona Leste julgou um caso trabalhista sem entrar no mérito da questão. Um analista, de nacionalidade portuguesa, trabalhou no clube de março a dezembro de 2022, com um salário mensal de R$ 101,5 mil. Após o término do contrato, ele ajuizou uma reclamação trabalhista reivindicando FGTS, férias proporcionais, 13º salário proporcional e multas previstas na CLT, totalizando R$ 370 mil1.

O contrato de trabalho incluía uma cláusula compromissória que estipulava que qualquer controvérsia deveria ser resolvida pela Court of Arbitration for Sport (CAS), na Suíça, afastando a competência da Justiça do Trabalho brasileira. A defesa do Corinthians argumentou que essa cláusula deveria ser aplicada, devido aos elementos internacionais do contrato, como a nacionalidade do reclamante e a referência ao pagamento em moeda estrangeira, além do cumprimento aos requisitos do artigo 507-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Contexto Jurídico

A cláusula arbitral, ou cláusula compromissória, em contratos de trabalho no Brasil, especialmente em casos internacionais, é um tema de crescente relevância. De acordo com o artigo 507-A da CLT, é permitida a inserção de cláusula compromissória de arbitragem em contratos de trabalho, por iniciativa do próprio empregado ou com sua expressa concordância, desde que o salário do empregado seja superior ao dobro do teto dos benefícios da Previdência Social, o que atualmente corresponde a R$ 15.014,98. Essa norma visa assegurar que apenas trabalhadores em condições de negociar de igual para igual com o empregador possam renunciar à jurisdição estatal em favor da arbitragem.

O artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), por sua vez, em consonância com as legislações estrangeiras, determina que são arbitráveis litígios relativos a direitos patrimoniais e disponíveis. Embora os litígios trabalhistas versem, essencialmente, sobre direitos patrimoniais, há divergência quanto ao requisito da disponibilidade, preponderando entendimento de que direitos trabalhistas podem ser tanto indisponíveis (quando atingem terceiros, como familiares, ou em casos de hipossuficiência, por exemplo) quanto disponíveis e, portanto, negociáveis. Estes últimos, pela legislação brasileira, podem ser submetidos à arbitragem.

Nesse caso, a Justiça do Trabalho analisou a validade da cláusula compromissória sob a ótica da legislação brasileira. Embora, pelo artigo 507-A da CLT, o salário do profissional e sua expressa anuência com a cláusula compromissória (comprovada pelo fato de o ex-empregado ter tido assessoria jurídica quando da elaboração do contrato e por ter ingressado com a arbitragem paralelamente à reclamação trabalhista) devessem bastar, a decisão da 13ª Vara foi baseada ainda no fato de o contrato possuir elementos que o qualificavam como contrato internacional de trabalho. Com isso, concluiu que, apesar de o contrato ter sido executado no Brasil, a cláusula compromissória com eleição de instituição arbitral internacional não violava a ordem pública brasileira, desde que não houvesse hipossuficiência econômica do empregado.

No Processo do Trabalho, presume-se a hipossuficiência do empregado em relação ao empregador. No entanto, essa presunção pode ser afastada se o trabalhador possuir diploma de nível superior e receber salário igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios pagos pela Previdência Social, caracterizando a hipersuficiência do empregado, ou seja, sua capacidade de negociação de suas condições de trabalho frente ao empregador. Para a instituição de cláusula arbitral, a legislação trabalhista considera o empregado hipersuficiente se receber salário igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios pagos pela Previdência Social, dispensando o diploma de nível superior.

Outro fator relevante foi o fato de o reclamante já ter instaurado procedimento arbitral no CAS, conforme previsto no contrato. Isso confirmou que a escolha da arbitragem foi voluntária e sem vício de consentimento, respeitando a autonomia da vontade das partes.

O juiz decidiu pela manutenção da validade da cláusula compromissória e pela extinção do processo sem resolução de mérito, com base no artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil, devido à existência de convenção de arbitragem.

Implicações e Importância

Essa decisão ressalta a importância da autonomia contratual e a possibilidade de inclusão de cláusula compromissória (já positivada na CLT, mas ainda em discussão na Justiça do Trabalho) em contratos de trabalho internacionais, desde que respeitados os direitos fundamentais dos trabalhadores. O caso serve como exemplo de como a arbitragem internacional pode ser um meio eficaz de resolução de disputas, mesmo em contextos trabalhistas.

Além disso, a decisão contribui para a segurança jurídica nas relações de trabalho internacionais, mostrando que a Justiça do Trabalho pode reconhecer e validar convenções arbitrais, desde que sejam cumpridos os requisitos legais estabelecidos pela CLT. Isso é particularmente relevante em um mundo globalizado, onde empresas e trabalhadores frequentemente atravessam fronteiras nacionais.

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1 Processo n. 1000253-56.2024.5.02.0613.

Dario Rabay
Sócio do Cescon Barrieu Advogados.

Augusta Diebold
Associada da área de resolução de disputas do Cescon Barrieu.

Vinicius Castro
Associado do Cescon Barrieu Advogados.

Guilherme Macedo Silva
Associado do Cescon Barrieu Advogados.

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