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Acidentes nas estradas causados por animais

Vários Estados brasileiros, como São Paulo e Paraná, utilizam concessão de obra pública para administrar rodovias. Após licitação, a empresa vencedora realiza obras e melhorias, conforme definição de Celso Antônio Bandeira de Mello.

5/9/2024

1.) Vários Estados brasileiros adotam a ‘concessão de obra pública’ para a empresa particular ‘administrar rodovias’; a exemplo do Estado de São Paulo – que detém, possivelmente, o maior número dessas estradas concedidas à iniciativa privada – outros Estados, como o Paraná, e o próprio Governo Federal (Régis Bittencourt e outras) têm adotado o sistema jurídico da concessão, por meio do qual, após  acirrada disputa entre empresas interessadas (licitação), na forma da lei, a Administração Pública (Governo) escolhe a candidata que obtiver a melhor proposta ao interesse público, para a realização de obras, ou melhorias, nas rodovias.

Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Concessão de serviços públicos é um instituto por via do qual o titular do serviço - o concedente - (...) transfere a outrem - o concessionário - os encargos de desempenhá-lo, por sua conta, risco e perigos, o qual se remunerará pela exploração da atividade, normalmente captando o correspectivo dela junto aos usuários do serviço, e desfrutará da garantia de um equilíbrio econômico financeiro assegurada pelo concedente.” (Serviço Público e Concessão de Serviço Público, p. 94. Malheiros, 2017. Grifos originais).

Conforme o artigo 175, da Constituição Federal:

‘Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

  1. o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
  2. os direitos dos usuários;
  3. política tarifária;
  4. a obrigação de manter serviço adequado.’1

Linhas gerais, trata-se de investimento privado em bens públicos (estradas), em que a empresa vencedora do certame, chamada ‘concessionária’, passa a administrar a estrada, e realiza obras e melhorias nas rodovias, obtendo, em contrapartida, dentre outras receitas, o valor do pedágio pago pelos usuários.

2.) Sempre surgem dúvidas a respeito da responsabilidade civil da empresa privada (concessionária), no caso de acidentes nas estradas. A questão não é nova, e muitas provas são produzidas (perícias, testemunhas, audiências), no Judiciário, para a tentativa de demonstração da culpa do responsável.

Mas, o que sempre chama a atenção da sociedade – não é incomum – é o caso de o acidente ter sido provocado por animais na pista de rolamento: de quem, afinal, seria a responsabilidade civil (perdas e danos)? do Governo, da empresa concessionária, do dono do animal (difícil precisar), ou de ninguém? (coitada da vítima!).

Se a estrada estiver sob auspícios da concessionária (empresa), então, a responsabilidade civil será desta. O STJ: Tema 1.122, ao interpretar as linhas-mestras da legislação pátria, decidiu: ‘As concessionárias de rodovias respondem, independentemente da existência de culpa, pelos danos oriundos de acidentes causados pela presença de animais domésticos nas pistas de rolamento, aplicando-se as regras do CDC e da lei das concessões.’(g.n.).

Portanto, na hipótese de o acidente ter sido causado por animal doméstico na pista, a responsabilidade pela indenização às vítimas será da empresa administradora concessionária da rodovia, não havendo necessidade da demonstração de culpa dela.

O entendimento da Corte, num certo modo, é justo, pois a responsabilidade da rodovia é da empresa concessionária, que a administra, e deve tomar todas as providências para evitar acidentes dessa espécie. Em suma: no Judiciário, não precisa mais haver discussão acerca da culpa da empresa concessionária; a responsabilidade desta decorre da própria atividade (teoria do risco).

3.) De outro lado, não se pode olvidar a posição doutrinária relevantíssima, segundo a qual, nos casos de omissão (‘atos omissivos’), a responsabilidade civil seria subjetiva, e não objetiva (como decidiu o STJ), carecendo, portanto, da evidência da culpa do ‘causador do dano’. Com efeito, nas omissões administrativas, deve haver a demonstração da culpa da Administração Pública (responsabilidade subjetiva). 

Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo, segundo um certo padrão de eficiência capazes de obstar ao evento lesivo.”(Curso de Direito Administrativo, p.1072, 34ªed., Malheiros 2019. Grifos nossos).

Antiga doutrina francesa,2 na esteira de ‘decisões administrativas’ daquele país (Contencioso Administrativo), postula a denominada ‘responsabilitè pour faute’ da Administração Pública. Conforme esse entendimento, o sistema da ‘faute du service public” comporta três tipos, ou espécies: serviço público funciona mal; serviço público não funciona; serviço público funciona tardiamente.

Nos termos dessa doutrina – que adotamos -, no sistema da ‘falta do serviço público’ ao usuário - ao contrário da teoria do risco, em que à vítima basta provar a relação de causa e efeito entre os danos e a ‘atividade estatal’ -, o prejudicado, a princípio, deve provar também a falta, a ausência, a insuficiência na prestação do serviço público.  Numa palavra: a culpa na prestação do serviço.

No entanto, como se torna difícil, senão impossível, a produção de provas, por parte da vítima, adota-se a fórmula da presunção da falta do serviço, proporcionando, assim, a inversão do ônus probatório [carga da prova]: compete ao Poder Público demonstrar ter agido corretamente; compete-lhe evidenciar, perante o Magistrado, ter atuado, de forma possível, no sentido de evitar a invasão de animais na rodovia e, assim, excluir a sua responsabilidade.

Na área ambiental, Heraldo Garcia Vitta traz os seguintes exemplos de omissões, que geram a responsabilidade civil [para o autor: subjetiva]:

“(..). se uma inundação causar danos ao ambiente de determinada cidade, pelo fato de os bueiros não terem sido limpos pela prefeitura; se o poder público não fiscalizar as empresas com potencialidade de poluir o ambiente; se o guarda florestal vê um sujeito atear fogo em área de preservação ambiental e ficar inerte; se o poder público adota regras da proteção ambiental, inadequadas ou insuficientes, para evitar o dano, tendo este ocorrido.”(Responsabilidade Civil e Administrativa por Dano Ambiental, p.90, Malheiros, 2008).

4.) Essas considerações doutrinárias, conquanto referidas à responsabilidade civil da Administração Pública, aplicam-se, igualmente, no caso das concessionárias de serviços (e obras) públicas, ante a identidade de regime jurídico [prestação de serviços públicos].

De todo modo, conforme se assentou, o STJ não acolheu a tese da responsabilidade civil subjetiva; antes, firmou entendimento de acordo com o qual a responsabilidade da concessionária, especificamente no caso e acidentes ocasionados por animais nas rodovias, é objetiva, prescindindo-se, portanto, da produção de provas a respeito da imprudência, negligência ou imperícia na prestação do serviço público.

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1 A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, regula o regime jurídico da concessão e permissão de serviços públicos. Cuida-se de legislação básica, fundamental, a respeito do tema.

2 Cf. André de Laubadère, Jean-Claude Venezia et Yves Gaudemet, “Traitè de Droit Administratif”, Tomo I, p.927 e ss, 14ªed., L.G.D.J, Paris, 1996

Heraldo Garcia Vitta
Advogado. Professor e Consultor Jurídico. Juiz Federal aposentado. Ex-Promotor de Justiça(SP). Mestre e Doutor em Direito do Estado (PUC-SP). Especialização em Direito Privado(ITE-Bauru,SP).

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