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Ordem de vocação hereditária

A sucessão legítima foi um aspecto que realmente sofreu alterações com a entrada em vigor do Código Civil (CC) em 2003. Resida talvez aí a maior revolução legislativa civil deste milênio. O núcleo dessa alteração está no art. 1.829, que trouxe – em confusa redação – a nova ordem de vocação hereditária (seqüência de pessoas que a lei estabelece como destinatárias da herança deixada pelo de cujus. É a ordem que a lei presume ser a vontade do falecido).

4/7/2007

Ordem de vocação hereditária

Gustavo Rene Nicolau*

1. INTRODUÇÃO

A sucessão legítima foi um aspecto que realmente sofreu alterações com a entrada em vigor do Código Civil (CC - clique aqui) em 2003. Resida talvez aí a maior revolução legislativa civil deste milênio. O núcleo dessa alteração está no art. 1.829, que trouxe – em confusa redação – a nova ordem de vocação hereditária (seqüência de pessoas que a lei estabelece como destinatárias da herança deixada pelo de cujus. É a ordem que a lei presume ser a vontade do falecido).

Foi nesse artigo que o legislador trouxe a inédita figura da “concorrência sucessória” do cônjuge com descendentes e ascendentes. Não foi nesse momento, entretanto, que o legislador se lembrou da sucessão do companheiro. Desincumbiu-se dessa tarefa no art. 1.790, “um local indevido”, nas palavras do próprio coordenador do projeto, Miguel Reale.

2. SITUAÇÃO DO CÔNJUGE

No revogado CC, era correto afirmar que a bisavó herdava antes que o cônjuge. De fato, o art. 1.603 daquele Código entregava aos ascendentes (na falta de descendentes) todo o patrimônio do de cujus, sem restrições ou divisões.

No CC de 2003, todavia, o cônjuge foi alçado à categoria de herdeiro necessário, concorrendo (dependendo do regime) com descendentes e (independentemente do regime) com ascendentes, logo nas primeiras convocações sucessórias. Ademais, qualquer que seja o regime de bens – e sendo ou não herdeiro –, terá assegurado o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à moradia da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar (art. 1.831). É um típico direito real sobre coisa alheia.

Pela letra fria da lei, se o cônjuge supérstite casar-se novamente, ele remanesce com esse direito real, e o proprietário (descendente do de cujus, v.g., que pode inclusive não ser descendente da sobrevivente) continuará privado de sua fruição. O Projeto n. 6.960/2002 inverte a orientação e retira referido direito real, caso o supérstite habitante se case (ou se una estavelmente).

Por outro lado, a lei impede (justamente, a nosso ver) de participar na herança o cônjuge separado judicialmente ou separado de fato há mais de dois anos, salvo a dificílima prova de que a convivência tornara-se impossível sem sua culpa (art. 1.830).

3. CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE COM DESCENDENTES

Uma análise do inc. I do art. 1.829 deixa claro que o tema não é dos mais simples. Não é em qualquer hipótese que o cônjuge terá o direito de concorrer com os descendentes do de cujus. Importa saber qual o regime de bens que disciplinava a relação do casamento. Comunhão universal e separação obrigatória não darão ao cônjuge o direito de concorrer com descendentes do de cujus.

Evidente a mens legis: na comunhão universal, o cônjuge já recebe – por força da meação – 50% de todo o patrimônio do falecido (com as raras exceções do art. 1.668). Não seria justo, então, ainda concorrer com os filhos na outra metade. Por sua vez, no regime de separação obrigatória (cuja referência no texto da lei está errada, querendo, na verdade, indicar o art. 1.641), também é justa a disposição da lei, dado que, em casamentos dessa natureza, o legislador não vê com bons olhos a transferência de patrimônio entre os cônjuges. Na separação convencional e no regime de participação final de aquestos, há direito à concorrência com descendentes.

O problema (e o interesse também, dado que entraremos agora no mais comum dos regimes) afigura-se quando observamos as regras atinentes à comunhão parcial. Foi nesse específico ponto que o legislador outorgou uma redação ainda mais confusa e de difícil interpretação, devido à “dupla negativa” que o dispositivo carrega.

No regime da comunhão parcial, o supérstite só concorrerá com os descendentes na hipótese de o de cujus ter deixado bens particulares1. A intenção da lei também é flagrante: uma comunhão parcial sem bens particulares significa que todos os bens são “comuns” e, por isso, estamos – na prática – diante de um regime de comunhão universal. A metade de tudo que o casal possui, então, já pertence ao cônjuge supérstite, por direito próprio de meação, não havendo necessidade de herdar esses bens.

Com essa redação, o legislador dividiu o patrimônio do de cujus em duas partes: a primeira constituída de bens particulares, excluídos da comunhão (art. 1.659). Um típico exemplo de bem particular é o adquirido por força de herança, ainda que na constância do casamento. A segunda parte do patrimônio do de cujus é constituída de “bens comuns”, correspondente à parte que lhe caiba nos bens amealhados onerosamente na constância do casamento com esforço do casal (ainda que esse esforço seja presumido).

Quando a esposa viúva concorrer com descendentes, ela disputará a herança justamente na massa patrimonial composta pelos bens particulares e não pelos bens comuns, em que já meou. O Conselho da Justiça Federal já se pronunciou sobre o assunto no Enunciado n. 270, proferido na III Jornada de Direito Civil2:

“O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência restringe-se a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes”.

4. QUOTAS NA CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES

Analisadas as situações em que o cônjuge herdará, passemos às “quotas de participação” na herança. Concorrendo com os descendentes comuns3, a lei (art. 1.832) preserva o que chamamos de “piso da herança”. É o mínimo de um quarto da herança garantido ao cônjuge. Isso significa que, havendo mais de três descendentes, e sendo todos comuns, no mínimo, a quarta parte ficará para o cônjuge e o restante será dividido entre os descendentes.

Concorrendo com descendentes exclusivos do de cujus, cai a regra da quarta parte, e o cônjuge herda como se fosse mais um deles. Assim, havendo cinco filhos do de cujus concorrendo com o sobrevivente, divide-se o montante em seis partes.

Mais uma vez, o legislador foi omisso e não tratou de uma situação muito comum que chegará em breve aos Tribunais. Há direito ao “piso” (um quarto da herança) para a hipótese de o sobrevivente concorrer com descendentes comuns e com descendentes exclusivos do de cujus? A doutrina atribui a essa hipótese o nome de “situação híbrida”. O art. 1.832 é lacunoso, dizendo apenas que esse direito terá o cônjuge sempre que ele “for ascendente dos herdeiros com que concorrer”. A maioria da doutrina civilista sustenta que só haverá direito a um quarto do patrimônio quando o sobrevivente concorrer exclusivamente com filhos comuns.

5. CONCORRÊNCIA COM ASCENDENTES

Menos tormentosa a solução para esses casos. Não existindo descendentes, porém havendo ascendentes, o cônjuge concorrerá independentemente do regime de bens. O art. 1.837 traz as “quotas de participação”. Havendo pai e mãe do de cujus, a lei reserva ao supérstite um terço dos bens. Qualquer que seja outra hipótese de ascendentes (apenas o pai, apenas avós, um avô materno e uma avó paterna etc.), metade da herança será destinada ao cônjuge e a outra metade terá como destinatários os ascendentes, sejam quantos e quem forem.

Nesse momento, é bom lembrar uma regra já prevista no CC de 1916 e repetida no art. 1.836, § 2.°, que se refere à sucessão ascendente. Nessa hipótese, havendo igualdade em grau (por exemplo, 1.° grau: pais, 2.° grau: avós) e diversidade na linha (materna ou paterna), faz-se a divisão ao meio, entregando metade à linha paterna e metade à linha materna. Lembrando sempre que metade do patrimônio do de cujus já foi entregue ao sobrevivente.

6. SUCESSÃO DO CÔNJUGE INEXISTINDO ASCENDENTES E DESCENDENTES

Nessa hipótese, tudo pertence ao cônjuge, como, aliás, era a regra do art. 1.603 do CC de 1916, independentemente de regime de bens. Era assim também com o companheiro na Lei n. 8.971/94 (clique aqui), no art. 2.°, III. Atente para o verbo no pretérito, pois o CC de 2003 regulamentou a sucessão do companheiro de modo bastante diferenciado; mas isso é tema para outro artigo.

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1 Entenda-se: bens que só a ele pertencem, v.g., aqueles que ele trouxe ao casamento oriundos de herança ou que se sub-rogaram no lugar daqueles, que recebeu com cláusula de incomunicabilidade etc.

2 De 1.º a 3 de dezembro de 2004, foi realizada a III Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, <_st13a_personname productid="em Brasília. Nesse" w:st="on">em Brasília. Nesse evento, mais de 150 profissionais e professores de Direito Civil do Brasil reuniram-se no Superior Tribunal de Justiça, a fim de definir enunciados interpretativos para o CC.

3 A saber, concorrendo com descendentes que sejam, ao mesmo tempo, seus e do de cujus.

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*Advogado, Mestre e Doutorando <_st13a_personname productid="em Direito Civil" w:st="on">em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Diretor Acadêmico da FDDJ - Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus e Professor no CJDJ - Complexo Jurídico Damásio de Jesus.







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