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Obrigatoriedade do exame criminológico na progressão de regime: Inconstitucionalidade e impactos no sistema Penal brasileiro

A obrigatoriedade do exame criminológico para progressão de regime, revela-se inconstitucional, aliada a ineficácia estatal e a falta de profissionais para realizar os laudos. Somada ao quadro caótico há também a inadequada posição Ministério Público em recursos genéricos que impedem a progressão de regime.

30/8/2024

A recente inovação legislativa que tornou obrigatório o exame criminológico para todas as pessoas que buscam progressão de regime penal tem gerado intensas críticas e preocupações em diversos setores do Direito. Esta medida, além de sobrecarregar ainda mais o já caótico sistema prisional brasileiro, se mostra ineficaz, inconstitucional e injusta, especialmente em um contexto de grave deficiência estatal na disponibilização de profissionais capacitados para realizar tais exames.

O Brasil, que possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, enfrenta um sério problema de superlotação e falta de recursos no sistema prisional. A obrigatoriedade do exame criminológico como condição para a progressão de regime agrava ainda mais essa situação, gerando longas filas de espera para a realização dos laudos técnicos. O Estado, incapaz de prover uma quantidade suficiente de psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais para a realização desses exames, perpetua uma situação em que condenados que já cumpriram os requisitos objetivos para a progressão permaneçam encarcerados por tempo excessivo, violando direitos fundamentais.

Historicamente, o exame criminológico tem sido alvo de críticas pela sua ineficácia e subjetividade. De acordo com Aury Lopes Jr. (2018), o exame frequentemente se baseia em critérios imprecisos e subjetivos, o que pode levar a decisões arbitrárias e discriminatórias. A falta de padronização e a influência de preconceitos sociais tornam o exame criminológico uma ferramenta mais punitiva do que preventiva ou reabilitadora, contrariando o objetivo de ressocialização que deveria nortear a execução penal.

Além de ser ineficaz, a exigência do exame criminológico para a progressão de regime se mostra inconstitucional ao violar o princípio da irretroatividade da lei penal mais severa (novatio legis in pejus). A imposição de condições mais gravosas para a progressão de regime de pessoas que já estão em cumprimento de pena fere o princípio da segurança jurídica e da proteção à confiança, fundamentais em um Estado Democrático de Direito. A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu em 20/8/24 que a necessidade de realização de exame criminológico para fins de progressão de regime criada pela recente Lei 14.843/24 não pode ser aplicada de forma retroativa nos casos de pessoas condenadas antes do advento do novo dispositivo legal.

Para o relator do caso, ministro Sebastião Reis Junior., “a exigência de realização de exame criminológico para toda e qualquer progressão de regime, nos termos da Lei 14.843/24, constitui novatio legis in pejus, pois incrementa requisito, tornando mais difícil alcançar regimes prisionais menos gravosos à liberdade”.

“A retroatividade dessa norma se mostra inconstitucional diante do art. 5º, XL, da Constituição Federal, e ilegal nos termos do art. 2º do Código Penal”, arrematou o ministro.

Essa decisão reforça a necessidade de respeitar os direitos adquiridos dos condenados, protegendo-os de mudanças legislativas prejudiciais.

O Ministério Público, que deveria atuar como guardião da legalidade e da constitucionalidade, tem adotado uma postura preocupante nesse cenário. O MP tem se dedicado a interpor uma série de recursos conhecidos como "agravo em execução", muitas vezes de forma genérica e sem análise individualizada dos casos. Essa prática tem como objetivo impedir a progressão de regime, mesmo em casos de pessoas primárias condenadas por crimes sem violência ou grave ameaça, contribuindo para a manutenção de um sistema penal voltado ao encarceramento em massa.

Em conclusão, a inovação legislativa que tornou obrigatório o exame criminológico para a progressão de regime representa um retrocesso no sistema de execução penal brasileiro. Essa medida é ineficaz, inconstitucional e contrária aos princípios fundamentais do Direito Penal e da Constituição. O recente entendimento do STJ apenas reforça a necessidade urgente de revisar essa exigência, para que o sistema prisional possa ser mais justo e efetivo, alinhado ao objetivo de ressocialização e reintegração social dos condenados.

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LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

Superior Tribunal de Justiça (STJ). RHC 200670/GO, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, julgado em 20/08/2024.

Sérgio Augusto de Souza
Advogado Criminalista com atuação na execução penal. Membro ABRACRIM. Membro Núcleo Intercomissões de Inspeção a Unidades Prisionais Comissão de Direitos Humanos OAB SP.

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