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Como o Direito Penal brasileiro protege especificamente às mulheres?

A integração entre psiquiatria forense e psicologia jurídica é crucial para a aplicação da justiça, especialmente em questões de gênero. As leis brasileiras, guiadas pelo princípio da dignidade humana, asseguram proteção às mulheres, considerando suas condições específicas e transtornos psiquiátricos no Direito Penal.

19/8/2024

A interação entre a psiquiatria forense e a psicologia jurídica revela a importância do diálogo entre as áreas da saúde e do direito. Esse intercâmbio é crucial para esclarecer questões que afetam diretamente a aplicação da justiça, especialmente quando se trata das especificidades legais relacionadas ao gênero feminino.

Os transtornos psiquiátricos, que acometem tanto homens quanto mulheres, são abordados de forma geral pelas leis brasileiras. No entanto, quando o foco é o tratamento jurídico dispensado às mulheres, é essencial considerar o princípio da dignidade da pessoa humana, que sustenta as medidas protetivas e amparadoras previstas no ordenamento jurídico. Esse princípio, alicerçado na CF/88, orienta todas as normas jurídicas e assegura a proteção dos direitos fundamentais, sendo crucial na defesa das mulheres, especialmente aquelas acometidas por transtornos psiquiátricos.

O Direito Penal brasileiro, ao regular o poder punitivo do Estado, estabelece quais condutas são consideradas crimes e as respectivas punições. Nesse contexto, o Código Penal1 contempla disposições que levam em conta condições específicas das mulheres, podendo atenuar ou até mesmo extinguir a punibilidade em determinadas situações.

Um exemplo é o art. 123 do Código Penal, que trata do infanticídio: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após – pena: detenção de 2 a 6 anos". Esse dispositivo reconhece o estado puerperal como uma condição que pode afetar a racionalidade da mulher, acarretando transtornos de ordem mental, levando-a a cometer o ato extremo de tirar a vida de seu filho2. A lei, ao considerar essa circunstância, busca proteger a mulher, reconhecendo as profundas alterações físicas e emocionais que ela pode sofrer nesse período.

A lei 14.188/21,3 conhecida como lei do sinal vermelho, que tipifica a violência psicológica contra a mulher. De acordo com seu art. 147-B, causar dano emocional à mulher, com o objetivo de prejudicar seu desenvolvimento ou controlar suas ações, é passível de pena de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa.

A Lei Maria da Penha, 11.340/064, já previa a violência psicológica como uma forma de violência doméstica, sendo reforçada a proteção à saúde mental da mulher. Esta Lei também alterou o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, ampliando as possibilidades de punição e de proteção preventiva no contexto da violência doméstica contra a mulher. Por exemplo, aumentou a pena em casos de lesão corporal praticada contra a mulher em situação de violência doméstica e permitiu a decretação de prisão preventiva do agressor para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência.

É importante destacar que, embora as condutas exemplificadas na legislação sejam descritas de maneira detalhada, elas não limitam o alcance da proteção legal. Mesmo que a forma de agir do agressor seja diferente daquela descrita na lei, se resultar em dano psicológico e/ou físico, a legislação pode ser aplicada por analogia, evidenciando a preocupação do legislador em preservar a saúde mental da mulher contra qualquer forma de agressão psicológica.

Já a lei do feminicídio, 13.104/155, prevê que o crime praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino é um qualificador do crime de homicídio, e o caracteriza como crime hediondo. É assim considerado feminicídio quando há violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Um tema que recebe menos destaque em comparação aos crimes de feminicídio é o de mulheres homicidas. Apesar de não ter uma legislação específica relacionada ao gênero, um aspecto que merece atenção nesta temática de “Mulheres e Direito Penal”. Embora as mulheres sejam geralmente associadas a características como docilidade e sensibilidade, existem casos em que elas apresentam traços de agressividade, chegando até a cometer homicídios.

Os estudos sobre mulheres homicidas ainda são escassos, mas há pesquisas relevantes, como as realizadas pelo psiquiatra dr. José Maria Marlet6, pela pesquisadora Kathryn M. Whiteley7 e nacionalmente peor Adriana M. N. Martorelli8. Esses estudos exploram as motivações e circunstâncias que levam mulheres a cometerem crimes violentos, desafiando estereótipos de gênero e revelando a complexidade do comportamento humano.

Assim, o direito penal brasileiro, ao lidar com a mulher, demonstra uma sensibilidade às suas particularidades, refletindo a necessidade de uma abordagem jurídica que considere as especificidades do gênero, seja na mitigação da pena em situações de vulnerabilidade ou na tipificação de crimes que visam proteger a integridade física e mental da mulher.

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1 BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 24 de jan 2022.

2 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal 2 - parte especial. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

3 BRASIL. Lei 14.188, de 28 de julho de 2021. Lei do sinal vermelho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm. Acesso em 25 de jan 2022.

4 BRASIL. Lei nº 11.340, 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. 

5 BRASIL. LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm?ref=hir.harvard.edu

6 Kathryn M. Whiteley, desenvolvido a partir da seguinte indagação: Por que estudar mulheres que matam?

7 Whiteley, KM. Women as victims and offenders: incarcerated for murder in the Australian Criminal Justice System. Queensland University of Tecnology Faculty of Law, 2012.

8 MARTORELLI, Adriana de Melo Nunes. Mulheres homicidas: Consumo de álcool e drogas ilícitas, sintomas depressivos e aspectos da sexualidade. São Paulo: Editora LiberArs, 2018, p. 51.

Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia lega e forense (UNED Espanha).

Hewdy Lobo
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

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