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Recursos especiais e suas barreiras: O TIT-SP e o paradigma implícito

O REsp enfrenta obstáculos como a inadmissibilidade por divergência quando o tribunal já firmou orientação, decisões de Juizados Especiais, normas locais, e deficiências na argumentação e fundamentação.

30/7/2024

Recurso Especial e os seus obstáculos. Aqueles que dele precisam fazer uso conhecem as suas dificuldades e adversidades, dentre as quais se apresentam a sua admissibilidade e o seu devido processamento, valendo citar alguns temas, diante do STJ:

  1. Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (súmula 83/STJ);
  2. Divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial (súmula 13/STJ);
  3. Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais (súmula 203/STJ);
  4. O exame de normas de caráter local é inviável na via do recurso especial, em virtude da aplicação analógica da súmula 280/STF;
  5. É deficiente o recurso especial quando o dispositivo legal tido por violado não ampara a tese defendida pelo recorrente;
  6. Para fins do art. 105, III, ‘a’, da Constituição Federal, não é cabível recurso especial fundado em alegada violação de enunciado de súmula (súmula 518/ STJ);
  7. É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem (súmula 207/STJ);
  8. É inadmissível o especial que deixa de indicar o permissivo constitucional autorizador do recurso ou que não indica o dispositivo infraconstitucional violado (súmula anotada 418/STJ);
  9. A simples transcrição de artigos de lei ou a fundamentação genérica tornam deficiente o recurso especial, devendo o recorrente indicar, com clareza e objetividade, a razão da negativa de vigência da lei e qual a sua correta interpretação (AgRg no AREsp 016.038/GO e AgRg no REsp 1.354.928/PE);
  10. Carecendo o acórdão recorrido do devido prequestionamento, cumpre à parte, no recurso especial, suscitar violação do art. 535 do CPC, demonstrando, de forma objetiva, a imprescindibilidade da manifestação sobre a matéria impugnada, sob pena de incidência da súmula 211/STJ;
  11. É deficiente o recurso especial quando o dispositivo legal tido por violado não ampara a tese defendida pelo recorrente ou não contém normativo suficiente para infirmar o acórdão recorrido (AREsp 200.631/RJ e AgRg no AREsp 655.635/ES), e,
  12. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso (súmula 7/STJ).

Como emerge fácil, trata-se de um recurso processual como denominado, distinto, seleto, exclusivo, pelos obstáculos que se antepõem à ultrapassagem por sua “estreita porta”, situação encontrável também em sede de julgamentos administrativos, valendo considerar em especial dois órgãos de julgamento que pela representação tributária que envolvem importam muito ao direito dos contribuintes no referido campo. São eles, o CARF e o TIT-SP - Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

Na área federal, cuidou a legislação de fixar procedimentos precisos e regimentais que são obedecidos com rigor, como se pode consultar no denominado Manual de Exame de Admissibilidade de Recurso Especial do CARF1.

No processo administrativo tributário estadual – TIT-SP, há que se examinar o tema, por sua vez, focando a necessidade de se aplicar a normatividade que cuida do procedimento, exame e qualidade do referido recurso, influenciados pelos princípios da publicidade, da economia, da motivação e da celeridade, garantindo ao contribuinte o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, conforme brandado em seus próprios anais.

O recurso especial dirigido à Câmara Superior do TIT-SP tem como fundamento legal o art. 49, caput, e § 10, da lei 13.457/09 assim redigidos: “Cabe recurso especial, interposto tanto pelo autuado como pela Fazenda Pública do Estado, fundado em dissídio entre a interpretação da legislação adotada pelo acórdão recorrido e a adotada em outro acórdão não reformado, proferido por qualquer das Câmaras do Tribunal de Impostos e Taxas. (...)”, sendo em seu § 10, que “Não será admitido recurso especial que contrarie decisão tomada em sessão temática da Câmara Superior do Tribunal, exceto na hipótese de a referida decisão adotar interpretação da legislação tributária divergente da jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores do Poder Judiciário, na forma estabelecida em regulamento”, dispondo igualmente o próprio Regimento Interno do Tribunal, em seu art. 19.

A importância da Câmara Superior do TIT-SP, portanto, equivale à do STJ em âmbito judicial, decorrente de sua própria competência institucional em âmbito do contencioso administrativo tributário bandeirante, relativa à solução de litígios tributários em seu grau máximo, justificando o seu status de aglutinador de interpretação sobre a legislação tributária.

De fato, visando a uma maior segurança jurídica dos contribuintes administrados, valendo as lições de Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, “a orientação divergente decorrente de turmas e câmaras, dentro de um mesmo tribunal – no mesmo momento histórico e a respeito da aplicação de uma mesma lei – representa grave inconveniente, gerador da incerteza do direito, que é o inverso do que se objetiva com o comando contido numa lei, nascida para ter um só entendimento” 2. Ou seja, trata-se de um de recurso de divergência.

A “especialidade” do recurso especial já se carrega, vê-se, em sua própria denominação, já sugerindo sua restritividade de cabimento e de condições de admissibilidade.

Dentre elas, ainda, está a necessidade de o recorrente indicar a decisão paradigmática, bem como demonstrar precisamente a divergência (cotejo analítico), sem o que não será admitido, situação presente em ambos os órgãos de julgamento administrativos.  

Violar tal condição consiste em malferir o próprio processo administrativo tributário além de macular a função institucional do referido órgão superior administrativo de julgamento.

Note-se que a lei elenca fatores exógenos ao processo que devem ser observados, bastando uma leitura atenta do artigo citado, exigindo para cabimento do apelo especial o seu fundamento em dissídio entre a interpretação da legislação adotada pelo acórdão recorrido e a adotada em outro acórdão não reformado, proferido por qualquer das Câmaras do Tribunal de Impostos e Taxas.

Noutras palavras, o recurso especial à Câmara Superior do TIT-SP poderá ter sucesso quando: (i) houver dissídio de jurisprudência; (ii) o dissídio for com decisão paradigmal outra do Tribunal, não reformada, e, (iii) houver cotejo analítico preciso entre as decisões, enquanto passar pela admissibilidade de sua Presidência, que deverá se justificar para a conclusão, seja a favor ou não.

É nesse exato contexto formal e substancial no TIT-SP, que se volta a nossa atenção quanto a uma nova conformação de paradigmas que vem sendo considerada em julgados da sua Câmara Superior, de maneira incorreta, pois considerados aptos a serem eleitos com status de paradigmas de forma implícita, ou, indireta.

Ou seja, o paradigma que não trata expressamente da matéria controvertida, mas que se presume implícita e subjetivamente estar-se tratando, como que se o tal contivesse no seu espírito aquilo que se quisesse dar como ponto controvertido suficiente a torná-lo sustentável para fins de apelo especial.

Osmose em seu sentido figurado que não deveria valer.

Como exemplo real vale focar o decidido em sede de julgamento do lançamento de ofício - AIIM 4.028.007-0. Tome-se uma questão por nós já vista, controvertida, acerca da aplicação ou não do princípio da absorção e um paradigma que nada dizia sobre ele, expressamente, mas, que, apenas, por suas próprias razões, manteve dada autuação fiscal, ausente qualquer cotejo analítico, inexistente o contraditório, o que deveria impedir desde logo a admissibilidade do recurso, que não é especial por questão de denominação, mas sim fruto de condições próprias estabelecidas pela norma de imposição específica (dissídio, divergência e contradição).

Em tal caso (do princípio da absorção) viu-se ser o Especial conhecido por se entender que implicitamente o paradigma apresentado estava julgando pela não aplicação do princípio porquanto apenas mantida a infração questionada. Ou seja, se, para o julgador, a infração tinha sido mantida, então, com isso, valeria se presumir, que o princípio da absorção, implicitamente, teria, para tal julgador, restado afastado como se isso fosse suficiente para caracterizar dado paradigma como válido, ainda que implícito.

Em linguagem gráfica, eis a materialização, no exemplo dado, da distorção do raciocínio legitimador do paradigma implícito:

Se ? ocorrência da “absorção”, então, ? autuação fiscal é cancelada.

Se ? autuação fiscal é mantida, então, ? indiretamente, não ocorrência da absorção.

Tal implicitude não pode se soerguer em grau especialíssimo do apelo especial no TIT-SP, onde o cotejo analítico de acórdãos se faz cogente e o cabimento é restrito, fora da vala comum dos demais recursos.

Utilizar-se de acórdão paradigma que não carrega em si direta, precisa e expressamente a divergência almejada, por só se deduzir que o fez, implícita e indiretamente, porque o acórdão “cotejado” teria alguma relação com assunto que poderia indiretamente alcançar o tema ou por qualquer outra presunção é ferir de morte o rito e a especialidade do próprio recurso que o suporta.

Por outro lado, não se pode deixar de considerar em boa e devida hora o recente trabalho editado pela FGV, em razão das reiteradas denúncias da  visão desigual que vem acontecendo no referido TIT-SP quanto ao processamento de recursos especiais, a merecer atenção, em respeito à devida justiça administrativa (Nulidades de Decisões Ordinárias e Outros Temas Analisados pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas – Estudos em Homenagem ao dr. Celso Alves Feitosa. São Paulo: Max Limonad, 2024. Núcleo de Estudos Fiscais – FGV – Direito/SP), mercê de visão não isenta de comandos internos, donde vale uma atenção maior ao descaso com o rito atinente à essa modalidade recursal restrita e, frise-se, especial, que coincidentemente ocorre em muitos outros casos em desfavor do sujeito passivo.

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1 Disponível em: http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/arquivos-e-imagens-pasta/manual-admissibilidade-recurso-especial-v-3_1-ed_14-12-2018.pdf.

2 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/uniformizacao-da-jurisprudencia-no-sistema-brasileiro/114970739. In Uniformização da jurisprudência no sistema brasileiro – uniformização da jurisprudência no sistema recursal. Janine Guimarães. Jus Brasil, 2013.

Celso Alves Feitosa
Advogado, consultor jurídico e sócio fundador de Alves Feitosa Advogados Associados. Graduado pela Universidade Mackenzie (1971). Especialista em Direito Tributário, Administrativo e Empresarial, pela PUC-SP. Atuou como Juiz do TIT/SP - Câmaras Ordinária e Superior, entre 1988 e 2015. Foi Conselheiro do Primeiro Conselho de Contribuintes (IRPJ) e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (1987 a 2004). Autor de diversos artigos tributários publicados em mídias especializadas.

Walter Alexandre Bussamara
Advogado no escritório Alves Feitosa Advogados Associados. Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP.

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