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A avaliação pericial das repercussões psíquicas dos anabolizantes

Esteroides anabolizantes são substâncias similares à testosterona usadas via oral (oxandrolona, estanozolol, metandrostenolona, oximetolona) ou injetável (decanoato de nandrolona, cipionato de testosterona). Amplamente usados para aumentar massa muscular, podem causar dependência e efeitos adversos graves.

23/7/2024

Esteroides anabolizantes androgênicos, ou simplesmente anabolizantes, são substâncias sintéticas análogas à testosterona. Podem ser usados por administração via:

Entre essas drogas, o Deca-durabolin é o mais usado entre praticantes de esporte de força. Os anabolizantes são administrados, geralmente, em doses suprafisiológicas, que podem chegar a até 500 mg/dia, consumidas por várias semanas ou meses.

Um número cada vez maior de pessoas por todo o mundo tem usado anabolizantes de forma não prescrita para ganhar musculatura, perder gordura e rapidamente atender às expectativas da sociedade contemporânea, que valoriza a imagem e o tempo imediato. O uso de tais substâncias não é mais restrito apenas a fisiculturistas e atletas de alto nível, sendo usadas também por entusiastas fitness casuais e atletas amadores, até mesmo mulheres. […].

Como consequência natural desse uso não prescrito de anabolizantes, alguns usuários prosseguem para o desenvolvimento de dependência de EAAs  [esteroides anabolizantes androgênicos] e continuam a tomar doses altamente suprafisiológicas dessas drogas por anos.1

Os efeitos anabólicos e androgénicos buscados e adversos dos anabolizantes são os seguintes:

Quadro 1: Efeitos anabólicos e androgênicos

Fonte: Sales e Diehl (2019).2

Aqueles que persistem no consumo podem apresentar consequências inesperadas e negativas, como:

Esses efeitos têm mais probabilidade de ocorrer naqueles que usam altas doses, sobretudo acima de 1.000 mg/semana.

No Brasil, um doa anabolizantes mais consumidos é o Deca Durabolin. De acordo com a bula5, composto por decanoato de nandrolona. De forma terapêutica, é utilizado em quadros de osteoporose, anemia e para aumentar a massa corporal magra, no caso de balanço negativo de nitrogênio.

Sua aplicação é por injeção intramuscular profunda, que deve ser aplicada apenas por profissionais de saúde habilitados. Por ser um anabolisante, deverão ser monitorados sinais de masculinização, de aumento da glândula prostática e do aumento excessivo da hemoglobina e do hematócrito.

Os efeitos desta medicação não cessam imediatamente após sua interrupção, diminuem de forma gradual. A meia vida desta substância é de 15 dias e o tempo de detecção 18 meses.

As possíveis reações adversas do abuso do Deca Durabolin para a saúde mental são: dependência química, depressão, transtorno psicótico, mania, paranoia, ilusão, irritabilidade, hostilidade e agressividade.6

Vale ressaltar que usuários de anabolizantes muitas vezes fazem uso inadequado de outras substâncias para suposta melhoria da aparência física, que também produzem efeitos psicoativos. Um exemplo seria o Potenay, um medicamento usado em bovinos para o aumento do tônus muscular, composto por um derivado de metanfetamina, o sulfato de mefentermina. No Brasil, é restrito ao uso veterinário.7

O sulfato de mefentermina tem uma ação estimulante, atua estimulando os receptores adrenérgicos, o que leva a um aumento da liberação de noradrenalina e, consequentemente, a um aumento da pressão arterial.

Existem relatos na literatura de dependência e abuso induzida pelo uso de sulfato de mefentermina. Em casos de abuso, o uso diário médio varia de 30 mg a 1.500 mg/dia. Nestes relatos são incluídos estados alterados de pressão arterial, frequência cardíaca e aparecimento ou não de psicoses.8

Os sintomas associados são de: Felicidade, aumento da força física, aumento da massa muscular, tremores nos membros distais, palpitações, irritabilidade, anorexia, insônia, alucinações, delírios, tentativas de suicídio, além de uma situação socio-ocupacional prejudicada. Desse modo, pode ocorrer o desenvolvimento de psicose crônica ou esquizofrenia em indivíduos geneticamente vulneráveis.9-10

Quadro 2: Efeitos adversos do sulfato de mefentermina

Fonte: Indice.11

Em casos criminais envolvendo usuários de anabolizantes é fundamental compreender os efeitos desta substância sobre o ato infracional, de forma retrospectiva. Para tanto, deve ser realizada perícia em psiquiatria forense e, de preferência e complementarmente, em psicologia jurídica, para avaliação dos impactos das repercussões psíquicas dos anabolizantes sobre os comportamentos do acusado.

Tanto peritos como assistentes técnicos das partes devem analisar para além dos efeitos psicológicos buscados por usuários de anabolizantes, que em geral são a diminuição da sensação de fadiga durante os treinos e do tempo de recuperação entre as sessões, de maneira a melhorar a performance.

Quando há dúvida sobre a sanidade mental do sujeito no momento do crime, esses profissionais devem investigar: Se o avaliado apresentava transtorno relacionado com anabolizantes, se este comprometeu sua capacidade de entendimento e/ou de determinação, e se o transtorno teve nexo de causalidade com o ato antijurídico.

No caso dos anabolizantes, os sintomas ou mesmo transtornos psicóticos associados, mania grave, poderiam impactar a capacidade de entendimento do examinado. Efeitos como a extrema violência e a depressão associada à agressividade poderiam prejudicar a capacidade de determinação do indivíduo.

Deve-se ressaltar que em perícias de casos penais relacionados com transtornos relacionados a substâncias existem muitos desafios práticos, como o fato não haver exames complementares que possam comprová-los de forma inequívoca, e o exame do estado mental na perícia poder se encontrar nos limites da normalidade, pois ocorre meses após o flagrante policial.

Assim, o perito deverá concluir a partir dos dados coletados o provável estado do indivíduo no momento do ato, através da análise de documentos de profissionais da saúde que atenderam o avaliando, da análise de conteúdos de materiais escritos, imagens, áudios e vídeos; entrevistas com fontes colaterais de informação, entre outras técnicas.

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1 Sales R e Diehl A. Anabolizantes. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeiraa  R. Dependência química : prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

2 Sales R e Diehl A. Anabolizantes. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeiraa  R. Dependência química : prevenção, tratamento e políticas públicas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.

3 Trenton AJ, Currier GW. Behavioural manifestations of anabolic steroid use. CNS Drugs. 2005. 19(7):571–95.

4 agonis TA, Angelopoulos NV, Koukoulis GN, Hadjichristodoulou CS. Psychiatric side effects induced by supraphysiological doses of combinations of anabolic steroids correlate to the severity of abuse. Eur Psychiatry. 2006. 21(8):551–62.

5 Consulta Remédios. Bula do Deca-Durabolin. Disponível em: https://consultaremedios.com.br/deca-durabolin/bula

6 Consulta Remédios. Bula do Deca-Durabolin. Disponível em: https://consultaremedios.com.br/deca-durabolin/bula

7 de Sousa HF, de Oliveira MF, da Costa Lima MD, de Oliveira JR. Mephentermine dependence without psychosis: a Brazilian case report. Addiction. 2010 Jun;105(6):1129-30.

8 Pinto DV. Alterações sistêmicas associadas ao uso do sulfato de mefentermina (Potenay) como estimulante-revisão. IX Encontro de Pesquisa de Pós-Graduação. 2017.

9 Gowda, Guru S.; Singh, Aditi; Ravi, Malvika; Math, Suresh Bada (2015). Mephentermine dependence syndrome – A new emerging trend of substance use. Asian Journal of Psychiatry, 17(), 101–102.

10 Henrique Faria De Sousa; Matheus Fernandes De Oliveira; Murilo Duarte Da Costa Lima; João Ricardo Mendes De Oliveira (2010). Mephentermine dependence without psychosis: a Brazilian case report. , 105(6), 1129–1130.

11 Índice. Mefentermina. https://www.indice.eu/pt/medicamentos/DCI/mefentermina/informacao-geral

Ana Carolina Schmidt de Oliveira
Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia lega e forense (UNED Espanha).

Hewdy Lobo
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.

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