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Estudos práticos sobre processo civil: Na peça de contrarrazões ao recurso, além de veicular matéria impugnativa, é possível formular pedidos?

Em contrarrazões de recurso, impugnação é prioridade; formular pedidos não é comum devido à natureza da tramitação recursal e suas regras específicas.

16/7/2024

Em mais um ensaio de “estudos práticos sobre processo civil”, abordarei um tema recorrente na prática forense.

Recentemente, me deparei com a pergunta posta no título do presente artigo: na peça de contrarrazões ao recurso, além de veicular matéria impugnativa, é possível formular pedidos?

É comum a existência de petições de contrarrazões onde ao final efetua-se pedidos ou pretensões em face da parte contrária, por exemplo como a revogação da concessão do benefício da gratuidade de justiça, a revogação da tutela antecipada recursal, bem como a majoração de valores postos em sentença condenatória.

Ocorre que, a tramitação processual em sede recursal não pode ser equiparada àquela de primeiro grau, onde há um maior detalhamento e uma maior preocupação com a atuação da parte ré, principalmente no que diz respeito ao oferecimento da peça de contestação, disparadamente a mais importante do processo e se oferecida em desobservância ao ônus da impugnação específica, tem efeitos irreversíveis em decorrência da atração da preclusão.

Isso se diz, em razão do principal efeito da ausência do seu oferecimento que é a revelia, presumindo-se verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.1

O sistema processual oferece alguns mecanismos para que o réu formule pedidos ao juízo.

No procedimento a ser seguido em primeiro grau de jurisdição, é facultado ao réu a apresentação de contestação (devendo ser entendida como um dever), podendo, na mesma peça processual ou em apartado formular pedidos em face do autor.

Ou seja, permite-se impedir o direito do autor, mas também pedir em seu proveito. Tanto o é que em casos de alegações impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor (defesas de mérito indiretas), a esse será oportunizada a manifestação em réplica.2

Porém, devem ser observadas as formas permitidas para tanto, não podendo o réu pedir de maneira desordenada. Caso quisesse, poderia ter ingressado em juízo como autor.

Observa-se que a reconvenção é meio apto para o réu manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa, sendo franqueada ainda a sua apresentação mesmo ante a ausência de contestação.

É um verdadeiro contra-ataque do réu, uma nova ação, possibilitando ao réu o papel de autor, tanto é que a desistência da ação principal não impede o seu julgamento.

Vejamos entendimento sedimentado pelo então desembargador Eduardo Alberto de Moraes Oliveira:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE COBRANÇA PELO RITO SUMÁRIO - DESPESAS DE CONDOMÍNIO - PRELIMINARES REJEITADAS. 1) IMPROCEDE PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA, POR CERCEAMENTO DE DEFESA, QUANDO INOCORRENTE, NOS AUTOS, ESSE DEFEITO INSTRUMENTAL. NO RITO SUMÁRIO O AUTOR TAMBÉM ASSUME A POSIÇÃO DE RÉU, EM RELAÇÃO AOS MESMOS FATOS, QUANDO ASSIM ENFOCADA, NA CONTESTAÇÃO. TRATA-SE, POIS, DE UMA AÇÃO INVERSA, TODAVIA, TUDO HÁ DE SE FAZER NOS PRECISOS DO PROCEDIMENTO. A RECONVENÇÃO, EM APARTADO E A TEMPO, PODE SER ACOLHIDA COMO TAL, PORÉM CUMPRE À PARTE PROVAR A ENTREGA EM JUÍZO DO EXPEDIENTE E, SEM ESSA CERTEZA, O ASPECTO NÃO IMPEDE O JULGAMENTO DEFINITIVO DA CAUSA, AINDA QUE ANTECIPADAMENTE, "MAXIME" DESNECESSÁRIA A DILAÇÃO PROBATÓRIA. 2) COMPROVADO "QUANTUM SATIS" O DÉBITO E O LIAME OBRIGACIONAL, CUMPRE AO JULGADOR ACATAR O PEDIDO DE COBRANÇA E CONDENAR O DEVEDOR AO RESPECTIVO PAGAMENTO.
(Acórdão 113685, 19980110245172APC, relator(a): EDUARDO DE MORAES OLIVEIRA, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 16/12/98, publicado no DJU SEÇÃO 3: 26/5/99. Pág.: 58)

Desse modo, o procedimento adequado para o réu formular pedido em sua contestação é através da reconvenção, a ser apresentada juntamente com aquela ou de maneira independente.

Todavia, existe a possibilidade do réu se valer de um pedido contraposto, sem a necessidade de apresentação de reconvenção. Essa modalidade é amplamente utilizada no rito dos Juizados Especiais, pelo fato de expressamente proibido o manejo de reconvenção.3

O pedido contraposto, do mesmo modo, pode ser manejado nas ditas ações dúplices, permitindo ao réu formular pedido no bojo da própria contestação. Deve-se observar que o pedido contraposto é simplificado se comparado à reconvenção, que pode ampliar consideravelmente o objeto da demanda, além de poder incluir terceiros.

Abaixo, elucidativo julgado prolatado pelo decano do TJ/DF, desembargador Getúlio de Moraes Oliveira:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA DE MENORES. NATUREZA DÚPLICE. PRINCÍPIOS EFETIVIDADE DO PROCESSO, INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS, CELERIDADE PROCESSUAL E FUNGIBILIDADE. RECONVENÇÃO. RECEBIMENTO COMO PEDIDO CONTRAPOSTO. FIXAÇÃO DO DOMICÍLIO PATERNO COMO O LAR DE REFERÊNCIA DOS MENORES. LITIGIOSIDADE GENITORES. NECESSIDADE INSTRUÇÃO DO FEITO. DECISÃO PARCIALMENTE REFORMADA. 1. O C. STJ já assentou que a ação de guarda de menor possui natureza dúplice, o que possibilita ao réu formular pedido contraposto independentemente de reconvenção (REsp 1.085.664/DF, relator ministro Luis Felipe Salomão, 4ª turma, julgado em 3/8/10, DJe de 12/8/10.). 2. É possível o recebimento da reconvenção como pedido contraposto, uma vez que ainda que não observada a forma legal, "o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade" (Art. 277 do CPC).

(...)

(Acórdão 1809707, 07274639820238070000, relator(a): GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª turma Cível, data de julgamento: 31/1/24, publicado no DJE: 19/2/24. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Portanto, em ações de natureza dúplice, permite-se a formulação de pedido contraposto. Destarte, são esses os meios para o réu formular pedido em face do autor quando o processo ainda tramita em primeiro grau, em que pese importar a forma e não a terminologia entre eles.4

Porém, o cenário processual muda de figura quando avança-se para o segundo grau de jurisdição, e, ainda que em analogia aos meios apresentados para formulação de pedido pelo réu em primeiro grau, volta-se a indagação do título do ensaio: na peça de contrarrazões ao recurso, além de veicular matéria impugnativa, é possível fazer pedidos contra o recorrente?

A resposta deve ser negativa. Há de se dizer que o procedimento recursal não espelha a tramitação da demanda perante o juízo singular, não sendo cabível a equiparação para se afirmar o cabimento de pedido formulado em contrarrazões.

Vejamos entendimento em consonância com as afirmações acima, do sempre elucidativo desembargador James Eduardo Oliveira, do TJ/DF:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PEDIDOS DEDUZIDOS EM CONTRARRAZÕES. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. OPINIÕES E CRÍTICAS À ADMINISTRAÇÃO. GRUPO DE WHATSAPP E FACEBOOK. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. DEVER DE INDENIZAR NÃO RECONHECIDO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA. I. Não pode ser conhecido pedido deduzido em contrarrazões, instrumento processual inadequado para incorporar pleito recursal autônomo do apelado, na esteira do que prescrevem os arts. 997, caput e § 1º, e 1.010, inciso IV e § 1º, do CPC. II. Dada a ausência de ilicitude, não se pode infligir condenação por dano moral a condôminos que expressam opiniões, críticas e desconfianças a respeito da administração do condomínio edilício nos canais internos de comunicação, consoante a inteligência dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil.  III. Em se tratando de sentença de improcedência, não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, os honorários de sucumbência devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o valor atualizado da causa, consoante o disposto no artigo 85, §§ 2º e 6º, do CPC. III. Se o valor da causa não pode ser considerado muito baixo, não há espaço interpretativo para o arbitramento dos honorários advocatícios com base na métrica equitativa do § 8º do art. 85 do CPC. IV. Apelação conhecida e parcialmente provida.   
(Acórdão 1795552, 07383033820218070001, relator(a): JAMES EDUARDO OLIVEIRA , 4ª turma Cível, data de julgamento: 30/11/23, publicado no DJE: 28/2/24. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Aliás, a contestação e as contrarrazões ostentam finalidade semelhante, qual seja controverter/impugnar os fundamentos iniciais ou recursais, mas com efeitos absolutamente distintos.

A ausência de contestação implica em sérias consequências e podemos mencionar a revelia e a preclusão (perda da oportunidade de alegação posterior) de determinadas matérias.

Já a ausência de contrarrazões não caracteriza a revelia recursal, fenômeno inexistente no mundo jurídico em razão da ausência de previsão legal. Logo a inércia do recorrido não se mostra capaz de atribuir presunção de veracidade aos fundamentos recursais.

Como visto, a amplitude das possíveis ações do réu em contestação com a consequente possibilidade de formulação de pedidos não é estendida para a seara recursal.

A propósito, caso o recorrido não se utilize dos meios processuais adequados para formular pedidos em face do recorrente ou impugnar decisões judiciais, perderá a oportunidade de fazê-lo, mostrando-se inviável a sua insurgência em sede de contrarrazões e isso tem consequências para o jurisdicionado.

Como exemplo, sirvo-me de uma situação prática:

Autor ingressa com demanda para condenar o réu a indenizá-lo a título de danos morais e materiais, em razão de ato ilícito cometido. O pedido de tutela provisória de urgência antecipada é formulado em razão do receio de o réu ocultar valores e patrimônio com intuito de dificultar o eventual e futuro cumprimento da condenação. O juízo profere decisão interlocutória indeferindo o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em razão disso o autor recorre em agravo de instrumento ao tribunal, com pedido de antecipação de tutela antecipada recursal para que seja reformada a decisão de origem e produza efeitos imediatamente até o julgamento do recurso. O desembargador relator profere decisão deferindo o pedido liminar e na mesma decisão intima o réu para oferecer contrarrazões. O réu não recorre da decisão concessiva da tutela antecipada recursal, deixando de interpor agravo interno e apenas faz o pedido em contrarrazões ao agravo de instrumento requerendo a revogação da liminar recursal ante relevantes fundamentos. Nesse caso, o pedido formulado em contrarrazões sequer será conhecido, posto que deveria ter sido veiculado em instrumento processual próprio, o recurso. Em razão disso, o réu terá de suportar os efeitos da decisão superficial, o que irá lhe causar enormes transtornos.

Por essa razão é que o advogado constituído deve ter a máxima atenção para não atentar contra os interesses do seu constituinte, causando-lhe sérios prejuízos, inobservando questão que parece simples à primeira vista, mas que pode acarretar relevantes consequências processuais e materiais.

Nesse quadrante, merece destaque que a instrumentalidade das formas, principio processual larga e exageradamente difundido não poderá ser aplicado, de modo que a formulação de pedido em contrarrazões constitui erro insanável, acarretando a perda da oportunidade pela preclusão temporal de se realizar pelos meios corretos.

Outro exemplo na prática merece luzes, vejamos o seguinte julgado:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. DEDUÇÃO DE PEDIDO NAS CONTRARRAZÕES. DESCABIMENTO. TRANSPORTE AÉREO. CANCELAMENTO DE VOO. READEQUAÇÃO DA MALHA AÉREA. EVENTO DE FORÇA MAIOR. COMPANHIA AÉREA QUE NÃO DISPONIBILIZA ADEQUADAMENTE AS ALTERNATIVAS PREVISTAS NO ART. 21 DA RESOLUÇÃO ANAC 40/16. CONSUMIDOR QUE CONTRATA TRANSPORTE TERRESTRE PARA CHEGAR AO DESTINO DA VIAGEM. DANO MORAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO. RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. I. Não pode ser conhecido pedido de majoração da indenização por dano moral deduzido em contrarrazões, instrumento processual inadequado para incorporar pleito recursal autônomo do apelado, na esteira do que prescrevem os arts. 997, caput e § 1º, e 1.010, inciso IV e § 1º, do CPC. II. De acordo com a inteligência dos artigos 21, inciso XII, alínea "c", e 37, § 6º, da Constituição Federal, dos arts. 14 e 22 do CDC e do art. 256, caput, do Código Brasileiro de Aeronáutica, a companhia aérea responde objetivamente por danos provenientes de falha na prestação dos serviços.  III. Cancelamento de voo devido à readequação da malha aérea pelos órgãos de controle do tráfego aéreo constitui evento de força maior que exclui a responsabilidade civil da companhia aérea, consoante prescreve o artigo 256, inciso II e §§ 1º, inciso II, e 3º, Código Brasileiro de Aeronáutica. IV. Cabe à companhia aérea comprovar que, em razão do cancelamento justificado do voo, ofereceu ao consumidor as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, nos termos do art. 21 da Resolução ANAC 400/2016. V. Sofre dano moral o consumidor que, devido à ausência de oferta adequada das alternativas contempladas no artigo 21 da Resolução ANAC 400/2016 pela companhia aérea, vê-se na contingência de empreender viagem de mais de 800 quilômetros por transporte terrestre, em circunstâncias adversas, para chegar ao destino final da viagem contratada. VI. Ante as particularidades do caso concreto, não pode ser considerada excessiva compensação por dano moral arbitrada em R$ 5.000,00 para cada consumidor. VII. Apelação conhecida e desprovida.   
(Acórdão 1769248, 07304910820228070001, relator(a): JAMES EDUARDO OLIVEIRA , 4ª turma Cível, data de julgamento: 5/10/23, publicado no PJe: 19/12/23. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

No caso, o recurso de apelação restou desprovido, porém os apelados não recorreram e apenas em sede de contrarrazões apresentaram o pedido de majoração da indenização arbitrada a título de danos morais.

Deveriam tê-lo feito por instrumento recursal próprio ou adesivo, o que evitaria a perda da oportunidade da majoração pleiteada.

Assim, as contrarrazões recursais têm o único fim de impugnar a matéria veiculada no recurso, não ostentando a mínima capacidade de viabilizar para a parte recorrida qualquer pretensão ou ataque à decisão recorrida.

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1 Artigo 344, do Código de Processo Civil

JOSÉ FREDERICO MARQUES, Instituições de Direito Processual Civil, Vol. III, Revista, atualizada e complementada por Ovídio Rocha Barros Sandoval, Millennium, 2000, p. 240/241

Artigo 31, da Lei 9.099/95

Recurso Especial 1.940.016/PR

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira
Advogado e especialista em direito processual civil.Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Processo Civil OAB/DF.

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