Encontra-se em discussão atualmente a PEC 65/2023 que, entre outras medidas, pretende transformar o BCB em uma empresa pública. Contrários a essa mudança radical, publicamos alguns textos aqui mesmo neste “Migalhas"1. A última novidade, a ser fortemente rechaçada corresponde a um jabuti inserido na referida PEC que teria o objetivo de blindar cartórios.2
A carona de que muitos oportunistas se utilizam para obterem uma proteção legal às escondidas tem sido designada como jabutis, que são colocados nos galhos de um projeto de lei, o que é muito estranho, sabendo-se que jabuti não dá em árvores. O segredo do sucesso da jabutizada está em manter o tal quelônio escondido de alguma forma, procurando fazê-lo passar despercebido. Dado o significativo acesso à informação legislativa, está ficando difícil ocultar um ato maldoso dessa natureza, como é o presente caso, especialmente porque a pretendida reforma do BCB tem sido objeto de um escrutínio geral por parte de todos os interessados, uns a favor, outros contra.
Os autores dessa façanha zoológica, segundo a notícia indicada, foram cartórios que estariam se sentindo potencialmente prejudicados pela futura criação de uma moeda digital ora em construção pelo BCB, o Drex, que está longe de sua finalização.
Uma dos esperados resultados do Drex estará na simplificação (e, consequentemente redução de custo em um ambiente seguro) da realização de algumas operações, como a compra e venda de automóveis e de imóveis, tornando-se desnecessária a intervenção dos cartórios. Significa dizer que está presente uma intenção de se estabelecer uma prévia reserva de mercado, o que se revela inaceitável em vista da identificação da existência de elevado interesse público contra o seu objetivo.
O processo de desintermediação na atividade econômica está em pleno andamento, destacando-se ser um objeto de agências reguladoras, entre as quais o BCB e o CADE, tendo e vista que o aumento da concorrência em tese provocará a redução da taxa de juros, alvo benéfico para a coletividade em geral. Se o Drex apresentar esse efeito ele será muito bem vindo e será largamente comemorado, tal como aconteceu com o Pix.
Sabe-se que a PEC 65/23 tem enfrentado sérias objeções e o acolhimento do dito jabuti pelo Senador Plínio Valério, o seu relator, teria por objeto a conquista de votos dentro da Comissão de Constituição e Justiça, o que não se revela uma atitude lamentável de troca.
Receia-se que outros jabutis possam ser plantados nessa PEC que, em primeiro lugar, deveria ser rejeitada senão totalmente, ao menos em diversos de seus dispositivos, uma vez poderá redundar na criação de um monstro monetário, despido dos necessários elementos para a sua atuação eficaz.
E por outro lado, não é novidade que bancos centrais autônomos são rejeitado por muitos governantes e políticos, ignorantes da sua existência essencial, ou tão somente interessados em obter vantagens pessoais pela realização de suas concepções econômicas disparatadas, como é o caso do novo aforisma nascido a partir desse entendimento: “gasto é vida”.
Os sonhos e devaneios desses agentes são o de ter um banco central na sua algibeira e uma diretoria que possa ser chamada de sua. Não aceitam uma separação institucional de um órgão cuja atuação mediante o exercício de política monetária adequada é a de entregar aos cidadãos uma moeda estável, sendo outra das absurdas concepções em voga a de que um pouco de inflação faz bem à economia. Eles não querem saber que tanto não existe meia inflação, como também não existe gravidez pela metade.
Por enquanto ficamos por aqui, mas há muito o que se falar contra essa PEC, com ou sem jabutis.
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1 “Banco Central do Brasil: navegando em mar revolto na terra plana” (18.06.24); “O Banco Central do Brasil como empresa pública: com a corda no pescoço e o banquinho balançando” (16.04.24); “Receita para detonar o Banco Central do passado, do presente e do futuro” (28.03.24).
2 Cf. “Jabuti inseridok na PEC DO BC blinda cartórios”, in Jornal Folha de São Paulo de 02.03.24.