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Propriedade intelectual e a aplicação do princípio da função social

O conceito de propriedade envolve direitos fundamentais, definidos pelo Código Civil e protegidos pela Constituição Federal, garantindo uso, gozo e disposição de bens.

27/6/2024

Propriedade

O conceito de propriedade é enfrentado por diversos doutrinadores, já que o Código Civil (art. 1.228) indica o conceito de proprietário e não de propriedade.

Caio Mario1 define propriedade como “Direito real por excelência, direito subjetivo padrão, ou direito fundamental, a propriedade mais se sente do que se define”.

Clóvis Beviláqua2 entende como “sendo o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física”.

Já Maria Helena3 ensina como sendo “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindica-lo de quem injustamente o detenha”. 

Esse importante direito (a propriedade) está definido em nossa Constituição Federal em diversos artigos que trazem à sociedade uma grande variedade de proteções.

O art. 5° da Constituição Federal entrega ao individuo a garantia fundamental da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da segurança e da propriedade.

O seu décimo inciso define como invioláveis os direitos a personalidade, assegurando, além da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem e a indenização por danos materiais. A contrário sensu, podemos interpretar que qualquer lesão ao patrimônio poderá ser objeto de responsabilização civil.4

Tendo como base as garantias fundamentais e o direito a personalidade supracitados devemos entender que qualquer descumprimento a estes importantes institutos, resulta em uma direta lesão a um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana.5

Em um rápido conceito podemos definir a dignidade humana como a não utilização do ser humano como instrumento e a sua capacidade de autodeterminação, livre de impedimentos externos. Extrai-se este conceito da escolha feita pelo legislador ao não definir a “dignidade humana” como garantia fundamental, mas sim como fundamento do Estado Democrático de Direito.

A existência digna exige mínimas condições patrimoniais, pois sem elas impossível, num mundo capitalista, a prática de simples atos diários como alimentar-se, ter acesso a um tratamento médico, utilizar o transporte para o trabalho e possuir uma moradia com condições mínimas de salubridade, segurança e conforto.

Neste sentido, o artigo 6°, IV, CF, garante ao trabalhador um salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte.

Eduardo Cambi6 ensina que

Pela dimensão ontológica, o valor da pessoa humana exige respeito incondicional por si só, não sendo relevantes os contextos integrantes e nem as situações sociais que ela se insira. Embora a pessoa viva em sociedade, sua dignidade pessoal não pode ser sacrificada em nome da comunidade que esteja envolvida, porque a dignidade e as responsabilidades pessoais não se confundem com o papel histórico-social do grupo ou da classe que faça parte.

A dignidade humana deve ser considerada, portanto, um valor inalienável, irrenunciável e intransmissível. Embora seja subjetiva em sua plenitude por ser decorrente da autonomia da vontade, o Estado deve a tutelar, e o faz, também, preservando o patrimônio mínimo existencial.

Sobre este tema, Konder Comparato7 leciona que

A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ela própria edita.

Inegável, pela posição constitucional dada à propriedade e aos seus reflexos, a sua importância e amplitude de aplicações na sociedade.

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1 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 18 ed. Rio de Janeiro: Florense. 2004. P 109.

2 BEVILÁQUA, Clovis. Direito das Coisas. Coleção Histórica do Direito das Coisas. Brasilia: Senado Federal.  2003. P 127.

3 DINIZ, Maria Helena. Cpidigo Civil anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 848.

4 Art. 186. CC. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

5 Art. 1º, CF A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

III - a dignidade da pessoa humana

6 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessuaismo: direitos fundamentais, politicas publicas e protagonismo judiciário. 4° ed. Belo Horizonte: D Plácido. 2023, p. 124.

7 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2. Ed. rev. atul. ampl. São Paulo: Saraiva. 2001.

David Gomes
Advogado mestrado pela Fadisp e especialista em Direito Imobiliário pela EPD. Consultor de diversos condomínios, construtoras e loteadoras. Desenvolvedor do @gomesdavidp e de diversos cursos.

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