Com eventos climáticos extremos ocorrendo com frequência cada vez maior, diversos setores da economia mundial têm implementado ações para a redução da emissão de GEE - gases de efeito estufa. Na aviação não é diferente, em 2010, a OACI - Organização de Aviação Civil Internacional, estabeleceu a meta de melhoria da eficiência energética em 2% ao ano e o crescimento neutro em emissões a partir de 2020. A ideia era adotar os níveis de emissões de 2020 como parâmetro, porém devido aos efeitos da pandemia de Covid-19, a baseline foi alterada para 85% das emissões de 2019.
Para atingir essas metas, a OACI aprovou em 2016 a Resolução que criou o Esquema de Redução e Compensação de Emissões da Aviação Internacional (em inglês, Carbon Offseting and Reduction Scheme for International Aviation – CORSIA/ICAO). O CORSIA é uma norma internacional, aplicável entre os países membros da OACI, cujo objetivo central “é complementar os esforços de mitigação de emissões de GEE do setor de aviação civil internacional e limitar qualquer aumento das emissões totais de CO2 acima dos níveis fixados no ano de 2020”.1
Destaca-se que por se tratar de norma internacional, aplicável, portanto, entre países, cada estado membro da OACI que aderir ao CORSIA deve internalizar as normas em seu ordenamento jurídico, de modo a conferir eficácia e obrigatoriedade a seus nacionais. No Brasil, é a ANAC, que possui a competência para regulamentar a matéria.
A implementação do CORSIA se dará em 3 fases: a fase piloto (entre 2021 e 2023), a primeira fase (entre 2024 e 2026) e a segunda fase (entre 2027 e 2035). As duas primeiras são voluntárias e a última é obrigatória para todos os países aderentes.
Apesar de o Brasil não ter se voluntariado nas primeiras fases, desde 2018, os operadores aéreos brasileiros devem monitorar suas emissões de GEE em voos internacionais2.
A nova Resolução da ANAC: Resolução 743/24.
A Resolução 743, de 15/5/24, regulamenta o monitoramento, o reporte, a verificação e a compensação das emissões de dióxido de carbono (CO2) relativos às operações internacionais no âmbito do CORSIA.
Os operadores aéreos que emitirem mais de 10 mil toneladas de CO2 por ano em etapas internacionais, mediante utilização de aviões com peso máximo de decolagem acima de 5.700kg, são obrigados a monitorar as emissões, de forma semelhante ao que já ocorria desde 2019.
Esses operadores deverão elaborar um Plano de Monitoramento de Emissões e submetê-lo à aprovação da ANAC. Além disso, anualmente deverão encaminhar à Agência um Relatório de Emissões, acompanhado de um parecer de verificação. Esses dados serão compilados e encaminhados para a OACI.
A ANAC calculará a obrigação total de compensação de emissões de CO2 do operador aéreo referente a um ciclo conformativo, de modo a calcular a quantidade total de obrigação de compensação.
A partir daí, o operador deverá realizar a compensação necessária e comprovar, por meio do encaminhamento à ANAC de um relatório de compensação e de um parecer de verificação elaborado por um organismo verificador independente.
Forma de compensação
A compensação de emissões de GEE deverá ser realizada por meio do mercado de créditos de carbono. Assim, o operador deverá comprar os créditos e registrar o cancelamento das unidades de emissão no sistema disponibilizado pela OACI.
A imagem abaixo representa o ciclo de compensação das emissões:
A ANAC calculará as obrigações de compensação dos operadores nos ciclos conformativos. De posse desses dados, os operadores realizarão a compra dos créditos de carbono e registrarão o cancelamento das emissões. Em seguida, enviarão para a ANAC o relatório de compensação, acompanhado do parecer de verificação. A ANAC, por sua vez, encaminhará à OACI. Tudo se repetirá no próximo ciclo.
Vale destacar que o mercado de créditos de carbono é uma iniciativa de mercado visando incentivar a criação de projetos sustentáveis. As empresas que não conseguem deixar de emitir CO2, compram créditos de empresas/projetos que compensam essas emissões.
Uso de combustíveis sustentáveis na aviação civil internacional
Os combustíveis sustentáveis (em inglês, sustainable aviation fuel – SAF) são combustíveis cujos ciclos de vida possuem emissões de GEE consideravelmente inferiores ao querosene de aviação (QAV). Eles têm uma importante função no ciclo de compensação de emissões de GEE na aviação, pois são considerados fatores de redução de obrigação de compensação, de modo que diminuem a quantidade de créditos de carbono que a empresa deve comprar para compensar suas emissões.
Assim, durante o cálculo do total de obrigação de compensação, eles serão subtraídos do total calculado, reduzindo a quantidade de compensações do operador. Desse modo, “caso o operador aéreo utilize 100 kg de um combustível sustentável cujas emissões de ciclo de vida correspondam a 70% das emissões do QAV que o operador utiliza normalmente, este operador poderá reduzir suas obrigações de compensação em 30% das emissões equivalentes a 100 kg de QAV”3.
Portanto, o CORSIA criou um mecanismo de incentivo ao uso de SAF, que deve gerar um aumento grande na demanda por esse tipo de combustível.
Essa inciativa está alinhada com a prosta do PL 18/73/21, Programa Nacional dos Combustíveis Avançados e Renováveis (também conhecido como Programa Combustíveis do Futuro). Aprovado na Câmara dos Deputados, tramita agora no Senado Federal. Se for aprovado sem alterações, seguirá para sanção do presidente da república.
Conclusão
O setor da aviação civil, assim como outros setores da economia, tem desenvolvido seus projetos para a redução das emissões de GEE. A iniciativa mais importante é o CORSIA, que busca criar uma aviação internacional neutra em carbono.
A forma estabelecida pela OACI, e internalizada no Brasil pela ANAC, utiliza mecanismos de mercado, a exemplo do mercado de créditos de carbono e o incentivo ao uso de SAF, como forma de compensar as emissões do setor.
Desse modo, a aviação contribui para a criação de projetos sustentáveis globais e para o desenvolvimento de novas tecnologias de combustíveis sustentáveis.
Em relação ao SAF, cuja demanda deve aumentar bastante, o Brasil tem grande potencial de se tornar um dos protagonistas na sua produção, em razão da grande força do agronegócio.
Apesar de o Brasil ser obrigado a seguir as normas do CORSIA somente a partir de 2027, a ANAC já se adiantou e aprovou uma Resolução com as regras para o monitoramento e a compensação de emissões de GEE, cuja vigência tem início em 1/1/25, o que demonstra o compromisso do país com o desenvolvimento sustentável.
1 Pedro Soares; Mariano Colini Cenamo. Esquema de redução de emissões da Aviação Civil Internacional (CORSIA/ICO): desafios e oportunidades. São Paulo: IDESAM, 2018. P. 9. Acesso em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://idesam.org/publicacao/corsia-oportunidades-para-o-brasil-v2.pdf. Acessado em 16/05/2024.
2 Em 2018, a ANAC aprovou a Resolução nº 496/2018, instituindo a obrigatoriedade de monitoramento das emissões de GEE nos voos internacionais da cias aéreas brasileiras. A nova Resolução a revogou, mas também incorporou suas disposições, de modo que a obrigação de monitoramento permanece em vigor.
3 Processo nº 00058.064875/2021-15, Nota Técnica nº 4/2023/GEAC/SAS, parágrafo 3.14.8