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Planejamento patrimonial e sucessório: Cuidados na tributação para empresas e investidores

Não existe uma solução única e universal para o planejamento patrimonial e sucessório. Cada situação deve ser analisada individualmente, considerando as peculiaridades e objetivos dos envolvidos. É essencial um planejamento meticuloso, que contemple todos os aspectos tributários para evitar surpresas desagradáveis e otimizar a carga tributária de forma legítima.

20/6/2024

Introdução

Desde a promulgação da Emenda Constitucional 132, conhecida como reforma tributária, o cenário tributário brasileiro tem passado por mudanças significativas. Um dos principais impactos é a introdução da progressividade no ITCMD - imposto sobre transmissão causa mortis e doação, o que gera a necessidade de um planejamento patrimonial e sucessório eficaz, especialmente para famílias com patrimônios relevantes. Este artigo explora as nuances e os cuidados necessários nesse contexto, destacando como empresários e investidores podem se preparar para minimizar os impactos tributários e garantir uma sucessão tranquila.

Evolução do ITCMD e Implicações

A reforma tributária trouxe à tona a importância do planejamento sucessório devido à progressividade do ITCMD. Estados como São Paulo e Mato Grosso do Sul, que atualmente aplicam alíquotas fixas, deverão adotar a progressividade, resultando em alíquotas mais baixas para heranças e doações menores e mais altas para transferências de patrimônio expressivo. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota pode dobrar de 4% para 8%, conforme o PL 7/24 em trâmite na Assembleia Legislativa.

Além disso, o Senado Federal fixa as alíquotas máximas para o ITCMD, com a Resolução 9/92 estabelecendo uma alíquota máxima de 8%. No entanto, o Projeto de Resolução 57/19 propõe aumentar essa alíquota para 16%, potencializando o impacto tributário para patrimônios significativos.

Planejamento patrimonial: Estratégias e riscos

Para mitigar os impactos do ITCMD, é comum recomendar a constituição de uma pessoa jurídica para centralizar e gerenciar os imóveis da família, transformando-se em uma holding que pode exercer atividades econômicas como imobiliária ou produção rural. Os genitores podem então doar ações ou quotas dessa pessoa jurídica aos herdeiros, aproveitando as alíquotas atuais do ITCMD.

Porém, essa estratégia deve ser cuidadosamente analisada, pois pode gerar consequências desvantajosas em relação a outros tributos, como o IR - Imposto de Renda. A transferência de imóveis para uma pessoa jurídica configura uma alienação, podendo resultar na apuração de ganho de capital e na incidência de IR com alíquotas de 15% a 22,5%.

Integralização de capital e imposto de renda

A legislação federal permite que a integralização de capital de bens e direitos seja realizada pelo valor da declaração de bens ou pelo valor de mercado (art. 23, caput, da lei 9.249/95). A integralização pelo valor da declaração de bens pode evitar a incidência de IR, mas essa solução não é isenta de riscos. Há regras específicas sobre a tributação do ganho de capital na transferência de imóveis que não podem ser ignoradas.

As leis 7.713/88 e 11.196/05 estabelecem fatores de redução do ganho de capital para imóveis adquiridos entre 1969 e 1988 e para alienações realizadas por pessoas físicas, respectivamente. A perda desses benefícios na integralização de imóveis a valor histórico pode resultar em um custo tributário significativo no futuro.

Considerações sobre o ITBI

Outro tributo relevante no planejamento sucessório é o ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. A Constituição prevê exceções para a não incidência do ITBI em integralizações de capital, fusões, incorporações, cisões ou extinções de pessoas jurídicas, exceto quando a atividade preponderante for a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de imóveis (art. 156, § 2º, I).

Contudo, a interpretação dos tribunais após o julgamento do RE 796.376/SC pelo STF limita a não incidência do ITBI ao montante do capital integralizado, permitindo a cobrança do ITBI sobre a diferença entre o valor da integralização e o valor de mercado do imóvel.

Estratégias avançadas de planejamento patrimonial

Além das estratégias básicas, existem abordagens mais complexas e sofisticadas para o planejamento patrimonial e sucessório. Empresas familiares podem considerar a criação de fundações privadas ou trustes, estruturas comuns em jurisdições internacionais, mas que começam a ganhar espaço no Brasil. Essas estruturas podem oferecer vantagens significativas em termos de proteção de ativos, eficiência fiscal e continuidade empresarial.

Criação de fundações privadas

As fundações privadas são entidades jurídicas que podem ser utilizadas para gerir e proteger patrimônios familiares. Uma vez estabelecida, a fundação detém e administra os bens em conformidade com os desejos do fundador, proporcionando uma camada adicional de proteção contra credores e disputas familiares. Além disso, fundações podem ter benefícios fiscais, dependendo da estrutura e das atividades realizadas.

Trustes e proteção de ativos

Os trustes são instrumentos legais que permitem a transferência de ativos para um fiduciário, que administra esses ativos em benefício dos beneficiários designados. No contexto brasileiro, embora a legislação específica para trustes seja limitada, é possível utilizar estruturas semelhantes através de contratos bem elaborados. Os trustes podem ser eficazes para proteger ativos de riscos empresariais e familiares, garantindo que os bens sejam utilizados conforme a intenção do instituidor.

Aspectos jurídicos e contratuais

O planejamento patrimonial e sucessório também envolve uma série de considerações jurídicas e contratuais. É crucial garantir que todos os documentos legais, como testamentos, acordos de sócios e contratos de doação, estejam adequadamente elaborados e registrados. A falta de documentação adequada pode resultar em litígios prolongados e custosos, além de comprometer a eficácia do planejamento sucessório.

Testamentos e acordos de sócios

A elaboração de um testamento claro e detalhado é fundamental para evitar disputas sucessórias. Testamentos devem ser atualizados regularmente para refletir mudanças nas circunstâncias familiares e patrimoniais. Além disso, para empresas familiares, é vital que os acordos de sócios estabeleçam diretrizes claras para a sucessão empresarial, garantindo a continuidade dos negócios.

Contratos de doação e planejamento tributário

Contratos de doação são ferramentas essenciais no planejamento sucessório, permitindo a transferência de bens ainda em vida, aproveitando as alíquotas atuais do ITCMD. No entanto, é importante considerar as implicações tributárias de tais doações e garantir que os contratos estejam em conformidade com a legislação vigente para evitar problemas futuros.

Planejamento financeiro e gestão de ativos

Além dos aspectos tributários e jurídicos, o planejamento patrimonial eficaz deve incluir uma robusta estratégia financeira e de gestão de ativos. Isso envolve a diversificação de investimentos, a gestão de liquidez e a preparação para contingências econômicas.

Diversificação de Investimentos

Manter uma carteira de investimentos diversificada é crucial para proteger o patrimônio contra riscos de mercado. Famílias empresariais devem considerar a diversificação entre diferentes classes de ativos, como imóveis, ações, títulos de renda fixa e investimentos internacionais. A diversificação ajuda a mitigar riscos e a maximizar retornos ao longo do tempo.

Gestão de liquidez e preparação para contingências

A gestão de liquidez é essencial para garantir que a família possa cumprir suas obrigações financeiras sem comprometer o patrimônio a longo prazo. Isso inclui a manutenção de reservas de emergência e a previsão de eventos inesperados, como crises econômicas ou mudanças na legislação tributária.

Exemplos práticos e estudos de caso

Para ilustrar a aplicação das estratégias discutidas, vamos analisar alguns exemplos práticos e estudos de caso de empresas familiares e investidores que implementaram um planejamento patrimonial e sucessório eficaz.

Caso 1: Família empresarial no setor imobiliário

Uma família com um vasto portfólio de imóveis decidiu criar uma holding imobiliária para gerir seus ativos. Eles transferiram os imóveis para a holding utilizando o valor da declaração de bens para evitar a incidência imediata de IR. Ao longo do tempo, a holding diversificou suas atividades, incluindo a administração de propriedades e a prestação de serviços imobiliários, garantindo uma gestão profissional e eficiente dos ativos familiares.

Caso 2: Empresário do setor agrícola

Um empresário do setor agrícola, preocupado com a carga tributária futura, optou por criar uma fundação privada para gerir suas propriedades rurais. A fundação foi estruturada para reinvestir os lucros na expansão das atividades agrícolas e na preservação do meio ambiente. Além de proteger o patrimônio contra disputas sucessórias, a fundação também proporcionou benefícios fiscais e melhorou a governança dos negócios familiares.

Caso 3: Investidor internacional

Um investidor com ativos em diversos países criou um truste internacional para proteger seu patrimônio e garantir uma sucessão tranquila. O truste foi estabelecido em uma jurisdição com vantagens fiscais e regulatórias, permitindo uma gestão eficiente e a proteção contra riscos políticos e econômicos. O investidor nomeou fiduciários profissionais para gerir o truste, garantindo que seus desejos fossem cumpridos e seus herdeiros devidamente amparados.

Conclusão

Não existe uma solução única e universal para o planejamento patrimonial e sucessório. Cada situação deve ser analisada individualmente, considerando as peculiaridades e objetivos dos envolvidos. É essencial um planejamento meticuloso, que contemple todos os aspectos tributários para evitar surpresas desagradáveis e otimizar a carga tributária de forma legítima.

Empresários e investidores devem buscar assessoria especializada para navegar pelas complexidades tributárias e garantir que suas estratégias de sucessão sejam tanto eficazes quanto eficientes. O planejamento patrimonial cuidadoso é fundamental para preservar o patrimônio e assegurar uma transição tranquila e ordenada para as futuras gerações.

Lucas Parreira
Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis Metta. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.

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