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Requisitos da cláusula compromissória em contratos de franquia

A cláusula compromissória no contrato de franquia, a despeito de ser permitida, deve seguir os requisitos da art. 4º, § 2º, da lei de arbitragem, sob pena de ser considerada nula.

12/6/2024

i. A lei 9.307/96 (“lei de arbitragem”)

1. Desde o advento da lei 9.307/96 (“lei de arbitragem”), é possível a resolução conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis por meio da arbitragem, cuja sentença possuirá força de título executivo judicial (art. 515, VII do Código de Processo Civil).

2. A despeito da maior flexibilidade do procedimento, a arbitragem deve respeitar premissas fundamentais, sob pena de sua sentença ser considerada nula, nos termos dos incisos do art. 32 da lei de arbitragem.

3. Dentre estas, pode-se mencionar:

  1. A matéria ser passível de ser julgada por arbitragem (arbitralidade);
  2. Os árbitros devem agir de forma independente e isenta;
  3. As regras escolhidas pelas partes não podem ofender a ordem pública e os bons costumes;
  4. As partes devem expressamente consentir a submeter seu conflito à via arbitral, o que é feito por meio da convenção arbitral, que compreende o compromisso arbitral e a cláusula compromissória (art. 3º da lei de arbitragem).

4. Conquanto aquela, nos termos do art. 9º da lei de arbitragem seja o mútuo acordo para resolução pela via arbitral após o surgimento de litígio (judicial ou extrajudicial), está é “a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato” (art. 4º da lei de arbitragem).

ii. A lei 13.966/19 (“lei de franquia”) e a via arbitral

5. Dentre as discussões acerca da validade da convenção arbitral, um ponto sensível é a existência da cláusula compromissória em contrato de franquia, que é uma espécie de contrato empresarial de adesão, atualmente regulamentado pela lei 13.966/19 (“lei de franquia”).

6. Por essa peculiaridade, entende o STJ que a cláusula compromissória no contrato de franquia, a despeito de ser permitida (art. 7º da lei de franquia), deve constar em documento anexo ou em negrito, contando com uma assinatura ou visto específica do aderente, sob pena de ser considerada uma cláusula “patológica” (nula), por violação ao art. 4º, § 2º, da lei de arbitragem.1

7. A experiência prática mostra que é acertada a posição do STJ que, ao mesmo tempo em que respeita a autonomia privada, observa as limitações da lei em razão da vulnerabilidade do aderente, que não poderá discutir as cláusulas contratuais impostas.2

8. Cumpre destacar que os arts. 423 e 424 do Código Civil, por essa mesma ratio, conferem proteção especial ao aderente em contratos de adesão, como explica o prof. Flávio Tartuce:

"Reconhecida a necessidade de uma menor intervenção nos contratos paritários no atual sistema jurídico – sejam civis ou empresariais -, voltando-se à essência do art. 421-A, o seu caput consagra uma presunção relativa ou iuris tantum de paridade e de simetria econômica nessas figuras. Todavia, sendo evidenciado que o contrato é de adesão

– o que pode não decorrer não só de prova construída pela parte interessada, mas também das práticas e da realidade do meio social -, afasta-se essa presunção, o que justifica a incidência das regras".

9. Conquanto não se descuide do argumento de que vulnerabilidade deve ser entendida restritivamente, limitando-se aos casos em que fique comprovada a hipossuficiência e o prejuízo do aderente, no caso de contrato de franquia, não há dúvidas da necessidade de exigência de respeito à regra do art. 4º, § 2º da lei de arbitragem.3

10. O franqueado, em sua grande maioria das vezes, não possui acompanhamento jurídico quanto da celebração do contrato de franquia. Na verdade, o conhecido perfil do franqueado é indivíduo que, apesar de não possuir experiência empresarial, quer investir em um negócio preestabelecido por longo prazo.

11. Além disso, suas atenções estão focadas nas inúmeras informações da circular de oferta que compõem o contrato de franquia, muitas das quais fogem de seu (limitado) conhecimento técnico. É razoável supor, nesse contexto, que o franqueado sequer tenha ciência da existência da cláusula compromissória ou de suas consequências quando da assinatura do contrato de franquia.

 iii. Conclusão

12. Portanto, como entende o STJ, é indispensável que a via arbitral seja destacada, nos termos do art. 4º, § 2º da lei de arbitragem, para o franqueado tenha a oportunidade de colher informações acerca das consequências de submissão do litígio à via arbitral, o que poderá ser determinante em sua tomada de decisão de investimento no negócio.

13. Afinal, o fracasso do negócio por culpa de uma da partes é uma possibilidade concreta, e os custos da via arbitral poderão inviabilizar a defesa do franqueado no procedimento arbitral, o que representaria inaceitável violação ao princípio do efetivo acesso à justiça.

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“O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não há relação de consumo, mas de fomento econômico. 3. Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96. 4. O Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral "patológico", i.e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral. (REsp 1.602.076/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, 3ª Turma, j. 15.09.2016)

Ainda nas palavras do Prof. Flávio Tartuce: “O contrato de adesão é aquele em que as cláusulas contratuais são predispostas por uma das partes, de forma plena ou restrita, restando à outra a opção de aceita-las ou não. A construção do que seja contrato de adesão leva em conta a forma de contratação e não as partes envolvidas, ou o seu objeto, como ocorre na classificação dos contratos em civis e de consumo. Vale lembrar que nem todo contrato de consumo é de adesão. Por outro lado, nem todo contrato de adesão é de consumo”. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie. Forense. São Paulo. 2024. p. 29).protetivas do aderente aqui a seguir (arts. 113, § 1º, inc, IV, 423 e 424 do CC)”3

TIBURCIO, Carmen. Cláusula Compromissória em Contrato Internacional: Interpretação, Validade, Alcance Objetivo e Subjetivo. Revista de Processo, v. 241, 2015, p. 523

Felipe Banwell Ayres
Advogado. Sócio do Banwell Ayres Advogados Pós-graduado em Direito Imobiliário pela PUC-RIO.

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