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Honorários da advocacia pública. A iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo para dispor dessa verba remuneratória

Artigo discute legitimidade para regulamentação de honorários da advocacia pública, apontando unidade entre advocacia pública e privada na percepção desses honorários.

12/6/2024

O objetivo deste artigo é abordar a legitimidade para a regulamentação da destinação a ser dada aos honorários que são devidos à fazenda pública e aos representantes da advocacia pública. 

Todavia, para adentrarmos ao mérito é necessário fazer um retrospecto mínimo da evolução pela qual os honorários da advocacia pública vêm passando ao longo dos últimos anos.  

A posição da OAB acerca do direito dos advogados públicos à percepção de honorários advocatícios é conhecida de longa data, e ela vai no sentido de que não se extrai da Constituição Federal qualquer diferenciação entre a advocacia pública e privada, quanto aos direitos, deveres e prerrogativas dos advogados. 

A unidade da advocacia foi claramente corroborada pelo Estatuto da OAB, que sujeita os advogados públicos ao seu regime jurídico, além daquele próprio que lhe seja complementar (o regime jurídico do respectivo ente), mas jamais excludente. Desde então, o art. 22 da lei 8.906/94 nunca deixou espaço para dúvidas sobre o fato de que “a prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”. 

É neste contexto que na sessão de 13/6/16 a Comissão de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB, por unanimidade de votos, referendou as súmulas da Comissão de Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB, dentre as quais se destaca a seguinte: “súmula 8 – Os honorários constituem direito autônomo do advogado, seja ele público ou privado. A apropriação dos valores pagos a título de honorários sucumbenciais como se fosse verba pública pelos Entes Federados configura apropriação indevida.”

Essa evolução dogmática, legislativa e jurisprudencial foi encampada pelo CPC/15, sendo que o seu art. 85 § 19 prevê que “os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.”. Desta maneira se tem por ratificado, agora pelo CPC, que não se faz legítima nenhuma distinção dentre advogados públicos e privados, mormente no que toca ao direito existente a esta importante prerrogativa, qual seja, a da percepção de honorários advocatícios. 

Os honorários de sucumbência são eventuais, variáveis e devidos pela parte vencida na disputa judicial. De um lado, constituem punição processual ao vencido, servindo como desestímulo ao litígio; de outro, constituem incentivo adicional à atuação diligente e eficaz do advogado na defesa dos interesses da parte que ele representa. Em acréscimo, há ainda a vantagem de que não irá representar qualquer oneração aos cofres públicos. Logo, os honorários de sucumbência estão intimamente conectados ao princípio da eficiência da administração pública.

Recentemente o Supremo Tribunal julgou ADIns ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República em face das Procuradorias do Estado e também da Advocacia-Geral da União, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade do §19 do art. 85 do CPC, mas esta tese foi rechaçada por 10 votos a 1, sendo então assentada a plena constitucionalidade da percepção de honorários advocatícios por parte dos advogados públicos. 

Ao encerrarmos, portanto, o retrospecto da evolução pela qual os honorários da advocacia pública passaram, podemos extrair outra importante conclusão, qual seja a de que os valores devidos aos advogados públicos são parte integrante da remuneração destes. Esta conclusão consta do voto condutor da ADIn 6053 (rel. min. Alexandre de Moraes):

Assim, em relação à observância do teto remuneratório constitucional, previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal, pouco importa a discussão sobre a natureza jurídica da verba honorária sucumbencial, detalhada pela Advocacia-Geral da União (doc. 96), mas sim o fato de serem percebidas pelos advogados públicos como parcela remuneratória salarial e, consequentemente, estarem sujeitas ao limitador previsto constitucionalmente.

Assentada, de maneira inequívoca, a natureza jurídica (remuneratória) que é própria da verba, temos que esta atrai a incidência de outros dispositivos do texto constitucional, os quais tratam da legitimidade para a regulamentação da mesma, aí inserida a questão da sua competência exclusiva.

O art. 61, §1º, ‘c” da Constituição Federal estabelece a iniciativa privativa do presidente da República para a propositura de leis que tratem de servidores públicos da União e Territórios e de seu regime jurídico. 

Desta maneira, se percebe que o texto constitucional assinala ao Chefe do Poder Executivo a legitimidade para a propositura de projeto de lei para tratar do regime jurídico dos seus servidores, incluídos aí os integrantes da Advocacia Geral da União. Trata-se de competência exclusiva, reservada, e que é indelegável. Passo seguinte, a interpretação “a contrario sensu” leva também à conclusão de que em se tratando de matéria reservada à iniciativa do Poder Executivo, qualquer interferência do Poder Legislativo importa, consequentemente, em ofensa ao princípio da separação dos Poderes.

Assentar esta legitimidade encerra especial importância porque existem posicionamentos da advocacia pública que têm o potencial, ao menos em tese, de desagradar representantes do Poder Legislativo, sendo que estes podem, em caráter de represália, buscar diminuir e/ou suprimir o legítimo direito à percepção dos honorários advocatícios da advocacia que representa aquele ente estatal em específico. 

Admitir um hipotético avanço tal qual o cogitado retira a força da advocacia pública e isso é algo ilegítimo sob as diretrizes da Constituição Federal. 

Os arts. 131 e 132 da Constituição da República conferem à AdvocaciaGeral da União e às Procuradorias dos Estados e do Distrito Federal, também o caráter de “FEJ - Função Essencial à Justiça”. Cabe a estas a representação judicial das respectivas unidades federadas. Não obstante não estejam contempladas no texto constitucional, as procuradorias dos Municípios vêm recebendo idêntico tratamento por parte do STF. 

Quando se assevera que o hipotético avanço em detrimento de uma prerrogativa profissional legalmente outorgada a uma determinada procuradoria seria ilegítimo se assevera que um ataque àquele Órgão é um ataque ao próprio sistema jurídico. Isto porque à procuradoria compete prestar consultoria e assessoramento jurídico aos gestores, nos estritos termos do ordenamento jurídico como um todo. Logo, a procuradoria exerce tão-somente a concretização daquilo que está posto pelo ordenamento jurídico.

Ao reservar a competência para o Chefe do Poder Executivo para a propositura de projeto de lei que tenha por objeto tratar do regime jurídico dos seus servidores, o texto constitucional está subtraindo estes de potenciais ingerências indevidas por parte do Poder Legislativo. 

Em nota pulicada em 10/6/24 o Presidente do Conselho Federal da OAB assevera que “não podemos retroceder no reconhecimento dessa prerrogativa, nem usá-la como moeda de troca em discussões sobre políticas públicas ou para constranger a atuação dos advogados públicos.”.1

Recentemente o STF declarou inconstitucional legislação de Goiás que reduziu em 65% os honorários advocatícios de sucumbência devidos aos procuradores do estado nos casos de débitos tributários. A decisão, unânime, foi proferida na ADIn 7.765 que teve como relator o min. Nunes Marques. Por ocasião do deferimento da liminar naquela ADI o min. Assentou: “Assim, sendo verba pertencente ao Procurador, não pode o Estado de Goiás transigir sobre tal parcela.”. 

Cumprindo o objetivo inicialmente delineado para este artigo podemos então asseverar que eventual proposta de iniciativa de membros do Poder Legislativo que tenham por pretensão diminuir e/ou acabar com os honorários que são devidos à fazenda pública e por consequência aos representantes da advocacia pública, viola as disposições do art. 61, §1º, III da Constituição Federal por evidente vício de iniciativa. Por consequência trata-se de matéria destituída de constitucionalidade e que deve ser de pronto rechaçada. 

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1 Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/62330/nota-do-cfoab-em-defesa-dos-honorarios-daadvocacia-publica

Marcelo Alberto Gorski Borges
Procurador Federal, Especialista em Direito Socioambiental (PUC-PR), mestrando em Gestão Pública pela FGV-RJ, Ex-Presidente da Comissão de Advocacia Pública da OAB-PR

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