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A requisição judicial de registros como ferramenta de produção de provas

Marco Civil da Internet facilita obtenção judicial de registros para formar provas em processos civis ou criminais, incluindo crimes cibernéticos e disputas civis. Requisitos: indícios de ilícito, justificativa e período específico. STJ confirma obrigação dos provedores de fornecerem informações dentro da lei.

8/6/2024

À medida que a sociedade avança para uma era cada vez mais digital, o sistema judiciário enfrenta desafios inéditos na obtenção de provas relevantes. Nesse cenário, o Marco Civil da Internet1 estabelece a possibilidade da Requisição Judicial de Registros, visando facilitar a identificação de usuários para fins legais, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal.

Para que seja analisado no Judiciário, o pedido necessariamente deve conter: “fundados indícios da ocorrência de ato ilícito”; “justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória”; e o “período ao qual se referem os registros”2. Os registros podem estar relacionados tanto às informações de conexão à internet, quanto ao uso de aplicações.

O requerimento pode ser feito para diversos tipos de casos, como na investigação de crimes cibernéticos, proteção de propriedade intelectual, obtenção de evidências em disputas civis diversas, averiguação de concorrência desleal, proteção de privacidade e segurança de usuários, entre outros.

A 3ª turma do STJ já confirmou a legalidade da apresentação de informações referentes aos titulares de links patrocinados em serviços de buscas. O entendimento ressalta a obrigação dos provedores de fornecerem tais informações, dentro dos limites legais.

Em seu voto, que deu provimento a um REsp3, a ministra Nancy Andrighi discorre com clareza sobre a forma de uso da requisição de registros, citando a doutrina e precedentes sobre o tema, pontuando que o Marco Civil “estatuiu procedimento e requisitos próprios para autorizar a quebra do sigilo dos registros de conexão e de acesso, com observância obrigatória da cláusula de reserva de jurisdição”.

No acórdão, também se discorre sobre o intervalo de tempo de 6 meses, que é definido na lei para que os provedores guardem os registros de “acesso a aplicações”, orientando que os provedores não se desfaçam dos registros que são pleiteados, confirmando que é lícito e legítimo o pedido relativo à 6 meses antes da data do ajuizamento e, também, aos registros que vierem a ser produzidos em período posterior à propositura da demanda. Para os registros de conexão, a lei define o prazo de 1 ano.

Cita-se ainda um precedentei4 da Corte Superior no sentido de que o termo inicial para a contagem retroativa do prazo é a data em que a parte demandada tome conhecimento do ajuizamento da ação.

É importante lembrar que a lei também visa proteger o sigilo das informações recebidas no âmbito do processo, devendo ser preservadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do usuário, podendo ser determinado segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda dos registros5.

Sobre essa guarda, a ministra Nancy, em outro voto6, relaciona a questão com o dever de escrituração e registros das empresas, definido no Código Civil:

“Art. 1.194. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.”

A questão também se relaciona com a vedação constitucional do anonimato, nos termos do Art. 5º IV da Constituição Federal, sendo que as empresas têm a obrigação7 de armazenar dados suficientes para possibilitar a identificação do usuário.

O aspecto fundamental desses casos reside na responsabilidade do Poder Judiciário em assegurar, quando necessário, por meio de sua tutela, a proteção do tráfego online, agindo para combater a prática de atos ilícitos na internet por meio dos recursos legais contemporâneos disponíveis e, que, possa dispor de uma legislação constantemente atualizada e que acompanhe as evoluções sociais e tecnológicas em curso.

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1 Lei 12.965 de 23 de abril de 2014.

2 Artigo 22, Paragrafo Único, incisos I, II e III da Lei 12.965/2014.

3 Recurso Especial nº 1.961.480/SP. Data do Julgamento: 07/12/2021. DJe 13/12/2021.

4 Recurso Especial nº 1738651/MS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/08/2020, DJe 28/08/2020

5 Conforme Artigo 23 da Lei 12.965/2014.

6 Recurso Especial nº 1.816.632/SP. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Data do julgamento: 25/08/2020. DJe 28/08/2020.

7 Precedentes nesse sentido: REsp 1622483/SP, Terceira Turma, DJe 18/05/2018; REsp 1398985/MG, Terceira Turma, DJe 26/11/2013; REsp 879.181/MA, Terceira Turma, DJe 01/07/2010.

Natália Salles Martins
Advogada, Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes. Advogada da Employer desde dezembro de 2017.

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