A regra da impenhorabilidade do bem de família é consagrada no ordenamento jurídico brasileiro como uma forma de proteger o direito à moradia, caracterizado como direito fundamental pelo art. 6º da Constituição Federal, e à dignidade das famílias.
A impenhorabilidade do bem de família está prevista no art. 1º da lei 8.009/90, que estabelece que o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.
Em atenção aos possíveis desfechos negativos que a referida regra poderia causar, o art. 3º da lei 8.009/90 estabelece algumas exceções à impenhorabilidade, como nos casos de dívidas decorrentes de pensão alimentícia, impostos prediais e taxas condominiais. Nessas situações, o próprio texto legal prevê a possibilidade de penhora do bem de família para garantir o pagamento dessas obrigações
Ocorre que, atualmente, em certos casos, a jurisprudência do STJ tem admitido a relativização desta regra, permitindo a penhora do bem em outras situações específicas, não delimitadas na lei 8.009/90. Uma das hipóteses mais comuns é a vedação ao comportamento contraditório. Nesses casos, o STJ, a partir do julgado REsp 1.782.227/PR, tem entendido que a proteção do bem de família não pode prevalecer sobre a própria ética e a boa-fé, ao passo que, por exemplo, não se pode admitir que o devedor oferte bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão.
Em suma, os julgados do STJ que relativizaram a regra de impenhorabilidade, basicamente, dizem respeito a utilização indevida (ou má-fé) da proteção legal dada ao bem família pela lei 8.009/90. Seria o caso, por exemplo, da (i) transferência de imóvel residencial da família no trâmite de execução em face do casal, para a cunhada e irmã dos devedores (REsp 1.575.243/DF); e, da (ii) doação ao filho, menor impúbere, que sequer tinha interesse na realização do negócio, sendo manifestado, na verdade, a vontade dos pais, com a realização de anterior promessa de compra e venda "de gaveta" com terceiros, de modo ocultar o patrimônio dos patriarcas no registro de imóveis (REsp 1.364.509/RS).
No entanto, há casos em que, mesmo havendo discussão acerca da caracterização da má-fé ou não, o entendimento do STJ é firme no sentido de que a cláusula de impenhorabilidade deve ser mantida nos casos em que o devedor aliene imóvel residencial de sua família, “porque o imóvel em questão seria imune aos efeitos da execução, não havendo falar em fraude à execução na espécie” (AREsp 2.174.427).
Por fim, ressalta-se que, em um dos julgados mais recentes do STJ (REsp 2082860/RS), foi admitida a possibilidade de penhora do bem de família em casos de dívidas contraídas para a reforma do próprio imóvel, a fim de impedir a deturpação da prerrogativa legal, que visa utilizá-la como artifício para possibilitar a aquisição, melhoramento, uso, gozo e/ou disposição do bem de família sem qualquer compensação, à custa de terceiros.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, a partir da leitura do art. 3º, II, da lei 8.009/90, resta claro que a intenção do legislador aqui foi “coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem” (REsp 2082860/RS).
Diante desse contexto, percebe-se que a relativização da impenhorabilidade do bem de família legal é uma medida necessária para conciliar interesses conflitantes, como o direito à moradia e a proteção dos credores. No entanto, é fundamental que essa relativização seja aplicada de forma criteriosa, observando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.