Excluído do calendário de julgamento pelo Presidente do STF, não há previsão de retomada, pela quinta vez, do julgamento do HC 185.913/DF, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, o qual tem por objeto assentar um precedente representativo acerca do acordo de não persecução penal, com eventual fixação de tese a ser replicada aos casos análogos.
A discussão afetada ao Plenário se concentra em dois pontos de maior controvérsia, são eles: a retroatividade da norma e a confissão, conforme se extrai dos pontos submetidos à deliberação pelo ministro relator:
- O ANPP pode ser oferecido em processos já em curso quando do surgimento da lei 13.964/19? Qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A do CPP? É possível a sua aplicação retroativa em benefício do imputado?
- É potencialmente cabível o oferecimento do ANPP mesmo em casos nos quais o imputado não tenha confessado anteriormente, durante a investigação ou o processo?
Cumpre recordar que desde a entrada em vigor da lei 13.964/19, no início de 2020, inúmeras discussões vêm sendo levantadas acerca do cabimento do acordo de não persecução penal nos casos concretos, e, em face da ausência de uniformização, o entendimento sobre a retroatividade do acordo para processos já em curso e a exigência de prévia confissão do delito vem sendo discutidos caso a caso, ficado a critério do representante Ministério Público o oferecimento da proposta de acordo.
Em processos de competência federal vem sendo conferida certa segurança jurídica através do Enunciado 98, aprovado em junho de 2020 pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, dispondo que “é cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto é, antes do trânsito em julgado” e no que diz respeito à confissão, deve ser “oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal”, de modo que a aplicação desse entendimento é assegurada através da faculdade prevista no § 14 do art. 28-A do Código de Processo Penal, a qual possibilita a revisão pelo órgão superior do Ministério Público nos casos de recusa na propositura do acordo.
Por outro lado, no que diz respeito aos casos de competência estadual, há muita divergência de entendimento, de modo que muitos acordos não são oferecidos sob o argumento de que deve ocorrer antes do recebimento da denúncia ou pela alegada ausência prévia de confissão. Na maioria dos casos, ainda que facultado recurso à Procuradoria-Geral de Justiça em cada estado, observa-se uma resistência muito forte em reformar os entendimentos exarados pelos promotores na origem.
Logo, até que o STF julgue o HC 185.913/DF e fixe uma tese a ser seguida pelos demais órgãos que compõem o Poder Judiciário, muitos acordos deixarão de ser realizados e persistirá a insegurança acerca do seu cabimento, dependendo unicamente da discricionariedade do Parquet.
O writ impetrado em 21/5/20 está completando 4 anos em tramitação, e, durante esse período, já teve seu julgamento iniciado pelo Plenário do STF em quatro oportunidades, sendo que nas duas primeiras, em 13/11/20 e 17/9/21, foi interrompido por pedido de destaque. Apenas no julgamento virtual iniciado em 15/9/23, o ministro Relator Gilmar Mendes lançou seu voto concedendo a ordem de ofício para determinar a análise do cabimento do ANPP pelo juízo de origem e propondo a fixação de tese dispensando a exigência de prévia confissão e contemplando a natureza híbrida, material-processual, do acordo de não persecução penal, a qual demanda a incidência imediata em todos os casos sem trânsito em julgado da sentença condenatória.
A tese proposta pelo ministro Gilmar Mendes atende ao pleito da advocacia, conferindo uma ampla aplicação ao acordo de não persecução penal, contudo o voto faz uma espécie de modulação de efeitos, no sentido de que o acordo de não persecução penal terá incidência imediata em todos os casos sem trânsito em julgado, “desde que requerida na primeira intervenção procedimental das partes após a vigência da lei 13964/19”.
O entendimento exarado pelo ministro Relator foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, e, diante de pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o writ retornou para julgamento em sessão realizada em 17/11/23, oportunidade em que, divergindo do relator, o ministro Alexandre de Morais votou pelo indeferimento da ordem de Habeas Corpus, reafirmando o entendimento fixado no âmbito da 1ª turma do STF, no sentido de que nas ações penais iniciadas antes da entrada em vigor da lei 13.964/19, e' viável o acordo de não persecução penal, desde que não exista sentença condenatória, entendimento que foi acompanhado pela ministra Carmen Lucia.
No plenário virtual iniciado em 17/11/23 ainda sobreveio o voto do ministro Cristiano Zanin acompanhando o ministro relator Gilmar Mendes, contudo houve pedido de vista pelo ministro André Mendonça.
Devolvidos os autos para julgamento pelo ministro André Mendonça em 25/3/24, o feito foi incluído no calendário de julgamento pelo Presidente na sessão de 15/5/24, contudo, antes do início da sessão, o writ foi excluído do calendário de julgamento, não havendo nova precisão de inclusão em pauta.
Até agora 6 ministros já votaram, estando em um placar de 4x2 pela concessão da ordem de Habeas Corpus, assegurando o cabimento do acordo de não persecução penal até o trânsito em julgado.
Interessante observar que os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli, apesar de acompanharem o voto do ministro relator, fizeram a ressalva para afastar a exigência de que a defesa formule o pedido de análise do ANPP na primeira oportunidade de manifestação nos autos após a vigências do art. 28-A do CPP, ampliando ainda mais o cabimento do acordo de não persecução penal.
Ainda não votaram os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Luiz Fux, Flavio Dino e o ministro Presidente Roberto Barroso. Não obstante, em consulta às mais recentes decisões monocráticas, verifica-se que os ministros integrantes da 2ª turma do STF, André Mendonça e Nunes Marques, tem reconhecido a retroatividade do ANPP até o trânsito em julgado, dessa forma, se mantiverem o entendimento, a expectativa é de que forme maioria no Plenário, com 6 votos favoráveis, para que seja concedida a ordem de Habeas Corpus e fixada a tese de cabimento do acordo de não persecução penal até o trânsito em julgado da ação penal.