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A balança da justiça e as buscas pessoais sem mandado

Legalidade de buscas sem mandado gera debates. Artigo 244 do CPP exige "fundada suspeita". STJ destaca necessidade de fundamentação concreta, protegendo privacidade e dignidade.

14/5/2024

Em uma era onde a segurança pública é uma preocupação constante, a legalidade das ações estatais, especialmente em relação às buscas pessoais sem mandado judicial, torna-se um tema de debate acalorado. O art. 244 do CPP - Código de Processo Penal estabelece que tais buscas são permitidas apenas sob "fundada suspeita", uma salvaguarda essencial para os direitos à privacidade e à dignidade da pessoa humana. No entanto, a linha entre a segurança e a liberdade é tênue, e a jurisprudência do STJ tem sido um farol, guiando a atuação estatal dentro dos limites da lei.

Um caso emblemático, o RHC 158.580/BA, julgado pelo STJ em 19/4/22, destaca a importância de uma fundamentação concreta para a realização de buscas pessoais. O ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do caso, enfatizou que "a mera intuição ou suposições infundadas não são suficientes para legitimar a invasão da privacidade e da dignidade das pessoas". Este precedente reforça o princípio de que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo penal, conforme estabelecido no art. 5º, LVI, da Constituição Federal.

Trechos da ementa:

“Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e.g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial. Ante a ausência de descrição concreta e precisa, pautada em elementos objetivos, a classificação subjetiva de determinada atitude ou aparência como suspeita, ou de certa reação ou expressão corporal como nervosa, não preenche o standard probatório de "fundada suspeita" exigido pelo art. 244 do CPP.”

A decisão do STJ no AgRg no AREsp 2.520.866/BA, sob a relatoria do mesmo ministro, reitera essa visão, destacando que ações de busca pessoal devem ser excepcionais e estritamente fundamentadas em suspeitas concretas de ilegalidade. A mera presença em uma área de intenso tráfico ou o nervosismo ao avistar agentes policiais não são, isoladamente, suficientes para justificar uma invasão da privacidade individual.

Trechos da ementa:

“Na espécie, a busca pessoal realizada no réu foi justificada com base apenas no fato de que ele estava em área conhecida pelo intenso tráfico de drogas e na alegação vaga de que ele haveria demonstrado nervosismo ao visualizar os agentes estatais, o que, por si só, não configura fundada suspeita de posse de corpo de delito apta a validar a revista, conforme entendimento consolidado nesta Corte Superior.”

Este equilíbrio entre a eficácia na persecução penal e o respeito aos direitos fundamentais é um desafio constante para as autoridades de segurança pública e para o Poder Judiciário. A necessidade de fundamentação concreta para a realização de buscas pessoais sem mandado judicial é uma salvaguarda contra abusos de autoridade e arbitrariedades, assegurando que as liberdades individuais sejam protegidas mesmo diante da necessidade de investigação e repressão de delitos.

O julgamento do AgRg no HC 825.666/SP, sob a relatoria do ministro Antonio Saldanha Palheiro, contribui para essa jurisprudência, destacando a flagrante ilegalidade na condução de uma busca pessoal baseada em critérios insuficientes. A decisão sublinha que tais circunstâncias, por si só, não justificam a dispensa dos procedimentos legais necessários para o ingresso na residência do acusado.

Trechos da ementa:

“Conforme já sedimentado na jurisprudência desta Corte, a apreensão de drogas em posse de indivíduo não justifica a entrada em seu domicílio sem a devida expedição de prévio mandado judicial.”

A análise das decisões do STJ sobre buscas pessoais sem mandado judicial revela um compromisso inabalável com a preservação dos direitos fundamentais, mesmo diante dos desafios impostos pela necessidade de segurança pública. As decisões destacadas, particularmente o RHC 158.580/BA e o AgRg no AREsp 2.520.866/BA, sublinham a importância de uma fundamentação concreta e objetiva para justificar tais ações, reiterando que a eficácia na persecução penal não pode ser alcançada à custa dos direitos individuais.

O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas, consagrado no art. 5º, LVI, da Constituição Federal, serve como um pilar para garantir que a integridade do processo penal seja mantida, protegendo os cidadãos contra abusos de autoridade e arbitrariedades. As decisões do STJ reforçam a necessidade de que as autoridades policiais e o Poder Judiciário operem dentro dos limites estabelecidos pela lei e pela Constituição, assegurando que as liberdades individuais sejam respeitadas.

Essas jurisprudências estabelecem um equilíbrio cuidadoso entre a segurança pública e a proteção dos direitos fundamentais, destacando que a busca pela segurança não deve comprometer os princípios de justiça, legalidade e respeito à dignidade humana. A exigência de uma "fundada suspeita", conforme delineado pelo art. 244 do CPP, é uma salvaguarda essencial que reafirma o compromisso do sistema jurídico brasileiro com a proteção dos direitos individuais, mesmo diante da necessidade de investigação e repressão de delitos.

Em resumo, as decisões do STJ servem como lembretes cruciais da necessidade de equilibrar eficazmente a segurança pública com a proteção dos direitos fundamentais. Estabelecem parâmetros claros para a atuação das forças de segurança, garantindo que o combate ao crime seja conduzido de maneira ética e legal, sem que isso implique em violações dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Este equilíbrio cuidadoso é essencial para preservar a confiança no sistema de justiça criminal e para assegurar que o Estado Democrático de Direito permaneça firme em seu compromisso com a justiça e com o respeito à dignidade humana.

Em conclusão, as decisões do STJ sobre buscas pessoais sem mandado judicial reafirmam o compromisso do Brasil com os princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito. Elas servem como um lembrete crucial da importância de manter um equilíbrio entre a segurança pública e a proteção dos direitos fundamentais, garantindo que a justiça seja administrada de maneira ética, legal e respeitosa dos direitos individuais. Este equilíbrio é essencial para preservar a confiança no sistema de justiça criminal e assegurar que o Estado permaneça firme em seu compromisso com a justiça e o respeito à dignidade humana.

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Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal (CPP).

RHC n. 158.580/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 25/4/2022.

AgRg no AREsp n. 2.520.866/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 2/4/2024.

AgRg no HC n. 859.140/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 21/3/2024.

AgRg no HC n. 825.666/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 21/3/2024.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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