Aspectos destacados da Telemedicina
Renato Opice Blum*
Marta Neves**
Sob a ótica universal, algumas fontes de pesquisa remetem o início dessa prática como sendo muito antiga e registram que seu surgimento se deu por volta dos anos 1900, na Austrália, ocasião em que resultados de raios X foram transmitidos por meio de telégrafo.1
Observamos, porém, que com o passar dos tempos foram sendo desenvolvidas e aperfeiçoadas novas tecnologias e outros meios de comunicação foram sendo utilizados na medicina à distância para a transmissão de informações nas mais diversas atividades na área da saúde do mundo inteiro23456.
No Brasil, a Telemedicina foi recentemente regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução CFM 1.643/20027, em cujo artigo 1º a define como sendo “[...] o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audio-visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde.”
Dessa forma, diante da novel regulamentação legal antes apontada surgem, por outro lado, novas obrigações dos estabelecimentos de saúde e consultórios médicos, a começar pela obediência às normas técnicas do Conselho Federal de Medicina no que diz respeito à guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional, as quais, por sua vez, estão anexas à Resolução CFM nº 1.639/200289.
Dessa forma, importante destacar, como corolário da aludida regulamentação legal, o prontuário médico em suporte eletrônico. Antes, contudo, de adentrarmos nos principais aspectos da esfera da digitalização do referido documento, vamos, para fins didáticos, defini-lo.
A Resolução CFM nº 1.638/2002, em seu artigo 1º, define o prontuário médico como sendo “[...] o documento único constituído de um conjunto de informações, sinais e imagens registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência a ele prestada, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao indivíduo.”
Por seu turno, muito embora não haja uma definição legal para o prontuário médico eletrônico, certamente não difere da feita acima não é o seu significado, bastando apenas reverter a aludida definição para o meio digital.
Feitas essas considerações, temos que o prontuário médico eletrônico nasceu com a Resolução CFM nº 1.639/2002, já apontada, a qual igualmente serviu de base para ensejar, juntamente com a Resolução CFM nº 1.638/2002, a regulamentação da Telemedicina, nascendo, a partir de então, a Resolução CFM 1.643/2002.
Pela Resolução CFM nº 1.639/2002, temos que os dados que compõem o prontuário pertencem ao paciente. Dessa forma, como fica a responsabilidade dos estabelecimentos de saúde e consultórios médicos pela guarda e manutenção desses dados?
Pelo artigo 2º, da referida Resolução, importa destacar que a guarda dos prontuários médicos em suporte digital (em meio óptico ou magnético, e microfilmados) é de caráter permanente, diferentemente da preservação dos arquivados em suporte de papel do previsto no artigo 4º, da mesma Resolução, cujo prazo mínimo estabelecido é de 20 (vinte) anos, contados a partir do último registro.
Portanto, conclui-se que, no campo da Telemedicina, cresce a responsabilidade dos profissionais em decorrência do maior tempo despendido, diga-se, em caráter agora permanente, para a devida guarda e manuseio do prontuário médico digitalizado, cujos dados nele inseridos, ressalta-se mais uma vez, são de propriedade do paciente.
Assim sendo, para que haja um desenvolvimento correto e sustentável da Telemedicina no Brasil, os estabelecimentos de saúde e consultórios médicos não podem levar em consideração somente as novas técnicas de comunicação para fins de facilitar o intercâmbio de informação entre médicos e entre estes e seus pacientes. Antes de tudo, diante da amplitude das obrigações contraídas em decorrência da aquisição dessas novas tecnologias, devem, sim, obedecer rigorosamente às normas técnicas do Conselho Federal de Medicina no que diz respeito à guarda, manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional, sob pena de responderem administrativa, civil e penalmente pela não observância devida dessas novas regras jurídicas.
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1 Treatment by telegraph (1917): Excerpt from the obituary of John Joseph Holland (1876-1959). In Journal of Telemedicine and Telecare 3, pp 223, 1997. Disponível em: clique aqui Acessado em: 18 mai 2007.
2 D. Shanit, A. Cheng, RA Greenbaum: "Telecardiology: suporting the decision-making process in general practice". Journal of Telemedicine and Telecare 2, pp 7-13, 1996.
3 J. Rottger, AM Irving, J. Broere, B. Tranbmer: "Use of telecomunications in a rural emergency. Brain surgery by fax! Journal of Telemedicine and Telecare 3, pp 59-60, <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1997. In">1997. In Journal of Telemedicine and Telecare 3, pp 223, 1997. Disponível em: clique aqui Acessado em: 18 mai 2007.
4 RH Friedman, LE Kazis, A. Jette, MB Smith, J. Stollerman, J. Torgerson, K. Carey: "A telecomunications system for monitorin and counseling patiens with hypertension". American Journal of Hypertension 9, pp 285-292, <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1996. In">1996. In Journal of Telemedicine and Telecare 3, pp 223, 1997. Disponível em: clique aqui Acessado em: 18 mai 2007.
<_st13a_metricconverter w:st="on" productid="6 F">5 F. Amenta, A. Dauri, N. Rizzo: "Organization and activities of the International Radio Medical centre (CIRM)" Journal of Telemedicine and Telecare 2, pp125-131, <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1996. In">1996. In Journal of Telemedicine and Telecare 3, pp 223, 1997. Disponível em: clique aqui Acessado em: 18 mai 2007.
6 GR Curry, N Harrop: "The <_st13a_place w:st="on">Lancashire telemedicine ambulance" Journal of Telemedicine and Telecare 1, pp 125-131, <_st13a_metricconverter w:st="on" productid="1996. In">1996. In Journal of Telemedicine and Telecare 3, pp 223, 1997. Disponível em: clique aqui Acessado em: 18 mai 2007.
7 Resolução CFM nº 1.643/2002: “Define e disciplina a prestação de serviços através da Telemedicina”.
8 Essas normas técnicas regulam o uso de sistemas informatizados para a guarda e manuseio do prontuário médico devendo obedecer aos seguintes critérios: Integridade da Informação e Qualidade do Serviço; Mínimo de 03 (três) Cópias de Segurança dos dados do prontuário pelo menos a cada 24 horas; Armazenamento de Bancos de Dados; Privacidade e Confidencialidade; Autenticação – O sistema de informação deverá ser capaz de identificar cada usuário através de algum método de autenticação; Auditoria – O sistema de informações deverá possuir registro (log) de eventos; Transmissão de Dados – Para a transmissão remota de dados identificados do prontuário, os sistemas deverão possuir um certificado digital de aplicação única emitido por uma AC (Autoridade Certificadora) credenciada pelo ITI responsável pela AC Raiz da estrutura do ICP-Brasil, a fim de garantir a identidade do sistema; Certificação do software; e Digitalização de prontuários.
9 Resolução CFM nº 1.639/2002: “Aprova as ‘Normas Técnicas para o Uso de Sistemas Informatizados para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico’, dispõe sobre tempo de guarda dos prontuários, estabelece critérios para certificação dos sistemas de informação e dá outras providências.”
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*Advogado e economista; professor da FGV, PUC, IBMEC, UFRJ, FIAP; professor colaborador da Parceria ITA-Stefanini; Árbitro da FGV, da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (FIESP); Presidente do Conselho Superior de Tecnologia da Informação da Federação do Comércio/SP; Autor do livro “Manual de Direito Eletrônico e Internet”. Sócio do Opice Blum Advogados
**Professora universitária, advogada com ênfase em Direito Eletrônico, associada do escritório Opice Blum Advogados
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