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Discussão acerca dos juros remuneratórios em contratos bancários: Uma abordagem cautelosa

A importância da aplicação correta da tese firmada pelo STJ para preservar a autonomia privada e evitar o enriquecimento ilícito do consumidor.

3/5/2024

O aumento significativo das ações judiciais movidas por correntistas contra instituições bancárias é inegável.

Muito embora seja legítimo buscar reparação em casos de abusos ou práticas ilegais por parte dos bancos, torna-se preocupante quando a prestação jurisdicional é utilizada como meio para obtenção de enriquecimento sem causa pela parte demandante.

Essa tendência levanta importantes questões sobre a finalidade das demandas judiciais e destaca a necessidade de se garantir um equilíbrio justo entre os direitos dos consumidores e a responsabilidade das instituições financeiras.

Em se tratando de discussão acerca de juros remuneratórios pactuados, é fundamental que exista prova robusta de que as operações questionadas pela parte demandante foram praticadas fora dos limites contratuais e da legalidade, e não estão em consonância com as taxas médias de mercado estabelecidas pelo Banco Central do Brasil.

O STJ consolidou, por meio da sistemática de recursos repetitivos (Tema 27), o entendimento de que as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras não devem ser limitadas pelo Judiciário, salvo em hipóteses excepcionais, em que se vislumbre: (i) a aplicação do CDC ao contrato (com exceção de cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial, contratos celebrados por cooperativas de crédito, contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado); e (ii) discrepância substancial em comparação com a taxa média do mercado para a mesma modalidade da operação. Confira-se a tese firmada:

“É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1 º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.”

Nesse sentido, o min. Aldir Passarinho Junior entendeu que “a pactuação [dos juros] é livre entre as partes, somente se podendo falar em taxa abusiva se constatado oportunamente por prova robusta que outras instituições financeiras, nas mesmas condições, praticariam percentuais muito inferiores” (STJ, REsp 915.572/RS, 4ª turma., DJe 10/3/08).

No mesmo sentido, o min. João Otávio de Noronha asseverou que “a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado” (STJ, REsp 915.572/RS, 4ª turma., DJe 10/3/08).

Importante salientar que os parâmetros de aferição da abusividade devem ser buscados no próprio mercado financeiro, o que evidencia a adequação da taxa média, que é calculada com base em informações fornecidas por diversas instituições financeiras, refletindo as dinâmicas do mercado.

Vale ressaltar, ainda nesse ponto, que não se pode exigir que os empréstimos sejam concedidos exatamente até o limite da taxa média, justamente porque é uma “média”, que incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Portanto, a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é um referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso (AgInt no AREsp 1.522.043/RS, rel. min. Marco Buzzi, rel. para acórdão min. Maria Isabel Gallotti, 4ª turma, DJe 10/3/21).

E para o julgador averiguar, no caso concreto, a existência ou não de flagrante abusividade, foram estabelecidos pela Corte Superior parâmetros que podem ser utilizados. Em resumo, a jurisprudência do C. STJ entende que são consideradas “abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, rel. p. Acórdão min. Menezes Direito, DJ de 4.8.03), ao dobro (Resp 1.036.818, 3ª turma, minha relatoria, DJe de 20.6.08) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, 4ª turma, min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.9.07) da média” (STJ, REsp 1.061.530/RS, rel. ministra Nancy Andrighi, 2ª seção, DJe 10/3/09).

Não se pode perder de vista que em contratos de natureza privada e de paridade positiva, a intervenção judicial é excepcional e limitada a hipóteses em que ocorram fatos extraordinários e imprevisíveis (conforme artigos 421 e 421-A do Código Civil1), sob pena de cerceamento da autonomia privada e de se chancelar a excessiva judicialização das questões particulares.

Nesse contexto, é fundamental que os juízes e tribunais atuem de forma coerente e responsável ao admitir a revisão das taxas de juros pactuadas, para a efetivação da justiça e para a preservação do equilíbrio das relações privadas, evitando-se o enriquecimento ilícito de qualquer uma das partes.

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1 Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Carolina Arzillo
Advogada do /asbz, especialista em Contencioso Cível estratégico com foco em disputas bancárias.

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