No mês de março/24, empresas com mais de cem empregados tiveram de divulgar, pela primeira vez, Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, em cumprimento à lei da igualdade salarial. As diversas incertezas a respeito da nova lei e sua regulamentação levaram muitas empresas e entidades de classe a judicializar o assunto.
A desigualdade salarial entre homens e mulheres é um problema conhecido e relevante. Em relatório publicado em 2022, a ONU aponta para a existência de uma disparidade salarial global média de 20% entre os gêneros. No Brasil, estudos de Estatísticas de Gênero do IBGE já indicavam que, em 2022, as mulheres percebiam remuneração, em média, 21% inferior aos homens. Trata-se, sem dúvida, de um tema que pode e deve ser objeto de políticas públicas específicas; e a transparência salarial, se bem implementada, pode ser um importante mecanismo para se combater a discriminação.
A publicação compulsória de relatórios de transparência salarial já é uma tendência global. Na União Europeia, a Diretiva 970 foi publicada em 2023 para tratar do tema, determinando que Estados-membros exijam a publicação de relatórios de transparência salarial por empresas dos setores público e privado com pelo menos cem empregados. No Reino Unido, a obrigação existe desde 2017, também para empresas dos setores público e privado com mais de 250 empregados, as quais devem elaborar os próprios relatórios seguindo critérios previstos na legislação. Na Itália, empresas públicas e privadas com mais de 50 empregados têm o dever de reportar a disparidade salarial de gênero, seguindo um modelo de relatório preparado pelo próprio governo.
Já no Brasil, a obrigatoriedade foi estabelecida apenas para empresas do setor privado com cem ou mais empregados. Mas diversos aspectos da regulamentação merecem ser aprimorados a fim de que a medida possa efetivamente atingir os seus propósitos. Por exemplo, se o objetivo da lei é eliminar a discriminação salarial, questão que atinge o país como um todo, por qual razão foram excluídos os pelo menos 12 milhões de trabalhadores do setor público? A obrigação deveria ser estendida também às empresas públicas.
A metodologia adotada pelo Governo também poderia ser revista. O uso da CBO - Classificação Brasileira de Ocupações não é o método mais adequado para se comparar a remuneração de empregados, pois é incompleta e não corresponde necessariamente à função exercida. Não foram excluídas, além disso, diferenças salariais legítimas, como aquelas que decorrem de diferença de produtividade entre os trabalhadores. Essas e outras distorções levantam dúvidas sobre a precisão dos índices de discriminação apontados nos relatórios, o que pode pôr em xeque a sua credibilidade.
Ao invés de se impor a divulgação de um relatório emitido pelo Governo, melhor teria sido a permissão para que cada empresa elaborasse o seu próprio relatório seguindo critérios pré-estabelecidos na lei, tal como fez o Reino Unido, o que resultaria em dados mais acurados. A elaboração de um relatório único por empresa também se mostraria mais efetiva do que a sua fragmentação por filiais, o que dificulta a análise dos dados.
Espera-se que, para o relatório que será divulgado no segundo semestre de 2024, o Governo evolua, com antecedência, a sua regulamentação e a sua metodologia, seguindo-se exemplos positivos globais. Para além de eliminar a insegurança jurídica em torno do assunto, a revisão será um importante passo para que o relatório de transparência salarial realmente se aproxime de seus objetivos finais.